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Crônicas de um Estado laico

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Entrevista

Onde estão os conservadores na arena pública?

Novos movimentos conservadores surgiram e ganharam força nos últimos anos. (Foto: Reprodução Facebook)

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Em nossas andanças pelo Brasil, volta e meia somos indagados sobre a intensa participação da esquerda em movimentos, conselhos e assemelhados e sobre uma “dominação” do espaço público por parte deles; neste sentido, onde estaria a direita e, principalmente, os conservadores?

Nesse tabuleiro, podemos lembrar do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), que está posicionado no debate da arena pública, com um viés conservador, como podemos observar em sua missão e princípios, extraídos de seu site: “A missão do IBDR é defender a verdade por meio da ciência jurídica, da filosofia, das humanidades e dos saberes técnicos e práticos por meio da promoção de um diálogo aberto, honesto e respeitoso entre as respectivas áreas de conhecimento a fim de avançar no conhecimento integral acerca do homem e sua relação com Deus e, consequentemente, sua vida em sociedade a partir de uma perspectiva cristã”.  São princípios do IBDR: 1. Fé e direito; 2. Defesa da liberdade religiosa, liberdade de pensamento e opinião; e 3. Princípios da lei natural e virtudes humanas, princípios da lei natural.

Assim, enquanto presidente do IBDR, fui entrevistado pelo jornalista da Gazeta do Povo Leonardo Desideri sobre a hegemonia “progressista” nos debates públicos, inclusive no STF, bem como sobre o importante tema da liberdade de expressão, ainda mais agora com as tentativas de aprovar o PL 2.630/2020.

“Os conservadores erraram em ter se afastado por muito tempo do envolvimento com instituições sociais ou governamentais.”

Em audiências públicas, comissões, conselhos e comitês do governo, a esquerda tem uma hegemonia evidente, o que acaba influenciando políticas públicas. Por que isso acontece? Acha que os conservadores têm repulsa à ideia de criar associações?

Os conservadores sempre foram muito ativos na formação de associações civis e outras instituições. Hospitais, universidades, orfanatos, asilos e beneficências são instituições idealizadas pela Igreja. A mente conservadora, na verdade, não acredita que o Estado deve estender seus tentáculos para todas as áreas da sociedade a fim de tentar solucionar problemas locais, pois isso deve ser feito por quem está mais próximo e presente. A vida acontece na cidade, no bairro, na rua, na escola local. O conservadorismo resiste, assim, ao controle centralizado e acredita que a solução de problemas sociais é mais eficiente quando parte de instituições que estão permanentemente presentes in loco onde as dificuldades estão acontecendo. Ocorre que os partidos e ativistas de esquerda aproveitaram-se de instituições já existentes, mais tarde criando as suas próprias, para fazer prevalecer sua visão de mundo na praça pública, seja em comitês de governo, comissões ou audiências públicas.

É certo que os conservadores erraram em ter se afastado por muito tempo do envolvimento com instituições sociais ou governamentais. Isso não ocorreu porque tenham repulsa delas, mas, talvez, por um relaxamento que pode ter sido resultado de um crescente individualismo, fruto do liberalismo desassociado de valores morais tradicionais, ou por entender que a vida política deveria ser deixada para os especialistas, no caso, aqueles que se dedicam exclusivamente a uma carreira política ou partidária. Porém, afirmar que conservadores têm repulsa à criação de associações não é verdade. Outra prova disso é a própria história dos EUA, país formado em grande parte por puritanos. A associação é uma das principais características dos EUA que nasciam nos séculos 18 e 19, como muito bem assevera Alexis de Tocqueville em sua obra A democracia na América.

O IBDR tem a experiência de nadar contra a corrente em certos ambientes do debate público – por exemplo, como amicus curiae em julgamentos do STF dominados por representantes de entidades de esquerda. Mesmo nessa condição de minoria, o debate pode ser proveitoso nesses ambientes? Quais têm sido os principais frutos positivos desse esforço?

É compreensível esse entendimento de que o IBDR nada contra a corrente no debate público, em especial em suas participações como amicus curiae em alguns julgamentos no STF. Mas, como a própria pergunta acaba afirmando, trata-se de ambiente dominado por representantes de entidades de esquerda, fazendo parecer que o IBDR representa uma minoria. Contudo, há de se entender que o IBDR representa o pensamento político de, no mínimo, metade da população brasileira, que votou pela reeleição do candidato conservador nas últimas eleições presidenciais; e pode-se dizer também que, no campo religioso, representa maioria da população, visto que quase 90% dos brasileiros ainda se declaram cristãos, e o IBDR é um think tank cuja base de pensamento são a moral e os valores judaico-cristãos.

