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É comum nos depararmos com a expressão “justiça social” quando pensamos em políticas públicas de auxílio aos vulneráveis; as vezes nós mesmos a usamos – quem nunca o fez, que atire a primeira pedra. Ela inclusive está no texto da Constituição, bem no artigo 170, que trata da ordem econômica: “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (...)”. Mas será que realmente precisamos adjetivar a Justiça?
Marcel Simões, na obra coletiva Justiça e Religião, identifica que “justiça” pode ter três acepções, quais sejam: justiça enquanto virtude humana; atributo divino; e sinônimo de Poder Judiciário. Simões também não “adjetiva” a justiça, da mesma forma que não o fazem os clássicos gregos Platão e Aristóteles, nem Tomás de Aquino, nem os nossos contemporâneos John Finnis e John Rawls.
Mas, então, por que cargas d’água tanta gente tem feito isso? A obra Por que a Justiça Social não é a Justiça Bíblica: um apelo urgente aos cristãos em tempo de crise, publicada pelas Edições Vida Nova, de autoria de Scott David Allen, pode nos ajudar nessa resposta. Dessa forma, nossa proposta aqui será elaborar uma resenha dessa obra (como já fizemos em vídeo), para auxiliá-lo na resposta do problema que trouxemos no início deste texto.
Para Scott Allen, o termo “justiça social” é muito mais do que uma expressão, mas uma visão hostil ao cristianismo e à cultura ocidental, visando, na verdade, destruí-los
Primeiramente, é importante mencionar que muitos usam o termo “justiça social” de boa-fé, isto é, não conhecem os pressupostos teóricos dessa expressão e muito menos os seus impactos na prática. O intuito de nossa coluna é, de forma resumida, lançar luzes sobre o tema para que nossos leitores possam se aprofundar nele e, por fim, tirar suas próprias conclusões.
O fato é que, de algumas décadas para cá, um conjunto de ideias “progressistas” com forte influência na teoria crítica neomarxista tem ocupado cada vez mais espaço na arena pública com o escopo de substituir a cosmovisão ou “a forma de se enxergar o mundo” existente no ocidente, fruto da junção das três cidades (Roma e seu Direito; Atenas e sua Filosofia; Jerusalém e sua Fé). Para Allen, o termo “justiça social” é muito mais do que uma expressão, mas uma visão hostil ao cristianismo e à cultura ocidental, visando, na verdade, destruí-los. É uma ideologia que nega a existência de Deus, a verdade e moralidade objetivas e a premissa de que os seres humanos foram criados à imagem e semelhança de Deus, com dignidade e valor.
Os pressupostos teóricos e filosóficos que estão por trás da “justiça social” são de que a definição do ser humano é socialmente construída, opondo-se a tudo que finca raízes em definições objetivas e naturais. Aqueles que defendem que o ser humano tem um valor intrínseco em razão de ter sido criado à imagem e semelhança de Deus são considerados opressores daqueles que discordam dessa ideia. O cristianismo nada mais é do que uma superestrutura que aliena o ser humano para que não perceba que é oprimido e explorado.
Os adeptos da visão de mundo que criou a “justiça social” entendem que os oprimidos têm de ocupar todos os espaços, indo desde a ciência, a razão, a lógica e a política, e que para isso o binário masculino-feminino e as famílias tradicionais devem ser desconstruídos. É uma cosmovisão que requer desconstrução ou a destruição de valores que mantemos por muito tempo na civilização ocidental.
Por outro lado, como adiantamos, muitos, de boa-fé, por não terem nenhum conhecimento dessa ideologia, acabam confundindo a ideologia da “justiça social” com a justiça bíblica. Justiça é um atributo divino, não temos dúvidas disso, e, nessa toada, Allen traz quatro definições de justiça, que são interessantes.
A primeira é a deJustiça estranha:ocorre quando um paradigma seguro e imutável de justiça é substituído por uma constante mudança de padrões. O que era considerado moral há cinco anos pode ser considerado imoral hoje e ainda se tornar penalizado pelas leis. Da mesma forma, aquilo que era considerado imoral nos mesmos cinco anos atrás hoje pode ser considerado moral e legal. Esse tipo de justiça abriu as portas a uma injustiça terrível em nome da justiça.
A justiça bíblica não exclui nenhuma outra religião, por se tratar de um padrão moral comum; tanto é que a Declaração Universal dos Direitos Humanos partiu dessa premissa e praticamente todos os países do mundo a ratificaram
A segunda é a daJustiça bíblica: no ocidente, todo o direito tem como origem moral o Decálogo, que é uma espécie de bússola moral para determinar quais leis humanas são justas. Por meio dela, conhecemos qual o padrão moral transcendente que provém de Deus, o Criador do Universo, cujo caráter é bondade, retidão e santidade – características essas reunidas pelo autor, que as chama de “perfeição moral”. E, importante observar que essa justiça não exclui nenhuma outra religião, por se tratar de um padrão moral comum; tanto é que a Declaração Universal dos Direitos Humanos partiu dessa premissa e praticamente todos os países do mundo a ratificaram.
A terceira é a especificamente evangélica, denominada por Allen deJustiça antes do juízo: aquela com fundamento na cruz de Cristo. A cruz nos incentiva a vencer o mal com o bem, enquanto aguardamos a justiça perfeita de Deus no Juízo Final, quando todas as balanças ficarão em perfeito equilíbrio. Pela cruz de Cristo entendemos que somos chamados a trabalhar pela justiça e pela misericórdia em nossa vida cotidiana e no mundo, amando o próximo como a nós mesmos.
Por fim, a quarta e última definição é daJustiça redefinida:caracteriza-se pelo esfacelamento das estruturas e sistemas tradicionais considerados opressores e pela redistribuição de poder e de recursos dos opressores às vítimas em busca de igualdade de renda.
A obra demonstra uma relação dos princípios fundamentais da ideologia por detrás da “justiça social”, estabelecendo um paradoxo entre a cosmovisão cristã e o pensamento dos ideólogos da “justiça social”, demostrando assim quão significativa é a diferença entre elas. E finaliza demonstrando que a “justiça social” não é apenas um termo específico dentro do conceito de justiça, mas a ponta do iceberg de uma cosmovisão sem Deus que tem como objetivo substituir a cosmovisão cristã que concebe a cultura como marcada por justiça genuína, misericórdia, perdão, harmonia social e dignidade humana.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos