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A vitória de Donald Trump na eleição presidencial norte-americana traz à tona um cenário interessante para a discussão sobre liberdade religiosa em nível regional e global, no âmbito de organizações internacionais como a OEA e a ONU.
E isto não tem a ver apenas com uma nova administração do Executivo, mas com uma visão mais abrangente da sociedade americana e seus reflexos na política. Assim como qualquer país, a América também é cheia de contrastes, especialmente entre as médias e grandes cidades, de visão progressista e secularizada (e, portanto, com tendência de voto nos democratas), e o interior conservador e religioso (e, por consequência, com maior peso de voto nos republicanos).
As várias análises dos últimos dias sobre o sucesso surpreendente de Trump, vencedor em todos os estados-pêndulo, têm enfatizado uma visão econômica e de diminuição da inflação e gastos públicos. Mas há também uma virada ideológica neste novo governo, e ela tem a ver com uma nova formatação e reafirmação das liberdades fundamentais, pilar daquele país para o seu desenvolvimento, muito mais do que dirigismo econômico ou o que seja. E esta visão afeta o jeito de ser sociedade internamente, e como isso influencia o mundo.
A administração Trump terá a oportunidade de influenciar as políticas globais sobre liberdade religiosa
Um exemplo é o caso Kennedy v. Bremerton School District, decidido pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 27 de junho de 2022. Este caso envolveu questões de liberdade religiosa e a separação entre Igreja e Estado, especificamente no contexto de um treinador de futebol americano de uma escola pública que foi demitido por realizar orações em campo após os jogos. A decisão da Suprema Corte nesse caso marcou uma mudança significativa na interpretação da laicidade, impactando o entendimento sobre a expressão religiosa em contextos públicos.
A decisão afastou-se do tradicional Lemon Test, um critério que, desde 1971, guiava a avaliação de possíveis violações da cláusula de estabelecimento da Primeira Emenda. O Lemon Test considerava que qualquer ação do governo deveria ter um propósito secular, não poderia favorecer ou inibir a religião e não deveria promover uma excessiva intromissão do Estado nos assuntos religiosos. Com a nova abordagem da Suprema Corte, que agora permite uma maior expressão religiosa em espaços públicos, há uma clara sinalização de que a separação entre Igreja e Estado pode ser interpretada de maneira mais flexível.
Esse novo entendimento pode impactar diretamente a postura dos Estados Unidos em fóruns internacionais. Atualmente, nem a OEA, nem a ONU não têm mecanismos especializados para lidar com violações da liberdade religiosa, apesar de esse direito ser um dos pilares dos tratados internacionais de direitos humanos.
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A administração Trump terá a oportunidade de influenciar as políticas globais sobre liberdade religiosa. Reformas que criem canais dedicados ao monitoramento e à denúncia de violações nesse campo podem fortalecer o compromisso internacional na proteção desses direitos fundamentais. Entre os avanços desejáveis neste momento, será também fundamental pressionar os países a implementar medidas mais vigorosas no combate ao antissemitismo, uma inadmissível chaga persistente e que requer uma resposta coordenada e enfática da comunidade internacional.
Além disso, a reeleição de Trump pode redefinir a abordagem da liberdade religiosa dentro da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, integrando-a de forma mais explícita nas metas internacionais. O objetivo seria garantir que esse direito seja uma prioridade nas discussões globais.
A ONU lançou, por meio de sua assembleia geral (contando com 193 países), em setembro de 2015, uma nova política global: a busca de uma sociedade global inclusiva, com qualidade de vida e sustentável. Nascia ali a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, uma ambiciosa união de propósitos, contando com 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS) e 169 metas a serem implementadas dentro de 15 anos.
Há a possibilidade de se começar a desenhar uma Agenda 2050 que incorpore de maneira mais abrangente as questões de liberdade religiosa, considerando o contexto de um mundo cada vez mais diverso
Mesmo sabendo que a liberdade religiosa é conhecida como a primeira das grandes liberdades, a partir da qual todas as demais seguem, as nações deixaram de lado uma grande oportunidade de promover realmente um ambiente de liberdade e florescimento do potencial humano, que é movido por seus anseios e suas respostas às questões transcendentes. Escrevemos um livro sobre este tema, tecendo a crítica à ausência de uma ODS para a liberdade religiosa, nem a inclusão da liberdade de expressão nos objetivos existentes.
Olhando para o futuro, também há a possibilidade de se começar a desenhar uma Agenda 2050 que incorpore de maneira mais abrangente as questões de liberdade religiosa, considerando o contexto de um mundo cada vez mais diverso e confrontado com desafios como a intolerância e o extremismo. A religião é um ator fundamental nas discussões sobre promoção da paz.
A eleição de Trump em 2024 representa uma oportunidade decisiva para impulsionar a liberdade religiosa em nível global. Com a Suprema Corte dos EUA revisitando conceitos de laicidade e o país assumindo um papel renovado em fóruns internacionais, abre-se um espaço significativo para promover um diálogo mais amplo sobre o direito religioso, na dimensão subjetiva e no ordenamento social.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos