Nossos perfis no Instagram – incluindo o meu e do Jean – andaram cheios de mensagens ultimamente. Como diria nosso querido amigo e também colunista Franklin Ferreira, “não temos um dia de descanso”. Pois parece que a Velhinha de Taubaté ressuscitou e resolveu dar umas voltas no velho continente, andou pela França e voltou com ideias iluministas para casa. Não satisfeita, cochichou nos ouvidos de alguém do Ministério Público, que resolveu dar uma “recomendação” à prefeitura do município do interior paulista. A Secretaria de Educação baixou uma circular dizendo que os professores da rede municipal não deveriam usar expressões religiosas no ambiente escolar, nem mesmo a expressão “Deus te abençoe”. Uma clara demonstração de laicismo antirreligioso. Diz a carta carta:
“Considerando que a escola, além de ser um espaço de compartilhamento de conhecimento, é o legítimo lugar democrático que proíbe qualquer forma de proselitismo, pregação, conversão, catequese ou qualquer outra atitude que viole o dever de imparcialidade religiosa do Estado (...) Todas as Unidades de Ensino devem assegurar que em suas práticas diárias será respeitada a pluralidade, a diversidade e o caráter laico da Instituição Pública de Ensino e dos direitos humanos. (...) Caberá ao gestor a responsabilidade de orientar os servidores lotados em sua Unidade de Ensino a fim de concretizar as políticas que buscam assegurar os direitos à educação dentro do princípio da laicidade do Estado (...) As diferentes formas de acolhimento dos estudantes, no início do período de aula, devem ser direcionadas com palavras de encorajamento e virtudes sem qualquer referência de caráter religioso.”
Ou seja: religião, só dentro de casa, professor!
Em nosso A Laicidade Colaborativa Brasileira, ao comentarmos sobre a relação entre o Estado e a religião na França, identificamos que por lá não existe Estado laico. O que há é um movimento ideológico que entende o fenômeno religioso de forma negativa e irrelevante e, por isso, não merece vez no espaço público. Ou seja, em vez de guilhotinarem cabeças, decepa-se a alma, impedindo que as pessoas vivam pela fé, a ponto de se esquecerem das crenças. Mencionamos, inclusive, um fato curioso, que foi a afixação da Carta da Laicidade Francesa nas portas das escolas daquele país, em setembro de 2013. Nela, dizia o governo francês, no item 14:
“Nos estabelecimentos escolares públicos, as regras de vida dos diferentes espaços da escola, especificadas no regulamento interno, respeitam a laicidade. O porte de símbolos ou vestimentas pelas quais os alunos manifestem ostensivamente uma pertença religiosa está proibido.”
A Velhinha de Taubaté ressuscitou e resolveu dar umas voltas no velho continente, andou pela França e voltou com ideias iluministas para casa
O leitor há de se perguntar o que temos a ver com a França. Ultimamente, muito. Há um grande embate de visões a respeito de muitas coisas no Brasil, e o conceito de laicidade é um desses grandes dilemas. Cursos, comissões de verdade, membros do Ministério Público e vários atores sociais andam se fundamentando na Constituição francesa, como se lá estivessem. Esquecem, porém, que o sistema brasileiro de interação entre igreja e Estado é laico e colaborativo, e que as liberdades de crença e religiosa possuem âmbitos de proteção assegurados em seus foros interno e externo. Resumindo, aqui não é a França!
A Carta Laicista de Taubaté proíbe o proselitismo e tudo mais. E o que é proselitismo? É tentar fazer alguém mudar de religião para aderir à sua. É querer o melhor na outra vida tanto para si quanto para o próximo. O professor realmente não pode ter tal prática em sala de aula, mas aquele “considerando” não deixa claro onde o proselitismo não pode ser praticado, nem por quem, e ainda acrescenta diversas práticas religiosas, protegidas e invioláveis, colocando tudo no mesmo saco.
