O Gangrena Gasosa é uma das bandas mais folclóricas da história do rock brasileiro, a começar pelo seu estilo musical, denominado pelos próprios integrantes como “sarava metal”. O grupo tem 22 anos de carreira, com várias mudanças em sua formação, histórias engraçadas e fidelidade aos seus princípios. Atualmente, a banda conta com os vocalistas Zé Pelintra e Omulú, Exú Caveira na guitarra, Exú Lúcifer no baixo, Egum na bateria e Pomba Gira na percussão. O vocalista Angelo Arede, conhecido como “Zé Pelintra”, concedeu uma entrevista exclusiva ao Cwb Live falando sobre essas duas décadas de história do Gangrena Gasosa.
O primeiro trabalho do grupo foi “Welcome to Terreiro”, lançado em 1993. O CD trazia músicas que logo chamaram a atenção dos fãs de metal brasileiro, como “Exu Noise Terror” e “Troops of Olodum”, uma “paródia”, digamos assim, da música “Troops of Doom”, do Sepultura. Em 1996 foi lançado a demo, sem trocadilhos, “Cambonos From Hell”, outro paralelo, desta vez com o disco “Comboys From Hell”, do Pantera. No ano 2000 a banda gravou o CD “Smells Like a Tenda Espírita”, outra brincadeira, desta vez com a música “Smells like teen spirit”, do Nirvana. Nesse disco está a singela canção “Centro do Pica-Pau Amarelo”, onde a letra faz com que todos os personagens do livro de Monteiro Lobato virem uma entidade de Umbanda.
O que mais chama a atenção, no som do grupo, é a mescla de death metal, black metal, punk, hardcore e outros gêneros musicais, aliados à batida inconfundível da macumba brasileira. Angelo explica como foi criado o “conceito” do saravá metal. “Surgiu da vontade de aproximar os ‘camisas pretas’ brasileiros do ocultismo da sua própria terra. Para que louvar os demônios ‘from Hell’, de raízes gringas se, aqui no Brasil, temos um leque infinito de entidades que fazem parte do nosso dia-a-dia?”, conta.
Segundo o vocalista, o medo que as pessoas têm das religiões africanas, com a Umbanda, interfere até no seu gosto musical. “Aqui quem curte som pesado xinga padre, pastor, sacaneia Jesus, Maomé ou Buda para comprovar a sua maldade, para se afirmar como ‘defão’ mas, quando vê um despacho, atravessa a rua ou pede licença. Como os europeus da colonização, hoje em dia, neguinho ainda se borra de medo do batuque. Foi esse medo que levou à demonização das religiões africanas. Se é pro bagulho ficar sinistro que seja o ‘nosso’ sinistro”, afirma.
O disco mais recente do grupo, lançado no ano passado, tem o singelo nome de “Se Deus é Dez Satanás é 666”. As influências da banda são as mais variadas, partindo da MPB e chegando ao black metal. “No começo nossa influência era Ratos de Porão e tudo do punk/hardcore. Mas sempre rolou ecletismo, a ponto de termos sido influenciados desde o death metal, Ministry e Anal Cunt a Hermeto Pascoal e Bezerra da Silva. Particularmente, eu tenho mergulhado fundo em ‘música de raiz africana’, se é que esse termo existe, mas acho que o que sempre inspirou mesmo o Gangrena foi o bullying extremo”, conta Angelo.
As dificuldades de se manter na ativa dentro do cenário da música brasileira e, principalmente, no underground, que é o habitat natural do Gangrena, são grandes, de acordo com Angelo. “Olha, eu gostaria de dizer que é tudo uma maravilha, mas não é. Principalmente pelo fato da temática da banda. Hoje em dia com o advento dos almofadinhas das redes sociais, e desse nojento novo moralismo, tem sido um processo penoso para descolar as coisas, talvez mais do que nos anos 90”, reclama.
