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No último dia 1.º de dezembro ocorreu a tão esperada sabatina de André Mendonça. Como de costume, foram horas e horas de questionamentos; contudo, uma das colocações que mais geraram frenesi foi a afirmação que batiza a presente matéria: “Na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição”. As reclamações foram para todos os gostos; contudo, pretendemos nos ater a duas.
A primeira foi daqueles que reclamaram da menção à Bíblia na fala de um indicado ao Supremo. Para eles, toda e qualquer afirmação que remeta a espiritualidade é um pecado contra o deus Estado. No âmbito estatal, apenas o deus Estado pode ser louvado, ninguém mais. Para essa turma, falar em Bíblia no espaço público é cometer um crime de “lesa majestade” que deveria ser punido com o ostracismo, pelo menos.
Para os laicistas, toda e qualquer afirmação que remeta a espiritualidade é um pecado contra o deus Estado. No âmbito estatal, apenas o deus Estado pode ser louvado, ninguém mais
Todavia, no Estado constitucional brasileiro o Estado não é entronizado como um deus. No Brasil o Estado existe apenas para promover a ordem, garantir a estabilidade social e as liberdades civis fundamentais, além dos direitos sociais e, por fim, proteger o meio ambiente. Em resumo, o Estado visa ao bem comum, no plano da imanência; não é o fim último de todas as coisas. Essa é a visão constitucional brasileira; basta ler o preâmbulo da Constituição e as dezenas de artigos que protegem o fenômeno religioso ou são influenciados diretamente por ele.
Não existe espaço para o secularismo ou o laicismo de combate em nenhum ambiente, quer seja público, privado, individual ou coletivo. O sistema constitucional no Brasil reconhece a importância da religião e com ela colabora – é o que denominamos de “laicidade colaborativa” brasileira. Assim, as pessoas podem expressar suas crenças e valores em qualquer espaço, inclusive no Senado Federal e em uma sabatina.
A segunda reclamação foi no sentido de que o ministro não poderia separar Bíblia e Constituição, ou seja, deveria dizer: Bíblia na vida e no Supremo. Primeiramente, precisamos entender o que o ministro quis dizer com a referida afirmação. Caso a intenção tenha sido a de afirmar que os valores do cristianismo não podem influenciar sua postura enquanto magistrado, então concordamos com os reclames. A crença de uma pessoa se manifesta no seu íntimo e irradia por toda a sua vida. Quando alguém crê, automaticamente se inicia um processo de relacionamento com o objeto da crença, e esse relacionamento é pautado a partir dos valores morais oriundos dela. Esses valores morais se transformam na lente pela qual enxergamos, atuamos e vivemos no mundo. O processo de intelecção de qualquer ser humano necessariamente passa pela ponderação de valores e, para quem é religioso, esses valores são informados pela crença. Dito isso, qualquer julgador, ao analisar um caso, o fará a partir dessa lente; logo, não há como “tirar a Bíblia” do Supremo, se o julgador for um cristão convicto.
Por outro lado – e aqui parece-nos que tenha sido essa a intenção do ministro –, a fundamentação de seus julgados estará nos dispositivos constitucionais e não em citações, textos ou versículos bíblicos. O Brasil não é uma teocracia, tais como os países islâmicos ou de muitos reinos do Baixo Medievo que julgavam causas cíveis fundamentadas no Direito Canônico ou na Bíblia. O Brasil é laico, e as decisões judiciais devem ser fundamentadas em argumentos públicos, legais e constitucionais. Nesse particular, se esta foi a intenção do ministro, ele acertou em cheio. É até curioso ver alguns evangélicos reclamarem dessa afirmação...
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos