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Crônicas de um Estado laico

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Liberdade religiosa

A Justiça brasileira diz: pregação religiosa não é discurso de ódio

(Foto: NomeVisualizzato/Pixabay)

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O leitor se lembra do caso do pastor norte-americano David Eldridge, que disse, em um congresso pentecostal aqui no Brasil, que “todo homossexual tem uma reserva no inferno”? E ainda usou outros termos aplicáveis aos LGBTQIA+? A Aliança Nacional LGBTI+ e a Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas ingressaram com uma ação civil pública contra a Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Brasília, por causa deste ocorrido no congresso evangélico da União das Mocidades das Assembleias de Deus.

A ação alegava que tais palavras incitariam a violência contra a população LGBTI+, ferindo a dignidade humana dessa comunidade. As entidades exigiram, em seu pedido, remoção do conteúdo veiculado na internet e uma indenização de R$ 5 milhões a ser revertida em auxílio à comunidade em centros de cidadania ou acolhimento.

Recentemente veio a decisão de primeiro grau. Um juiz da 22.ª Vara Cível de Brasília julgou que as declarações do pastor Eldridge, apesar de duras, não constituem discurso de ódio. Baseado em normas constitucionais, internacionais e em jurisprudências do Supremo Tribunal Federal, especialmente a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26/DF, o magistrado entendeu que o conteúdo da pregação se enquadra no direito de proselitismo religioso, e não como um ataque direto ou incitação à violência.

Segundo o juiz, restringir o direito do pastor de expressar sua interpretação religiosa seria um precedente perigoso que poderia enfraquecer a liberdade de expressão religiosa em outras situações

A decisão judicial reconheceu que, dentro do contexto religioso, a frase polêmica faz parte de uma crença que segue a interpretação bíblica de que todas as pessoas estão destinadas ao céu ou ao inferno, dependendo de suas ações e arrependimento. Além disso, o juiz ressaltou que o pastor não estava apenas apontando um comportamento específico, mas incluindo outras práticas que a Bíblia considera pecaminosas, como a defraudação e o consumo de conteúdos imorais.

Outro ponto relevante da sentença foi a referência ao critério trifásico proposto pelo filósofo italiano Norberto Bobbio, e adotado em decisões do STF. Esse critério estabelece que, para um discurso ser considerado de ódio, ele deve preencher três requisitos: a existência de uma desigualdade entre grupos, uma hierarquização desses grupos (com um sendo considerado superior ao outro) e a defesa de práticas de escravização, exploração ou eliminação do grupo considerado inferior. No caso do pastor Eldridge, a fala, embora polêmica, não propôs a conversão forçada, o extermínio ou a retirada de direitos da comunidade LGBTQIA+, o que descaracteriza o discurso de ódio.

Além de tudo, a decisão também reforçou a importância do proselitismo como parte essencial da liberdade religiosa, um direito fundamental garantido pela Constituição. Segundo o juiz, restringir o direito do pastor de expressar sua interpretação religiosa seria um precedente perigoso que poderia enfraquecer a liberdade de expressão religiosa em outras situações.

Ao fim do julgamento, o juiz revogou a tutela de urgência que ordenava a retirada do vídeo da internet, garantindo assim a liberdade de expressão religiosa e o direito ao proselitismo. O IBDR e a Unigrejas emitiram nota pública sobre o tema.

Em meio ao ambiente extremamente tóxico que se tem tentado criar nos últimos anos gerando hostilidades crescentes à religião no espaço público, esta decisão é um lampejo de esperança de o Judiciário brasileiro tratar de temas de direitos fundamentais como neste caso: não são as sensibilidades que estão na balança de Thêmis, mas valores estabelecidos nos acordos humanos legitimamente construídos.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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