O Violeta de Outono é o maior representante da música psicodélica, no Brasil, desde os anos 1980. O grupo lançou, no mês passado no SESC Pompéia, em São Paulo, o CD “Espectro”, seu oitavo trabalho de estúdio em 28 anos de carreira. O vocalista e guitarrista Fabio Golfetti, um dos fundadores do grupo, concedeu uma entrevista exclusiva ao Cwb Live, falando sobre as quase três décadas de história da banda.
A história do Violeta começa em 1984, na cidade de São Paulo. A formação original, e clássica, tinha Fabio Golfetti na guitarra e vocal, Cláudio Souza na bateria e Angelo Pastorello no baixo. As influências do grupo, desde o seu início, remetem ao psicodelismo das grandes bandas do estilo, como o Pink Floyd. Em 1985 eles gravaram a sua primeira demo tape, que trazia quatro dos maiores clássicos do grupo: “Outono”, “Reflexos da noite”, “Dia eterno” e a belíssima “Declínio de maio”. No ano seguinte, a loja de discos Wop Bop criou o seu selo e convidou o Violeta para inaugurar a nova empreitada.
O cenário do rock nacional, nos anos 1980, era muito diferente do atual. O principal fator foi o surgimento da internet, que “estreitou” a relação entre público e banda. A TV e, principalmente, o rádio, que tinha algumas emissoras voltadas para a música feita de forma mais artística, como a Fluminense FM, no Rio de Janeiro e a Estação Primeira, em Curitiba, trazia jornalistas e radialistas que pesquisavam e apresentavam novas bandas ao público, fato raríssimo atualmente.
A revista Bizz, especializada em música, também era uma fonte rica em informações sobre rock e pop. O Violeta foi eleito, em 1987, a “banda revelação” em uma votação feita pelos leitores da Bizz. “Nos anos 1980 existia um boom no rock brasileiro e as gravadoras estavam no auge, então foi investido muito em diversos artistas independentes. Esse rock era divulgado, principalmente, por meio de formadores de opinião, e isso ajudava o movimento a ter força. Existiam dificuldades técnicas mas, o principal, as ideias, estavam em primeiro lugar”, relembra Fabio.
Os anos 2000
Atualmente, existem inúmeras maneiras de se divulgar um trabalho pela internet. Isso também envolve as bandas em um oceano de dúvidas, pois são pontos que cada grupo precisa saber pesar muito bem para alcançar os seus objetivos. “Vejo uma evolução, principalmente técnica e criativa. Porém, a facilidade em se fazer um trabalho com um bom nível trouxe uma infinidade de bons grupos e artistas que ficam perdidos em um oceano de conexões sociais e ferramentas de divulgação”, analisa Fabio.
A possibilidade de colocar o seu CD para ser baixado pela internet é um dos caminhos dessa nova era da música. Fabio acredita que, apesar disso, o que a banda apresenta ao vivo ainda é o que faz a diferença. “O download de arquivos é uma evolução, o modelo de distribuição de música é que muda. O artista se valoriza mais tocando ao vivo nos dias de hoje”, explica.
O status de banda cult
O Violeta sempre esteve à margem da grande mídia nacional. Não por falta de qualidade, afinal o seu som é artisticamente e tecnicamente muito bem feito. A divulgação da música do grupo, principalmente nos anos 1980 e 1990, era feito pelos próprios fãs que apresentavam a banda a outras pessoas.
A relação com o público que os acompanha desde os anos 1980, e que manteve o nome do grupo vivo até hoje, sempre foi intensa. “O Violeta de Outono sempre se manteve graças a uma divulgação paralela à grande mídia, desde os anos 80. Apesar de estarmos na grande gravadora RCA e, posteriormente, na BMG-Ariola, a banda mantinha uma espécie de network através de um pequeno selo /fanzine chamado ‘Invisível’. Este ‘fã clube’ mantinha os fãs informados sobre as atividades da banda, disponibilizava gravações raras, demos e outakes de estúdio. Isso manteve o grupo sempre ativo e, quando chegou a internet, isso se ampliou e se renovou”, explica Fabio.
Manter a sua postura e o seu som intactos, passando por tantas mudanças que o meio musical e, principalmente, a mídia brasileira apresentou desde os anos 1980, é uma atitude que mostra bem o caráter e a convicção que um músico tem em seu som. “Tivemos uma chance, na década de 80, de ser uma banda mais popular. Porém, por algumas decisões e circunstâncias, optamos por fazer a música que gostamos, sem preocupação se iria vender ou não”, afirma Fabio.
Essa decisão corajosa trouxe uma aura “cult” que acompanha o Violeta até hoje. “Por um lado, isso nos ajudou a manter a banda íntegra no seu princípio. Sempre fizemos os discos de acordo com nossas ideias. Entretanto, ficamos limitados a um público mais alternativo, mas extremamente fiel”, explica Fabio.
Bandas com um estilo definido, com uma história e, principalmente, com boas músicas são, cada vez mais, deixadas de lado no cenário da “indústria cultural” moderna. “Isso é algo difícil de falar. A banda sempre foi muito elogiada e ganhou o status de ‘cult’, porém, vejo que, muitas vezes, vai para o esquecimento em alguns eventos importantes”, desabafa Fabio.
Muitos artistas no país, dos mais variados estilos musicais como Chico Buarque na MPB, Made in Brazil no rock e Nuno Mindelis no blues, só para citar alguns, raramente são executados nas emissoras de rádio ou citados na mídia tradicional. Viver no underground do rock nacional não incomoda a banda. “Claro que gostaria que sempre fosse lembrada nos eventos e festivais de rock e musica em geral no Brasil, mas isso depende muito de divulgação e de pessoas que estão promovendo. Vejo no Brasil que apenas artistas muito conhecidos se mantem na mídia, outros extremamente importantes e fundamentais, vão para o esquecimento”, argumenta Fabio.
Letras
As letras das músicas do Violeta casam muito bem com as melodias, levando o ouvinte a embarcar no feeling da canção. Segundo Fabio, isso sempre foi uma preocupação no trabalho de composição do grupo. “As letras sempre tiveram um papel importante no conceito da música do Violeta de Outono, complementando a clima de imagens e sensações das canções. Um dos principais pontos foi integrar o vocal com o instrumental, criando sempre uma atmosfera mais etérea”, explica.
“Declínio de maio”, do primeiro álbum do grupo, “Outono”, de 1987, é uma de suas mais belas canções e um exemplo desse casamento entre melodia e letra. “Este é o final da sua história, espero que fique além da memória. Anjos procurando se esconder, caídos no abismo tentam se recolher”, diz a letra. A marcação de bateria e baixo, umas das características do som do Violeta, faz o pano de fundo para a guitarra cheia de efeitos de Fabio, levando o ouvinte, literalmente, a uma viagem sonora. “Essa música foi composta em 1985 e aparece no nosso primeiro LP. Ela mistura a imagem do Céu e da Terra do I Ching ao imaginário mundo multicolorido psicodélico. A letra procura criar imagens na mente de quem ouve, associada ao clima hipnótico e mântrico de uma melodia oriental”, explica Fabio.
“Espectro”
O recém lançado CD “Espectro”, o oitavo trabalho de estúdio do Violeta de Outono, é uma continuação do disco anterior, “Volume 7” que, segundo Fabio, transformou drasticamente a sonoridade do grupo. “Com a mudança da formação da banda em 2005, a entrada do Fernando Cardoso e do som do órgão Hammond, o grupo passou a soar mais psicodélico/progressivo. Isso renovou o espírito da banda, abriu novas possibilidades e nos inseriu com mais força no mercado internacional”, afirma.
A formação que gravou o CD teve Fabio Golfetti na guitarra e vocal, Gabriel Costa no baixo, Fernando Cardoso no órgão Hammond e piano e, na bateria, José Luiz Dinóla, fundador da banda Chave do Sol, recém integrado ao Violeta. “Gravamos no estúdio Mosh, em São Paulo, utilizando um novo sistema chamado ‘Clasp’ que conecta o gravador multipistas analógico ao Pro Tools. Com isso, a gravação ganhou um colorido especial. São nove composições novas que poderiam estar todas interligadas pelo mesmo tema que permeia o álbum, repleto de passagens instrumentais e climas espaciais”, explica Fabio.
Além do Violeta de Outono, o guitarrista e vocalista Fabio Golfetti mantém um projeto paralelo chamado Invisible Opera Company Of Tibet. “É um veículo de manifestações artísticas musicais que surgiu da ‘visão’ do criador da banda Gong, Daevid Allen, em 1966. IOCT é um nome-código para transmissão da música através de sete lamas etéreos, os ‘Octave Doctors’, vindos de outro mundo, do planeta que eles representam, o Planeta Gong”, conta Fabio. Segundo Daevid, não foi ele que concebeu a Ópera Invisível, é ela que os transforma em músicos, canalizando a criatividade. Todo o trabalho do Gong se baseia nesse princípio. Fabio, inclusive, fará uma turnê pela Europa com o grupo, a partir de outubro, substituindo o guitarrista Steve Hillage.
O líder do Violeta de Outono já lançou quatro CDs utilizando o nome Invisible Opera. “No final dos anos 1980 eu estava em contato com o Daevid através de uma amiga em comum, a May East, e passei a utilizar o nome Invisible Opera no Brasil. Gravei quatro CDs com vários músicos, sendo que o último, ‘UFO Planante’, lançado em 2010 em formato de trio, tem sido muito bem recebido, principalmente no exterior, devido a conexão com o Gong”, conta.
Curitiba só foi palco de um show do Violeta. Foi em 2006 no bar Jokers. “Foi um show memorável. A banda nunca havia se apresentado em Curitiba! Sempre estamos dispostos em ir até aí. Acredito que, com o lançamento do novo CD ‘Espectro’, novas oportunidades surgirão”, afirma Fabio.
A capital paranaense tem uma geração que aprendeu a buscar bandas fora da grande mídia, muito por causa da extinta rádio Estação Primeira que apresentou, de 1986 a 1995, uma gama enorme de artistas fantásticos e desconhecidos do grande público. O Violeta foi um desses grupos. “Espero que possamos voltar mais vezes para Curitiba. Sempre recebemos mensagens do público daí, com quem nos identificamos muito. Eles combinam com o estilo da banda”, afirma Fabio.
Confira três clássicos do Violeta de Outono: “Dia eterno”, “Declínio de maio” e “Vênus”.
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