Na última quarta-feira, celebramos o Natal. Mas, afinal, o que é o Natal? Ignorando as controvérsias sobre a data exata, o Natal é, sem dúvida, o feriado mais significativo da civilização moderna, sendo o mais celebrado no mundo. Basta acessar qualquer plataforma de streaming para perceber a multiplicação de filmes, animações e musicais sobre essa temática.
Embora tenha uma origem religiosa, seus aspectos transculturais permitem que o Natal seja incorporado à sociedade secular, inspirando princípios fundamentais que constam nas Constituições, tratados internacionais e legislações ao redor do mundo.
Para além das questões teológicas, essa celebração também pode ser vista como uma expressão de cidadania, pois fomenta ações sociais, campanhas de arrecadação e doação, e promove a reflexão sobre os valores expressos por Jesus Cristo.
Essa contribuição cristã, por sua vez, influenciou a formação das bases éticas da sociedade ocidental, oferecendo a noção de solidariedade que, ao transcender o âmbito individual, se estende à esfera pública, sendo reconhecida, por exemplo, na Constituição do Brasil como um dos objetivos da República.
Origem
O Natal tem sua origem na encarnação do Filho de Deus, o nascimento de Jesus Cristo, que é, ao mesmo tempo, Filho de Deus e Filho de Maria, Deus e Homem, cumprindo as profecias bíblicas e unindo o divino ao humano, reconectando o homem pecador com Deus.
Este nascimento, um evento histórico incontestável, revela o amor — e por que não a solidariedade — do Criador pela humanidade, enviando Seu Filho para assumir a forma humana, tomando sobre si as nossas dores e oferecendo à humanidade a esperança de salvação. Esse momento se torna um marco na história, no qual o valor e a dignidade do ser humano são reconhecidos.
O nascimento de Cristo, na simplicidade de uma estrebaria, oferece lições de humildade, igualdade e solidariedade. Como proclamado pelo anjo: “Não tenham medo. Estou lhes trazendo boas novas de grande alegria, que são para todo o povo: Hoje, na cidade de Davi, lhes nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor. Isto lhes servirá de sinal: encontrarão o bebê envolto em panos e deitado numa manjedoura” (Lucas 2:10-12). Aquele que seria o Rei dos reis, em sua forma de bebê, envolto em panos e deitado numa manjedoura, em um local acessível a todos, visitado por pastores e magos (ou reis), ensina que, diante do trono de Cristo, não há distinção entre as pessoas e que todos são iguais perante Ele.
O nascimento de Cristo marcou o início da era cristã, e seus ensinamentos, juntamente com a tradição da Igreja, ergueram os pilares do pensamento ocidental, influenciando profundamente as perspectivas morais e éticas da sociedade contemporânea.
Atualidade
No contexto atual, além das questões históricas ou religiosas, o Natal se torna um momento de comunhão, reflexão, celebração, convivência familiar, ajuda ao próximo e, sobretudo, prática da generosidade, compaixão e caridade — valores imprescindíveis para o florescimento de uma sociedade.
É um evento que simboliza a união social, promovendo a coletividade e incentivando indivíduos, grupos sociais e instituições a agir com justiça e misericórdia
Por isso, o Natal pode ser visto como um ponto de inflexão para a concretização do princípio da solidariedade, previsto no artigo 3º da Constituição Brasileira.
A solidariedade serve como um instrumento de coesão social, ao estimular a consolidação dos laços sociais por meio da cooperação mútua, e fundamenta juridicamente o compromisso do Estado e da sociedade em promover a dignidade humana, reduzir desigualdades, erradicar a pobreza e buscar o bem comum.
A solidariedade também é considerada o alicerce da civilização. A antropóloga cultural Margaret Mead, ao ser questionada sobre o primeiro sinal de civilização em uma cultura, respondeu que seria a existência de uma pessoa com o fêmur quebrado e curado, pois nenhum animal sobreviveria a uma fratura tão grave o suficiente para o osso cicatrizar.
A cura só seria possível se alguém tivesse protegido, cuidado e alimentado a pessoa ferida até sua recuperação. Como afirmou Mead: “Ajudar alguém a passar por dificuldades é o ponto de partida da civilização”. Uma sociedade sem solidariedade retrocederia aos tempos pré-civilizatórios.
Nesse sentido, a solidariedade é entendida como sinônimo de cooperação, de “agir com”. Embora compartilhe um prefixo com “solidão”, a palavra solidariedade tem origem na palavra latina “solidus”, que significa inteiro, sólido, consistente. Em outras palavras, não se pode ser solidário sozinho, pois a solidariedade só se constrói com o outro, no encontro, na partilha, na comunicação e na união, e não no isolamento, separação ou distanciamento.
A essência da solidariedade reside em promover a firmeza nas relações humanas e a solidez na sociedade por meio da sinergia
No cenário atual, marcado por polarização política, isolamento social devido ao uso excessivo da tecnologia, exclusão social, desigualdades econômicas e intensos embates de opinião, a solidariedade se apresenta como um instrumento de paz e reconciliação. Ela pode unir grupos sociais distintos e polarizados em nome do bem comum, e o Natal, ao estimular o fortalecimento dos laços sociais através das festas e celebrações, oferece um ambiente de fraternidade e solidariedade.
Diante dos intensos conflitos de opinião e interesses na esfera pública — que, em alguns casos, chegam a resultar na tentativa de retirada de símbolos religiosos do espaço público, postura rejeitada (felizmente) pelo STF — a harmonização de vozes dissonantes e a superação das diferenças tornam-se fundamentais, tanto sob a ótica social quanto política.
A divisão da sociedade, onde um grupo age contra o outro, não pode avançar, em termos políticos, na resolução de problemas sociais relevantes. Pelo contrário, ela potencializa os obstáculos para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Nesse contexto, a solidariedade, adotada pela Constituição como princípio fundamental da ordem social, orienta as relações horizontais e verticais, impondo, como comando normativo, uma virtude cristã que, no âmbito público, se transforma em uma política de promoção da dignidade humana.
Esse princípio visa fortalecer a democracia por meio da consolidação da união e do cuidado mútuo. Sob essa perspectiva, podemos afirmar que a prosperidade, a estabilidade e o desenvolvimento de uma sociedade democrática dependem desse princípio amálgama e agregador: a solidariedade.
Assim como, no cristianismo, a solidariedade é o veículo da prática do amor e o reflexo de uma genuína comunhão com Cristo, no contexto contemporâneo, ela é o ponto de partida e o pilar fundamental para a existência e a manutenção da sociedade.
O Natal oferece um espaço para a prática dos valores consagrados pela Constituição, convidando todos à reflexão sobre os ensinamentos de Jesus Cristo, que inspiraram princípios constitucionais, como a solidariedade.
Esta, por sua vez, une o homem a Deus e os homens entre si, e deve ser lembrada não apenas em ocasiões religiosas, mas como uma herança cristã, elemento essencial que sustenta a civilização. E, por fim, há quem busque eliminar tudo o que remete à religião. Se algum dia isso ocorrer, nossa sociedade poderá ruir, definitivamente.
Por Thiago Rafael Vieira, em coautoria com Julie Ana Fernandes, Advogada, especialista em Direito religioso, pós-graduada em Direito Religioso, Público, Constitucional e Advocacia Criminal.
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