A tal circular continua assegurando o respeito à pluralidade e à diversidade, o que é louvável – mas essa “pluralidade” respeita também a religião majoritária, ou seja, o cristianismo? Posso ser cristão nas escolas públicas taubateanas? Ou o respeito é só para quem não é cristão? São perguntas importantes.
Na sequência, a secretaria taubateana afirma que as políticas educacionais devem assegurar o princípio da laicidade do Estado. Qual Estado? O brasileiro ou o francês? Se for o brasileiro, está tudo bem: professores e alunos poderão viver conforme suas crenças. Orar, rezar, cantar, ler a Bíblia. Por quê? Porque o Brasil é laico. Ser laico significa não interferir na religião das pessoas. E, como a laicidade brasileira é colaborativa, como está expresso no artigo 19, I da Constituição e em outros 11 dispositivos constitucionais, reconhece a importância da religião na esfera pública, inclusive confessional e nas escolas! Quem diz isso é o STF, na ADI 4439, em controle concentrado de normas, isto é, decisão valendo para todo o Brasil:
“A Constituição Federal garante aos alunos, que expressa e voluntariamente se matriculem, o pleno exercício de seu direito subjetivo ao ensino religioso como disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, ministrada de acordo com os princípios de sua confissão religiosa e baseada nos dogmas da fé, inconfundível com outros ramos do conhecimento científico, como história, filosofia ou ciência das religiões.”
Na mesma decisão, o STF arremata a importância da religião para temas estruturais do Estado, separando-se de vez da ladainha progressista, racionalista, positivista e jacobina francesa: “A relação entre o Estado e as religiões, histórica, jurídica e culturalmente, é um dos mais importantes temas estruturais do Estado”. E, para acabar de vez com a palhaçada de que religião é só dentro de casa e da igreja, afirmou o STF:
“A interpretação da Carta Magna brasileira, que, mantendo a nossa tradição republicana de ampla liberdade religiosa, consagrou a inviolabilidade de crença e cultos religiosos, deve ser realizada em sua dupla acepção: (a) proteger o indivíduo e as diversas confissões religiosas de quaisquer intervenções ou mandamentos estatais; (b) assegurar a laicidade do Estado, prevendo total liberdade de atuação estatal em relação aos dogmas e princípios religiosos.”
O sistema brasileiro de interação entre igreja e Estado é laico e colaborativo, e as liberdades de crença e religiosa possuem âmbitos de proteção assegurados em seus foros interno e externo. Taubaté não é a França
Isto fere de morte a Carta Laicista de Taubaté, pois suas chaves de princípios são absolutamente diferentes daquelas da Carta Cidadã de 1988. No Brasil não cabe uma recomendação do tipo “palavras de encorajamento e virtudes sem qualquer referência de caráter religioso”. Nesta Terra de Santa Cruz, o professor pode acolher e encorajar seus alunos como quiser, desde que não pratique proselitismo ou intolerância com a religião do aluno, caso seja diferente da sua, quando no uso de suas atribuições em sala de aula. As ações humanas são orientadas pela consciência de cada um, inclusive religiosa, e impedir isso é uma violação do íntimo e da consciência.
A tal carta deu tanto o que falar que já surgiu uma outra, datada de 16 de março, explicando que todas as manifestações religiosas devem ser respeitadas e que os docentes podem manifestar suas crenças pessoais, ressaltando que a vedação seria apenas ao proselitismo. Termina com um bonito “Deus vos abençoe e vos guie”. A partir dessa segunda carta (circular) ficou esclarecido qual o “princípio da laicidade estatal” referida na primeira: o da laicidade colaborativa. O ideal seria reescrevê-la, retirando os abusos que comentamos acima. A lição que fica é a da importância da liberdade de expressão e da mobilização e luta por nossos direitos. Se não o fizéssemos, a tal carta continuaria em vigor em Taubaté, quem sabe sendo copiada por outros municípios, e as liberdades de professores e alunos continuariam sendo restringidas. Continuemos vigilantes!
E, para não perder a oportunidade: Deus te abençoe e te guie, leitor!
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