Imagem ilustrativa.| Foto: Arek Socha/Pixabay
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Tom Jobim já dizia que “O Brasil não é para principiantes”, e essa máxima se confirma a cada dia com mais uma bomba que cai no nosso colo. No dia 15 de março, o IBDR, instituição que nos enche de orgulho, lançou um edital interno convocando seus quase 200 membros para uma missão de arrepiar: analisar a fundo a proposta de alteração do Código Civil que está dando o que falar no Senado Federal. O motivo? A coisa está pegando fogo, com notícias escandalosas pipocando nas redes sociais sobre o conteúdo dessa proposta. Assim, o IBDR, por meio de uma comissão específica, com mais de 30 especialistas, decidiu colocar a mão na massa e verificar tudo, artigo por artigo, para não sermos engolidos pelas tais fake news. Nossa ideia é, pelas próximas semanas, fazer a devida checagem de artigos considerados polêmicos da proposta.

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O Código Civil só perde para a Constituição no ranking de leis mais importantes da nação. E não é para menos: ele regula desde a compra do seu apartamento até quem fica com o quê quando alguém falece, impactando diretamente o dia a dia de todos. Além de garantir que ninguém saia passando a perna em ninguém, ele dá a estabilidade jurídica de que todo mundo precisa para dormir tranquilo. E mais: ele segue à risca os princípios da Constituição, garantindo que tudo o que você faz esteja de acordo com a lei maior do país. Para fechar, o Código Civil ainda garante que a justiça seja a mesma, seja você do Oiapoque ou do Chuí, mantendo todos na linha e com a justiça igual para todos.

Agora que já tratamos da importância do Código Civil, vamos abordar as acusações de fake news. Uma notícia (veja aqui) afirmava que o anteprojeto legalizaria o incesto. Rapidamente, outros sites, coincidentemente ou não com um perfil mais “progressista”, correram para desmentir essa informação (veja aqui). Perdemos nosso tempo lendo o conteúdo desse “desmentido” e não encontramos nem sequer uma menção à proposta de alteração do artigo 1.521, justamente o artigo controverso e sobre o qual, estranhamente, nada foi dito. No entanto, o IBDR não deixou por menos. Fomos analisar o artigo 1.521 e, surpresa! O incesto realmente estará legalizado se a proposta passar. Vamos entender como isso pode ocorrer.

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Incesto, diz o dicionário Oxford Languages online, é a “relação sexual entre parentes (consanguíneos ou afins) dentro dos graus em que a lei, a moral ou a religião proíbe ou condena o casamento”. Ou seja, a relação sexual entre parentes, além de pais e filhos, tais como tios, sobrinhos e irmãos, inclusive por afinidade (o famoso “tio emprestado” que se casou com a irmã da minha mãe), bem como entre irmãos adotivos, é incesto.

A versão vigente do artigo 1.521 é um bastião de proteção contra o incesto, proibindo claramente o casamento entre parentes próximos até o terceiro grau, incluindo irmãos bilaterais e unilaterais, e entre adotados e seus descendentes diretos:

“Art. 1.521. Não podem casar: I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II – os afins em linha reta; III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V – o adotado com o filho do adotante; VI – as pessoas casadas; VII – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte”. (destaques nossos)

A proposta do Senado mantém o texto dos incisos I, II e III, mas altera o texto do inciso IV e revoga o inciso V:

Art. 1.521. Não podem se casar:  IV – os irmãos; V – Revogado.

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Desta forma, ao revisar o inciso IV, alterando o texto para meramente “os irmãos”, a proposta retira explicitamente a menção a “demais colaterais, até o terceiro grau inclusive”. Além disso, a revogação do inciso V, que antes proibia o casamento entre o adotado e o filho do adotante, é uma clara abertura para relações incestuosas entre irmãos adotados. Por quê? Porque permite que irmãos adotados se casem entre si, assim como que os tios casem com os sobrinhos, visto que este é o parentesco colateral de terceiro grau, isto é: incesto.

Este movimento legislativo é alarmante, pois viola diretamente uma série de princípios éticos e sociais que têm sido longamente defendidos e respeitados dentro da sociedade brasileira e global. Permitir o casamento entre tios e sobrinhos, e entre irmãos adotivos, não apenas desrespeita a integridade do núcleo familiar, mas também ignora os riscos psicológicos e genéticos associados a tais uniões. Estudos em genética e psicologia enfatizam que o incesto pode levar a uma maior probabilidade de doenças genéticas e transtornos psicológicos, além de possíveis abusos emocionais e explorações dentro do ambiente familiar.

Além disso, a proposta desconsidera os impactos legais complexos que tais casamentos podem acarretar, incluindo questões de herança e a guarda de menores. A lei, em sua forma atual, serve como um baluarte contra possíveis conflitos de interesse que possam surgir em famílias onde as linhas entre as relações parentais e conjugais se tornam turvas.

Ao debater esta proposta, é fundamental que os legisladores ponderem sobre o abismo moral para o qual o Brasil pode estar se encaminhando. Ao avaliar as mudanças propostas, deve-se considerar não apenas a legalidade, mas a moralidade e a ética subjacentes que mantêm a coesão social e protegem os mais vulneráveis, além dos danos irreversíveis sob o ponto de vista psicológico entre os envolvidos e genéticos nos filhos frutos dessas uniões incestuosas. O incesto, em qualquer forma, é mundialmente reprovado moral e legalmente não apenas por razões biológicas, mas também por criar uma dinâmica familiar problemática e potencialmente prejudicial.

Portanto, é essencial que a sociedade civil e os representantes eleitos rejeitem essa tentativa de normalizar relações que são, pelas razões acima expostas e muitas outras que poderíamos citar, proibidas. A responsabilidade dos legisladores não é apenas para com a lei, mas também para com a manutenção dos valores éticos e morais que formam a base de uma sociedade justa e funcional. Esta proposta, ao permitir formas de casamento incestuosas, representa um retrocesso significativo na legislação brasileira, potencialmente desestabilizando o próprio tecido social da nação.

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O IBDR segue empenhado em seu trabalho crítico, conduzido pela comissão especialmente formada para essa análise. Sob a liderança dos autores desta coluna e a coordenação de Silvana Neckel, Warton Hertz, Andressa Bortolin, Gabriel de Almeida e Gianna O. Campos, esperamos trazer mais atualizações em breve. A investigação detalhada do artigo 1.521, crucial para as áreas de Direito de Família e Sucessões, foi conduzida pelo grupo 4 da Comissão, liderado pelo estimado conselheiro do IBDR Leonardo Girundi. Foi André Manoel Amaral Oliveira, membro da comissão, quem fez o destaque chamando a atenção particularmente para a proposta de reforma do artigo 1.521, que esmiuçamos na coluna de hoje.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]