Imagem ilustrativa.| Foto: Natalia Bukatnikova/Pixabay
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Dentre os muitos absurdos do projeto de Novo Código Civil que está rolando no Senado encontra-se o fim do casamento religioso com efeitos civis, e a descaracterização total do próprio instituto do casamento. A bola da vez são os artigos 1.514, 1.515 e 1.516 do Código Civil.

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O Código Civil atual diz o seguinte:

“Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.”

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Já o anteprojeto propõe uma nova redação:

“Art. 1.514. O casamento se realiza quando duas pessoas livres e desimpedidas manifestam, perante o celebrante, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal e o celebrante os declara casados.
Parágrafo único. Pelo casamento, os nubentes assumem mutuamente a condição de consortes e responsáveis pelos encargos da família.
Art. 1.514-A. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.”

Retirar a exigência de que o casamento seja realizado por um juiz ou autoridade religiosa pode abrir portas para fraudes e casamentos de conveniência

Esse anteprojeto está simplesmente jogando a identidade de gêneros pela janela. Em um suposto ideal de desburocratização, substitui “homem” e “mulher” por “pessoas”, despersonalizando completamente o instituto do casamento. Isso não é apenas uma mudança de palavras, mas um golpe direto na essência do que conhecemos como casamento. O casamento, como instituição, sempre foi marcado pela união entre um homem e uma mulher, e essa mudança proposta tenta apagar essa característica fundamental, que é parte da essência do próprio instituto.

E tem mais: com a criação da figura do “celebrante”, qualquer um pode realizar a cerimônia, tornando o casamento um ato sem nenhum rigor ou solenidade, como se fosse um mero contrato civil igual a qualquer outro. O juiz de paz ou a autoridade religiosa são figuras que trazem a seriedade e a formalidade necessárias ao momento. Imaginem um casamento realizado por um amigo, em casa, sem nenhuma formalidade – é nisso que esse anteprojeto está transformando o casamento. Estamos a um passo de ter casamentos ao estilo Las Vegas, com direito a portas fechadas e sem o mínimo de formalidade, tirando a solenidade e a seriedade do ato.

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Além disso, retirar a exigência de que o casamento seja realizado por um juiz ou autoridade religiosa pode abrir portas para fraudes e casamentos de conveniência. Sem um responsável oficial, quem garante que o casamento foi realizado de forma legítima e voluntária? A presença de uma autoridade é uma proteção contra abusos e irregularidades.

A alteração proposta também afeta a compreensão social do casamento. A substituição das palavras “homem” e “mulher” por “pessoas” pode parecer uma tentativa de ser mais inclusivo, mas, na verdade, remove o reconhecimento da diferença de gêneros, que é uma parte intrínseca da instituição do casamento. Isso desconsidera a importância das tradições e das diferentes visões culturais e religiosas sobre o casamento. É isso que o Brasil e os brasileiros querem? A resposta que ressoa em nossas cabeças é um grande “não”.

Os absurdos não param por aí; a proposta também revoga os atuais artigos 1.515 e 1.516, que regulam o casamento religioso com efeitos civis, previsto na Constituição Brasileira, cujo artigo 226 diz que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, com seu § 2.º: “o casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei”.

A redação atual do Código Civil diz:

“Art. 1.515. O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.
Art. 1.516. O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos exigidos para o casamento civil.”

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Para muitas pessoas, o casamento válido é aquele realizado perante Deus, uma realidade espiritual que também possui desdobramentos civis. Por isso, é fundamental o papel do Estado em reconhecê-lo

A proposta de revogar esses artigos é simplesmente inconcebível, além de inconstitucional! O casamento tem origens religiosas, e diversas denominações têm seus ritos próprios. Quem se casa perante um líder espiritual deve ter seu casamento reconhecido civilmente. Revogar esses artigos é violar as liberdades de crença e religiosa, garantidas pela Constituição no artigo 226, § 2º e no artigo 5.º, VI. As pessoas devem ter o direito de ver seu casamento religioso refletido e reconhecido no âmbito civil, garantindo que seus valores e crenças sejam respeitados.

Além disso, muitos casais buscam o casamento religioso porque ele representa um compromisso diante de sua comunidade de fé. Ao retirar o reconhecimento civil desse tipo de união, o anteprojeto desrespeita essas comunidades e diminui o significado desses rituais. Para quem se casa perante um líder ou autoridade espiritual, o registro do casamento deve bastar para validar seus efeitos civis e jurídicos. A proposta ignora a importância dessas cerimônias e o impacto que elas têm na vida das pessoas.

A revogação dos artigos 1.515 e 1.516 também afronta a parte final do artigo 19, I da Constituição, que trata da colaboração entre o Estado e a religião. O casamento religioso com efeitos civis é o principal exemplo prático dessa colaboração constitucional. Embora o Estado e a religião estejam separados, ambos contribuem para o florescimento humano, reconhecendo que a grande maioria das pessoas vive como cidadãos de duas cidades: a espiritual e a civil.

Para muitas pessoas, o casamento válido é aquele realizado perante Deus, uma realidade espiritual que também possui desdobramentos civis. Por isso, é fundamental o papel do Estado em reconhecê-lo, em uma clara postura colaborativa. Ignorar isso é uma violação à laicidade brasileira, pois resultaria na obrigatoriedade de quem se casou apenas no religioso ter de casar-se também no civil. Isso significa empurrar o fenômeno religioso apenas para dentro das igrejas, retirando-o do espaço público, o que representa uma postura laicista extrema, semelhante à adotada na China. Essa abordagem é uma clara afronta ao nosso modelo de laicidade, que valoriza e respeita a diversidade religiosa em sua totalidade.

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Estamos diante de um anteprojeto que, sob a fachada de modernização, na verdade representa uma agenda que deseja derrubar os pilares importantes da nossa sociedade. Precisamos de um debate sério, com os olhos bem abertos, para garantir que não estejamos trocando nossa história e valores por um ideal distorcido de desburocratização. A alteração proposta não só desrespeita a tradição e a seriedade do casamento, mas também ignora a importância dos rituais religiosos e a proteção que a formalidade traz. É fundamental que essas questões sejam discutidas amplamente para evitar que tais mudanças prejudiquem o valor e a integridade da instituição do casamento.

O IBDR segue empenhado em seu trabalho crítico, conduzido pela comissão especialmente formada para essa análise. O destaque comentando aqui foi oferecido por Leonardo Girundi e André Manoel Amaral Oliveira, do Grupo 1, liderado por Leonardo Girundi, com coordenação técnica de Silvana Neckel e Warton Hertz, e supervisão de Gabriel Almeida.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]