Nos dias 21 e 22 de novembro, São Paulo tornou-se o centro de discussões cruciais sobre o direito religioso durante o 5.º Congresso Brasileiro de Direito Religioso, promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito Religioso (IBDR). Entre os diversos temas abordados, a objeção de consciência destacou-se como um direito fundamental que, embora frequentemente esquecido, demanda reconhecimento e proteção no cenário jurídico e social contemporâneo.
A objeção de consciência, discutida em profundidade durante o congresso, refere-se ao direito de indivíduos recusarem-se a cumprir determinadas obrigações legais que entram em conflito direto com suas crenças éticas ou religiosas. Este direito é consagrado em convenções internacionais de direitos humanos e é uma expressão vital da liberdade de crença, que a Constituição brasileira também assegura. No entanto, a prática deste direito enfrenta diversos desafios e mal-entendidos na sociedade atual, muitas vezes sendo visto como um obstáculo ao cumprimento de deveres civis. Foi o que assegurou Júlio Pohl, consultor jurídico da ADF International para a América Latina, em sua palestra de abertura.
O congresso reuniu um conjunto eclético de juristas renomados, líderes religiosos e acadêmicos, que exploraram a interseção complexa entre o direito, a religião e as normas sociais. Entre os nomes, além de Pohl, Deltan Dallagnol, Andrea Hoffmann Formiga (do recém-criado Instituto Isabel), Antônio Cesar Freitas, Felipe Chiarello e Fernando Rister (Universidade Presbiteriana Mackenzie), além de Thiago Vieira, Jean Regina, Davi Charles Gomes e a palestra final com Ives Gandra da Silva Martins, presidente de honra do IBDR. Marcou presença também o deputado federal Marcel van Hattem.
A prática do direito à objeção de consciência enfrenta diversos desafios e mal-entendidos na sociedade atual, muitas vezes sendo visto como um obstáculo ao cumprimento de deveres civis
Dallagnol enfatizou, por exemplo, que a relação entre a dificuldade de manutenção do direito à objeção de consciência e a insegurança jurídica provocada por uma atitude ativista do Judiciário é um tema complexo e multifacetado, refletindo tensões entre diferentes esferas do poder e os direitos individuais em uma sociedade democrática. A aplicação prática de direitos fundamentais enfrenta obstáculos legais e sociais, especialmente quando há uma interpretação judicial ativista que procura estender ou restringir seu alcance sem respaldo legal claro.
O ativismo judicial ocorre quando o Judiciário, ao interpretar a lei, assume um papel mais proativo na formulação de políticas, muitas vezes ultrapassando os limites da legislação vigente. Esse fenômeno se manifesta quando os tribunais conferem interpretações que ampliam ou restringem direitos além do que está explicitamente contemplado na lei, gerando insegurança jurídica. Esta situação é particularmente problemática em áreas de direitos fundamentais, como a objeção de consciência, onde o equilíbrio entre direitos individuais e coletivos é delicado.
A insegurança jurídica gerada por decisões judiciais ativistas pode ter várias consequências. Um exemplo é a inconsistência nas decisões, em que tribunais diferentes ou até um mesmo tribunal, em momentos distintos, interpretam a objeção de consciência de maneiras divergentes, comprometendo a previsibilidade das decisões judiciais. Isso gera incerteza para indivíduos e instituições sobre como o direito será aplicado em casos específicos.
Especificamente para a objeção de consciência, o ativismo judicial pode resultar em restrição injustificada, em que há uma tendência a limitar esse direito sob o pretexto de proteger interesses públicos, como saúde e segurança, sem uma ponderação adequada dos direitos individuais. Por outro lado, certos julgados podem estender o direito de objeção a situações em que o interesse público é prejudicado, criando conflitos com outros direitos fundamentais.
As palestras destacaram que a objeção de consciência deve ser vista não apenas como um direito individual, mas como um componente essencial de uma sociedade pluralista e democrática. A proteção desse direito é fundamental para manter o equilíbrio entre a liberdade individual e as necessidades coletivas.
Durante o evento, foram apresentados vários casos emblemáticos que ilustram a diversidade de situações em que a objeção de consciência se manifesta. Profissionais de saúde, por exemplo, enfrentam dilemas éticos ao serem obrigados a participar de procedimentos que contrariam suas convicções pessoais, como aborto e eutanásia. Em outro exemplo, estudantes buscam alternativas para atividades acadêmicas obrigatórias que conflitam com suas práticas religiosas, como exames em dias sagrados.
A objeção de consciência não deve ser vista como uma afronta às normas sociais, mas como um reflexo da diversidade de pensamentos e crenças que enriquece a sociedade
Os desafios jurídicos apresentados por tais casos sublinham a necessidade urgente de um arcabouço legal que não apenas reconheça, mas também proteja a objeção de consciência. Isso implica um equilíbrio delicado, em que o respeito pelas convicções individuais deve ser harmonizado com as obrigações sociais e legais.
Os participantes do congresso enfatizaram que, para proteger efetivamente a objeção de consciência, é necessário promover uma cultura de respeito e compreensão mútua. Isso envolve não apenas a criação de leis adequadas, mas também a educação e sensibilização da sociedade para a importância desse direito. A objeção de consciência não deve ser vista como uma afronta às normas sociais, mas como um reflexo da diversidade de pensamentos e crenças que enriquece a sociedade.
À medida que a sociedade enfrenta novos desafios sociais e tecnológicos, a proteção da objeção de consciência torna-se ainda mais crucial. O congresso destacou a necessidade de vigilância contínua e adaptação das normas legais para responder a essas mudanças, garantindo que todos os cidadãos possam viver de acordo com suas convicções mais profundas.
Em uma sociedade verdadeiramente democrática, é fundamental que todos os cidadãos tenham o espaço para exercer suas crenças sem medo de represálias ou discriminação
Em suas notas finais, o professor Ives Gandra relembra que a laicidade brasileira, o espírito do constituinte originário de 1988 e o texto em si celebram uma harmonia entre vontades públicas e interesses privados, construindo uma sociedade em que a solidariedade espontânea deve ser a tônica, e a consciência livre de pressões externas serve de farol moral para a concretização do potencial humano da busca autodeterminada para o cumprimento de seu propósito existencial.
O 5.º Congresso Brasileiro de Direito Religioso serviu como um lembrete eloquente de que a objeção de consciência é um direito que não pode ser negligenciado. Em uma sociedade verdadeiramente democrática, é fundamental que todos os cidadãos tenham o espaço para exercer suas crenças sem medo de represálias ou discriminação. Proteger esse direito é um passo essencial para assegurar uma coexistência pacífica e respeitosa, onde a diversidade é celebrada e as liberdades individuais são salvaguardadas.
Por meio do diálogo contínuo e da colaboração entre diferentes setores da sociedade, podemos garantir que a objeção de consciência receba o reconhecimento e o respeito que merece, contribuindo para uma sociedade mais justa e inclusiva.
Moraes eleva confusão de papéis ao ápice em investigação sobre suposto golpe
Indiciamento de Bolsonaro é novo teste para a democracia
Países da Europa estão se preparando para lidar com eventual avanço de Putin sobre o continente
Em rota contra Musk, Lula amplia laços com a China e fecha acordo com concorrente da Starlink
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS