No último dia 11 de março, uma declaração do ministro Gilmar Mendes durante uma entrevista à Globo News deixou muitos brasileiros perplexos. Em meio a uma reunião no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o combate ao crime organizado, foi mencionada a existência de um alegado “acordo entre narcotraficantes e milicianos pertencentes ou integrados a uma rede evangélica”.
A afirmação do ministro gerou grande controvérsia, especialmente entre a comunidade evangélica do país, que constitui cerca de 30% da população brasileira. A ideia de um pacto entre o narcotráfico e igrejas evangélicas parece não apenas improvável, mas também contraditória aos princípios e práticas das instituições religiosas.
De fato, as igrejas evangélicas no Brasil desempenham um papel fundamental na promoção de valores éticos e morais, bem como na prestação de assistência social e apoio às comunidades. Muitas delas mantêm centros de recuperação e outras instituições terapêuticas que têm trabalhado incansavelmente na reabilitação de pessoas afetadas pelo uso de drogas e pela violência.
As igrejas evangélicas no Brasil desempenham um papel fundamental na promoção de valores éticos e morais, bem como na prestação de assistência social e apoio às comunidades
A suposta associação entre o narcotráfico e as igrejas evangélicas não só carece de evidências sólidas, mas também contradiz os esforços dessas instituições em combater os males do mundo do crime. É importante ressaltar que a grande maioria das comunidades terapêuticas de reabilitação é de natureza religiosa, destacando o compromisso dessas organizações em ajudar aqueles que lutam contra a dependência química.
Diante desse contexto, é crucial que, se houver de fato uma rede criminosa infiltrada em instituições religiosas, ela seja investigada e desmantelada. A integridade e a credibilidade das igrejas evangélicas, assim como de qualquer outra instituição religiosa, dependem da transparência e do compromisso com os princípios éticos e morais.
Portanto, é do interesse tanto da sociedade em geral quanto da própria comunidade evangélica que qualquer alegação de vínculos entre o narcotráfico e as igrejas seja investigada de maneira rigorosa e imparcial, garantindo que os responsáveis sejam responsabilizados perante a lei e que a verdade prevaleça.
Neste sentido, o Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR) emitiu uma Nota Pública, assim como o ministro André Mendonça, também do STF, sugerindo ao presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso, que o conteúdo desta reunião venha à luz para que se investigue se há uma “rede”, algo coordenado, ou se isso é uma grande fake news que trata, de maneira genérica, sobre diversas tradições religiosas do cristianismo que somam hoje mais de 70 milhões de brasileiros. São aquelas afirmações que, uma vez ditas, jamais conseguem voltar à fonte e se espalham, gerando destruição por onde passam. Um perigo na sociedade polarizada e ideologizada em que vivemos.
Íntegra da nota do IBDR
O Instituto Brasileiro de Direito e Religião – IBDR, por meio de seu presidente e 1.º vice-presidente, vem a público manifestar-se acerca da recente fala do ministro do STF Gilmar Mendes, em entrevista televisionada à rede Globo News, sobre a suposta existência de uma “narcomilícia evangélica” atuando na cidade do Rio de Janeiro.
Na última segunda-feira, dia 11 de março de 2024, em entrevista à Globo News, o ministro Gilmar Mendes relatou presenciar, em reunião ocorrida no STF para tratar do combate ao crime organizado, a fala de um dos oradores alegando a existência de um suposto “acordo entre narcotraficantes e milicianos pertencentes ou integrados a uma rede evangélica”. Dessa forma, assim proferiu o ministro:
“Recentemente, o ministro Luís Roberto Barroso presidiu uma reunião extremamente técnica sobre essa questão, e um dos oradores falou de algo que é raro ouvir: uma narcomilícia evangélica, aparentemente no Rio de Janeiro, onde já se tem um acordo entre narcotraficantes e milicianos pertencentes ou integrados a uma rede evangélica. É algo muito sofisticado.”
A suposta associação entre o narcotráfico e as igrejas evangélicas não só carece de evidências sólidas, mas também contradiz os esforços dessas instituições em combater os males do mundo do crime
As próprias palavras do ministro revelam tamanha estranheza diante do alegado, quando ele mesmo afirma ser “algo que é raro ouvir”. Visto que é de conhecimento comum que o Brasil é composto por mais de 80% de cristãos, sendo, dentre estes, cerca de 70 milhões evangélicos, o que torna o Brasil o 4.° país mais evangélico no mundo.
Por efeito disso, tal fala gera um grande desconforto, tanto a esta comunidade bastante plural em suas tradições, quanto em toda a sociedade, que, historicamente, sempre acolheu muito bem as manifestações de fé. Ademais, as pautas abordadas na referida reunião do Supremo são temas muito caros à comunidade evangélica brasileira, fortemente engajada no combate à drogadição. Seja no trabalho de capelanias prisionais ou em comunidades terapêuticas, onde mais de 60% têm seu funcionamento a partir da visão confessional evangélica.
Sendo assim, é de suma importância para a própria sociedade evangélica que, caso exista a suposta rede criminosa, seja ela investigada, processada e punida com a devida severidade.
Discursos generalizadores sobre grupos específicos contribuem para a propagação de fake news e para o efetivo aumento do discurso de ódio
Entretanto, é imprescindível destacar que discursos generalizadores sobre grupos específicos contribuem para a propagação de fake news e para o efetivo aumento do discurso de ódio. Por exemplo, rotular todo o segmento religioso com base na associação de um indivíduo ao narcotráfico é injusto e prejudicial.
Sendo assim, o IBDR vem se manifestar em concordância com demais lideranças evangélicas, e com o ministro André Mendonça, que se manifestou por Nota Pública, para solicitar que Sua Excelência o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, identifique o orador desta afirmação, e que o mesmo leve às autoridades policiais as informações que sejam de seu conhecimento a respeito destes supostos fatos narrados, como medida de esclarecimento e pacificação.
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