O público que compareceu ao Master Hall, em Curitiba, no último sábado 21/4, pôde ver de perto boa parte da história do rock nacional. Plebe Rude e Marcelo Nova mostraram que, boas músicas e boas letras, itens quase em extinção, atualmente, ainda sobrevivem.
O show da Plebe começou com “O que se faz”, do disco “R ao contrário”, lançado em 2006. Na sequência, sem pausa para respirar, eles emendam “Brasília” e “Minha Renda”, do LP de estreia da banda, “O concreto já rachou”, de 1985. Aliás, o prazer de tocar que eles demonstram ao vivo é o mesmo do começo da carreira. O grupo compôs grandes músicas ao longo de sua trajetória, mas existem algumas que são atemporais pois não pertencem, somente, ao período em que foram criadas. “Minha renda”, por exemplo, narra o conto de fadas que é proposto para muitas bandas, até hoje. “Você me prometeu apartamento em Ipanema, iate em Botafogo, se eu entrasse no esquema. Contrato milionário, fama, grana e mulheres. A música não importa, o importante é a renda”, diz a letra. Mais atual impossível pois, se nos anos 1980 ainda existia certo “romantismo” em ter uma banda de rock, hoje a massificação e a indústria cultural tomaram conta de quase tudo.
Outro grande momento do show é “Este ano”. A melodia tem uma letra tocante, falando da esperança do ser humano em um amanhã melhor, e da sua frustração com isso. É uma prova de que, mais uma vez, um texto bem escrito é importantíssimo para a qualidade de uma canção. “Este ano juramos sempre a união e pensamos, será diferente. Eu me engano, ela esquece o que prometeu e passa sem me dizer por quê. A dúvida dentro de você é medo. Este ano, como nos outros, esperei que fosse tudo diferente”, diz a letra.
A formação atual da Plebe Rude conta com Philippe Seabra e Clemente, (que também é guitarrista e vocalista do Inocentes), nas guitarras e vocais, André X no baixo e Marcelo Capucci na bateria. André, inclusive, é curitibano e torcedor do Atlético-PR. Ao apresentar a banda, Philippe falou: “No contrabaixo, o fundador da Plebe, ‘Furacão’, natural de Curitiba, o aniversariante André X”. Bela apresentação…
Em vários momentos do show você acaba se perguntando: “Por que a música nacional perdeu tanta qualidade?”. A resposta vem do próprio Philippe. “A gente sabe o que está acontecendo, existem bandas muito boas. O problema é que você não pode usar como parâmetro o que toca nas rádios, no ‘mainstream’. Eu fico muito triste ao ver as bandas, muitas delas que eu produzo, não chegarem ao grande público, infelizmente”, desabafa. Essa é uma realidade sinistra, pois muitos nomes promissores dentro do rock nacional encerram as suas atividades no meio do caminho por não encontrarem apoio.
Tive a oportunidade de entrevistar a banda, no ano passado. De lá pra cá muita coisa aconteceu. O CD “Rachando Concreto” foi indicado ao Grammy Latino na categoria “melhor álbum de rock”, ao lado do disco “A Trupe Delirante no Circo Voador”, da cantora Pitty. Foi lançado o documentário “Rock Brasília”, do diretor Vladimir Carvalho, que conta a história da Legião Urbana, do Capital Inicial e da Plebe Rude e relembra toda a cena musical que nasceu com essas bandas, em Brasília. O grupo participou do filme “Somos tão jovens”, que conta a história do vocalista da Legião Urbana, Renato Russo. Philippe e o baixista André X receberam o título de “cidadão honorário de Brasília”, em uma homenagem prestada pelo governo do estado. “Nós recebemos por meio do próprio governo que a gente criticou tanto, realmente isso foi uma honra para a gente. Nós temos a chave da cidade, eu só não sei se ela abre, ou fecha, o cofre do Banco Central, mas tá valendo”, brinca Philippe. A grande notícia, pessoalmente para o guitarrista, foi o nascimento do seu primeiro filho, no final de 2011.
