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O mito: “Estado confessional? Estado com uma religião oficial? Isto é coisa da “Idade das Trevas” ou de republiquetas. Qualquer menção de apoio à religião é coisa de conversador retrógado, deve ser combativo. Laicidade benevolente e simpática com a religião? Deveríamos aprender com os franceses, eles que entendem de liberdade, igualdade e fraternidade. Liberdade religiosa é uma invenção à la française, aprendam com eles”. Estimados leitores, não caiam nessas ladainhas! Vamos os números:
Este primeiro parágrafo é uma pequena coletânea de algumas falácias absurdas que vamos desmistificar hoje. Utilizaremos o Social Progress Imperative[1], que se propõe a complementar o PIB dos países, analisando questões específicas como liberdade de escolha, acesso ao conhecimento básico e liberdade religiosa, entre outros.
Analisamos a posição de alguns países que são centrais nos debates envolvendo liberdade religiosa, por meio do Social Progress Index, particularmente no quesito religious freedom. A conclusão a que chegamos é impressionante e confirma o que escrevemos em nosso “Direito Religioso: Questões Práticas e Teóricas” [que está em sua 3ª edição – São Paulo: Edições Vida Nova, 2020] além de nossas aulas e palestras. Os Estados confessionais, ou seja, aqueles que se relacionam com o fenômeno religioso de forma simpática, inclusive elegendo uma religião específica como sendo oficial do Estado e assim, recebendo algumas “benesses” adicionais em relação as demais (Argentina é um exemplo) estão muito melhor no quesito de liberdade religiosa, do que a França, por exemplo, vejamos o quadro:
A tabela foi feita com base nas informações fornecidas pelo Social Progress Imperative.
Uma breve “olhadinha” no ranking e o leitor vai constatar que o primeiro parágrafo do texto é insustentável diante do fato social. Um país pode ter o discurso mais inclusivo do mundo [como França e Canadá], mas se o modelo de laicidade não for benevolente e simpático à religião...
Esse modelo de laicidade de combate praticado em países como a França, Bélgica e Canadá resulta em verdadeira afronta à liberdade religiosa e à liberdade de expressão. No momento em que esse modelo impõe aos cidadãos de um país que a expressão de sua fé deva se restringir à vida privada, sua liberdade de anunciar aos outros sua fé e o seu direito de expressá-la estarão sendo feridos de morte.[2]
...o país perde pontos em questão de índice, perde para Estados confessionais e até mesmo para uma Teocracia! O motivo? Estados confessionais e teocracias, especialmente cristãs, compreendem o valor da religiosidade para o ser humano e não se estruturam de forma a enclausurar o sentimento religioso nas quatro paredes da casa do seu cidadão. Até mesmo na Inglaterra, uma teocracia cesaropapista – “onde existe uma ascensão do poder temporal ou político sobre o poder espiritual. No cesaropapismo encontramos a figura da autoridade civil acima da autoridade religiosa como a que detém a última palavra”[3] - a liberdade religiosa está em vantagem.
Quanto aos modelos colaborativo e simpliciter, que também estão a frente, explicamos a diferença: “O modelo tradicional (ou simpliciter) de Estado laico [...], relaciona-se com a religião com neutralidade positiva, garantindo que todas as modalidades de expressões religiosas se manifestem livremente em seu território nacional”[4]. Já o modelo colaborativo, que faz parte da essência atual Brasileira e é o modelo do primeiro lugar no ranking da liberdade religiosa, Portugal, é modelo de onde decorre:
a proteção ao fenômeno religioso, exatamente como no modelo brasileiro, onde a Constituição consagra, garante e protege o livre exercício de cultos religiosos, os locais em que ocorrem e suas liturgias (art. 5.o, VI), a assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva (art. 5.o, VII), a objeção de consciência (art. 5.o, VIII e art. 143, § 1.o) e a previsão de ensino religioso, inclusive nas escolas públicas de Ensino Fundamental (art. 210, § 1.o)[5]
A mera oposição à religião não representa, empiricamente, que a religião é um instrumento de opressão e supressão de liberdades, como querem que nós acreditemos. Os mecanismos de pesquisa e avaliação – mesmo aqueles que utilizam critérios avaliativos inclinados para uma visão social da Nação – estão aí para confirmar que nos locais onde a religiosidade é reconhecida em sua dimensão pública, a liberdade religiosa é, em números percentuais, maior do que países que são hostis. É importante sempre visitar esses balanços, sobretudo neste século em que somos ludibriados a acreditar que países que carregam uma identidade de laicismo, como a França, são descritos como modelo para o mundo.
[1] https://www.socialprogress.org/
[2] VIEIRA, Thiago Rafael. REGINA, Jean Marques. Direito Religioso: Questões Práticas e Teóricas. São Paulo: Vida Nova, 2020, p. 139. Grifo dos autores.
[3] Ibidem, p. 114.
[4] Ibidem, p. 141.
[5] VIEIRA. REGINA. 2020, Op. cit., p. 156.