O Grupo de Estudos Constitucionais e Legislativos (GECL) do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), manifestou-se acerca do uso de traje de Nossa Senhora Aparecida por uma trans brasileira no concurso Miss International Queen 2022, realizado na Tailândia, o que vem a afrontar a fé católica romana.
Conforme notícias veiculadas pela imprensa, a modelo trans participante do evento foi trajada com as vestes de Nossa Senhora Aparecida, considerada pela Igreja Católica como padroeira do Brasil. Entende-se que a escolha dessa fantasia fere sentimento religioso, ao passo que se ignora a doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana no que tange à sexualidade, aos valores familiares e à sacralidade de Nossa Senhora. O Catecismo da Igreja Católica aponta que o matrimônio é desígnio de Deus, quando dispõe:
“1605. Que o homem e a mulher tenham sido criados um para o outro, afirma-o a Sagrada Escritura: ‘Não é bom que o homem esteja só’ (Gn 2, 18). A mulher, ‘carne da sua carne’,isto é, sua igual, a criatura mais parecida com ele, é-lhe dada por Deus como uma auxiliar, representando assim aquele ‘Deus que é o nosso auxílio’. ‘Por esse motivo, o homem deixará o pai e a mãe, para se unir à sua mulher: e os dois serão uma só carne’ (Gn 2, 24). Que isto significa uma unidade indefectível das duas vidas, o próprio Senhor o mostra, ao lembrar qual foi, ‘no princípio’, o desígnio do Criador: ‘Portanto, já não são dois, mas uma só carne’ (Mt 19, 6).”
A escolha do traje fere sentimento religioso, ao passo que se ignora a doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana no que tange à sexualidade, aos valores familiares e à sacralidade de Nossa Senhora
É neste espírito que o Código de Direito Canônico estabelece a formação familiar mediante o matrimônio de homem e mulher, ordenados para a constituição familiar:
“Cân. 1055 – § 1. O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio íntimo de toda a vida, ordenado por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole, entre os batizados foi elevado por Cristo Nosso Senhor à dignidade de sacramento.”
Importa dizer, a constituição familiar, sedimentada na doutrina e no estatuto jurídico da Igreja Católica, guarda em sua ordenança a preservação da mulher biológica enquanto criação de Deus com finalidade outorgada pelo próprio Deus. A transexualidade, portanto, não importa na condição de mulher.
Trata-se a posição acima elencada de um exemplo do sedimento do exercício da fé católica, que, quando desrespeitado por incrédulos, não se trata apenas da profanação da fé sob a égide do Direito Canônico, mas, sobretudo, na manifestação de intolerância religiosa, cuja manifestação de fé encontra salvaguarda na Constituição brasileira e na legislação.
Importante lembrar que Nossa Senhora Aparecida, para os católicos, é Maria de Nazaré, mãe de Jesus Cristo, considerada virgem imaculada, pois sua gravidez foi obra do Espírito Santo. É venerada sob os mais variados títulos em muitas igrejas brasileiras, tendo sido proclamada padroeira do Brasil pelo papa Pio XI, em 1930, tendo inclusive um santuário dedicado a ela: o Santuário Nacional de Aparecida, localizado no estado de São Paulo, que recebe peregrinos do Brasil e do mundo.
No caso em questão, a candidata a “Miss Universo Trans” Eloá Rodrigues utilizou os trajes representativos de Nossa Senhora Aparecida, sob o argumento da representatividade da cultura típica brasileira, utilizando, além do traje representativo da fé católica, um decote denotando sensualidade.
Vale relembrar que em 2017 a Escola de Samba Unidos de Vila Mar iarequereu uma autorização da Arquidiocese de São Paulo para adotar, como tema do desfile, a comemoração dos 300 anos da descoberta da imagem de Nossa Senhora Aparecida. Nessa ocasião, a questão foi levada ao conhecimento do Conselho Pro-Santuário Nacional de Aparecida, que, por unanimidade, deu parecer favorável à iniciativa, mas recomendou que fossem observados alguns critérios: 1. Respeito à imagem de Nossa Senhora Aparecida, à fé e à religiosidade do povo católico; 2. Fidelidade aos fatos históricos; 3. Apresentação da genuína piedade mariana católica, sem sincretismos; 4. Decoro no desfile da escola, sem exposição de nudez; 5. Supervisão dos preparativos pelo Santuário de Aparecida e pela Arquidiocese de São Paulo. Ainda assim, a posição autorizativa foi controversa pela comunidade católica, de modo que se fez necessária uma publicação de esclarecimento da Arquidiocese a respeito da decisão.
Quando o exercício da fé católica é desrespeitado por incrédulos, não se trata apenas da profanação da fé, mas de manifestação de intolerância religiosa
A liberdade de expressão e de manifestação cultural não tem o condão de atropelar a crença, nem tampouco de desrespeitar o sagrado do próximo e deturpar, em desalinho à consciência religiosa, os estatutos institucionais da fé cristã. Isso porque a manifestação cultural religiosa deve fidelidade e respeito aos seus institutos, de modo a não ferir o que é sagrado. Os professores Thiago Rafael Vieira e Jean Marques Regina, em sua magna opus, Direito Religioso, ensinam:
“Ofender e denegrir o sagrado é um ataque ao mais íntimo do homem. Aqui vale a expressão: ‘Ao que lhe é mais sagrado’. Atacar sua fé no sagrado é solapar a sua dignidade de ser humano. Essa é a última barreira, o último muro para a bestialidade. Aqui deixamos de ser humanos, para nos tornarmos animais. Não podemos ultrapassar essa barreira. Precisamos lutar fortemente quando vemos alguém tentar derrubar ou minar esse muro. Sem dignidade não temos vida humana, voltamos ao status de res. (...)
Assim, sempre que alguém solapar o sagrado, é necessário a sociedade civil interpor-se, contrariar, não aceitar. Estamos falando de dignidade humana, estamos falando de vida. Sem dignidade não há vida plena, apenas um suspiro dela. Todos os meios que tivermos para tentar barrar ataques à dignidade devem ser usados: boicote, justiça etc. Por isso os crimes contra a honra e contra o sentimento religioso são tutelados penalmente em qualquer lugar do mundo.”
O desfile, sob a justificativa incabível de manifestação cultural, afronta os princípios instituídos da fé católica em desrespeito à sua doutrina e aos seus estatutos jurídicos, ferindo o sentimento da fé católica
Por fim, com maestria, crava Mário Ferreira dos Santos em A invasão vertical dos bárbaros: “A blasfêmia e o sacrilégio são uma ofensa à dignidade humana e revelam a baixeza da alma de quem os pratica”.
Desta feita, o IBDR entende que o desfile realizado pela trans Eloá Rodrigues, sob a justificativa incabível de manifestação cultural, afronta os princípios instituídos da fé católica em desrespeito à sua doutrina e aos seus estatutos jurídicos, ferindo o sentimento da fé católica.
(Assinam esta manifestação pública Jorge Baklos Alwan, líder do GECL, e Gabriel Ferreira de Almeida, membro do IBDR e do GECL para a temática de Direitos Humanos; com revisão de Silvana Neckel, membro do GECL e conselheira do IBDR, e Warton Hertz de Oliveira, diretor-técnico do IBDR; com revisão final e “de acordo” de Thiago Rafael Vieira, presidente do IBDR.)
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