Estamos cientes, no entanto, de que a visão de mundo majoritária não é aquela adotada pela maioria de um povo, mas sim aquela que domina a academia, a mídia e o Judiciário, fazendo assim que nos tornemos, de fato, representantes de uma cosmovisão minoritária. Porém, sabemos que nossas ideias são apoiadas por grande parte dos brasileiros. A partir disso, temos convicção de que nossa participação nos debates públicos é proveitosa, pois acende a chama daqueles que pensam como nós e estão adormecidos ou sem voz que os represente. Desse modo, podemos afirmar que os frutos de nossos esforços têm sido a junção de forças e a aproximação com pensadores, acadêmicos e outras instituições que buscam pautar o debate público e influenciar políticas públicas com os valores conservadores e judaico-cristãos.

“O establishment irá lutar, mas irá falhar miseravelmente. Com o advento da internet e das redes sociais, a tendência é que a restrição desses novos meios de comunicação não tenha vida longa, pois a mente do ser humano não pode ser colocada em cativeiro.”

Em uma audiência pública recente do STF sobre o Marco Civil da Internet, havia poucos grupos defendendo a liberdade de expressão, e muitos grupos querendo o aumento da censura em nome da “defesa da democracia” e do “combate às fake news e ao extremismo”. Essa é realmente a visão predominante no meio jurídico? Acha que as vozes dissonantes do meio jurídico podem ter caído em uma espiral do silêncio?

É possível, sim, que as vozes dissonantes do meio jurídico tenham caído em um espiral do silêncio ou, pior, que tenham sido jogadas para dentro dela. Temos o exemplo da juíza Ludmilla Lins Grilo, afastada pelo CNJ e respondendo a processos disciplinares por supostamente ter violado deveres funcionais e ter se manifestado em matérias de cunho político. Uma das acusações contra a magistrada é a de que ela simplesmente teria rebatido um posicionamento da Associação do Magistrados Brasileiros que condenou atos de 7 de setembro. Até onde sabemos, os atos na data da Independência foram pacíficos e não tiveram nenhum cunho antidemocrático. Mas afirmar isso rendeu à juíza esses procedimentos disciplinares contra ela. Estranho que esses mesmos grupos que dizem defender a democracia são justamente aqueles que não querem permitir que as vozes dissonantes se manifestem.

O combate às fake news é um assunto que precisa de muito amadurecimento, pois a solução defendida pela esquerda é a censura de opiniões divergentes e a repulsa a qualquer um que não se alinhe com o discurso oficial ou a visão da grande mídia; exemplo disso é o tal “Comitê Gestor” e a obrigação das plataformas agirem preventivamente em qualquer caso suspeito de fake news, conforme previsto no PL 2.630/2020, apelidado de “PL da Censura”. Entretanto, é a limitação de informações e de expressão de pensamento que dificulta a luta contra a desinformação. Se lembrarmos da Reforma Protestante, que foi grandemente ajudada pela invenção da imprensa, não foi possível conter a circulação de pensamento, ainda que a instituição dominante da época tenha tentado barrar a distribuição de livros com as novas ideias que surgiam. A história não se repete, mas rima.

O establishment irá lutar, mas irá falhar miseravelmente. Com o advento da internet e das redes sociais, a tendência é que a restrição desses novos meios de comunicação não tenha vida longa, pois a mente do ser humano não pode ser colocada em cativeiro. Defender a liberdade de expressão é defender o ser humano em sua essência. A consciência de qualquer pessoa não obedece a instituições impostas, mas segue sempre suas próprias percepções, valores e tradições. A liberdade de expressão é um direito humano, porque é intrínseca ao ser humano. Expressar o que cada um pensa é parte de eu e você sermos humanos e não sermos insetos, peixes ou um rebanho de gado. Você não pode prender o pensamento por muito tempo, pois mais cedo ou mais tarde ele irá se expressar de alguma maneira. E, ao contrário do que vem sendo dito aqui e ali, as liberdades são absolutas porque o ser humano não existe sem elas. A possibilidade de limitar liberdades quando conflitam com outros direitos não as torna relativas, mas apenas as adequa a uma necessidade temporária em casos pontuais, o que frente às liberdades de pensamento, consciência e de crença até em situações pontuais é impossível, tendo em vista suas naturezas de foro interno. Liberdades são direitos naturais, não concedidas, mas reconhecidas pelo Estado. Extirpar as liberdades ao limitá-las de forma permanente, seja por qual motivo for, é amputar parte da humanidade de um indivíduo.

(As respostas às perguntas são a posição institucional do IBDR e contaram com a participação de seu diretor técnico, Warton Hertz de Oliveira.)

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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