Esse processo do “politicamente correto”, que demoniza tudo o que não esteja de acordo com as ideias moralistas, atinge até a música feita no país, atualmente. “Para se ter uma ideia, já deixamos de tocar em festivais cheios de bandas de black metal por conta dos organizadores dizerem que ‘mexemos com forças muito negativas’. Cacete! Letras que incentivam as pessoas a queimarem igrejas e molestarem fetos podres tudo bem, mas não pode ter grupo com Pomba Gira e Zé Pelintra. Não entendo. Mas a expectativa, com o lançamento do nosso clipe, e do primeiro DVD oficial, é das melhores”, afirma Angelo.
O DVD a que Angelo se refere, o primeiro gravado pela banda, intitulado docemente de “Desagradável”, deve ser lançado no final do mês que vem. Será um vídeo-documentário contando os 22 anos de história do grupo. “Fizemos uma parceria com a ‘BlackVomit Filmes’, que fez o documentário ‘Guidable’, do Ratos de Porão, para dar aos fãs um material de qualidade do Gangrena, já que as coisas disponíveis por aí são muito fragmentadas. Será um puta DVD, coisa de colecionador mesmo, com shows antigos, aparições na TV, entrevistas e um monte de novidades”, explica. O vídeo trará um show gravado no Inferno Club, em São Paulo, local mais que adequado ao som do grupo. Muitas lendas da folclórica história dos criadores do “saravá metal” também serão passadas a limpo. “O documentário vai passar a régua no passado conturbado e folclórico do Gangrena. Muitas coisas que as pessoas contam sobre a banda são mito, outras não”, explica Angelo.
Os 22 anos de carreira renderam muitas dessas histórias, e estórias. “Já teve ex-integrante que quase morreu atropelado depois de ser puxado por uma Pomba Gira para a linha do trem, centro de macumba próximo ao Garage que teve que parar as atividades na hora do show da banda por conta de só descerem espíritos malignos na hora da saída de santo, possessões, perseguições da Igreja Universal aos shows do grupo, treta com skinheads na Alemanha, motorista de van dormindo ao volante, quase fomos expulsos do programa Jô Soares enfim, esse monte de bandalheira será detalhado no DVD que, de tanta história, deve ser duplo”, conta Angelo.
O documentário trará depoimentos de vários músicos e ex-integrantes do grupo. “Quem teve a infelicidade de topar com a gente nesses anos vai contar as suas versões das histórias, nem sempre tão engraçadas. João Gordo, Jão, B Negão, Jello Biafra, Dado Villa-Lobos, Marcelo D2, Rafael Ramos, Tom Leão, Larry Antha, Fábio ‘Garage’ e mais um time de ex-integrantes que daria para montar duas equipes de futebol society”, brinca Angelo.
Um das participações especiais mais inusitadas é a do ex-guitarrista da Legião Urbana, Dado Villa-Lobos. “Ele era sócio do André X, da Plebe Rude, no selo RockIt!, que lançou o nosso primeiro LP. Para contarmos a história completa da banda tivemos que dar voz a ele e para pessoas tão improváveis quanto o Jello Biafra, que curte o som do grupo. E vocês nem imaginam o que essa galera improvável disse sobre nós, é cada coisa que até satanás duvida. É aguardar pra ver”, afirma Angelo.
A banda está prestes a lançar o seu primeiro clipe oficial, da música “Cambonos From Hell”, que está sendo produzido pela produtora de efeitos especiais Nurder, e também será incluído no DVD. No final do ano, o Gangrena embarca para fazer a sua 2ª turnê europeia. “Se o mundo não acabar, no começo do ano que vem ainda tem o disco novo e, se for acabar, vamos aproveitar esse finalzinho para dar ao planeta muito saravá metal”, conclui Angelo.
Confira o trailer do documentário “Desagradável” e o vídeo da música “Se Deus é Dez Satanás é 666”.
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