No meio do show, a Plebe fez uma homenagem ao ex-vocalista do Cólera, Redson, falecido no ano passado, aos 49 anos. “Medo”, um dos clássicos do punk rock nacional, foi tocada com alma, afinal o Cólera é, ao lado de Inocentes, Plebe Rude, Garotos Podres e outras bandas, um dos precursores do punk no Brasil.
Em um de seus maiores clássicos, a música “Proteção”, Philippe desce do palco e vai para o meio da plateia. Após fazer com que alguns fãs cantassem o refrão, a banda faz um medley com mais duas pérolas do rock nacional: “Pátria amada” do Inocentes e “Geração Coca-Cola” da Legião Urbana. Três músicas que criticam, de formas diferentes, o “status quo” brasileiro.
“Até quando esperar”, um dos hinos para quem gosta de música tupiniquim feita com qualidade, encerra o show. Poucas músicas são tão atuais pois, mesmo tendo sido escrita há quase 30 anos, ela é uma descrição eterna do cenário político e social brasileiro. “E cadê a esmola que nós damos, sem perceber que aquele abençoado poderia ter sido você? Com tanta riqueza por aí onde é que está, cadê minha fração?”, critica a letra.
A Plebe Rude considerou a apresentação uma das melhores da história da banda. “Sempre quisemos tocar no Master Hall. Foi um lugar incrível para uma noite incrível. Sabe aquelas noites onde tudo dá certo e a plateia responde a tudo? Foi assim no Master Hall. O André tinha acabado de fazer aniversário e estava em um astral ótimo, pois é natural de Curitiba. Certamente foi um dos melhores shows da Plebe nos ultimos anos!”, conta.
Voltar ao berço do rock nacional onde, para a grande maioria das bandas, melodia e letra eram uma junção muito mais importante do que escrever algo “comercial”, é um alento para que não se contenta em viver absorvendo as migalhas musicais que a grande mídia impõe. O país sempre teve boas bandas e pessoas dispostas a ouvi-las. Basta haver espaço.
Considerações a respeito do rock nacional
A escassez de artistas que consigam fugir do mainstream e, principalmente, a dificuldade que elas encontram para serem reconhecidas pelo grande público, são um reflexo da mudança que vem ocorrendo no país, musicalmente falando, desde os anos 1980. “Eu lembro que, no começo dos anos 80, com todo o boom do rock brasileiro que conhecemos, os DJs tinham autonomia… E olha só o que a gente tem de obras dessa época”, explica Philippe. O guitarrista, aliás, tem autoridade para falar sobre a cena musical brasileira. Além de estar há quase 30 anos com a Plebe Rude ele comanda o selo Senhor F, que já lançou bandas como Volver, Superguidis, Los Porongas e Beto Só e um estúdio chamado Daybreak. “É o quartel-general da Plebe, onde ensaiamos, compomos e onde eu produzo e gravo os inúmeros artistas com quem trabalho. Mixo e masterizo todos esses artistas com a mesma equipe que produziu o DVD “Rachando Concreto”, indicado ao Grammy Latino”, diz Philippe.
Falando sobre a internet, que possibilita, ou deveria proporcionar, a troca de informações entre fãs de música e a disseminação de novas bandas, Philippe afirma que ela não cumpre, totalmente, esse papel. “As pessoas falam que a internet vai revelar tudo… É um ruído só, não revelou nada. Na verdade, nós temos um grande ruído e no meio, de vez em quando, desponta alguém falando ‘não, eu vou colocar um single de um artista da Nova Zelândia’. Sim, isso é sem precedentes, é mágica comparado com o que nós tínhamos, que era fanzine e fita cassete. Só que vai comparar o seu single com o do Rick Martin, vamos ver quem terá mais acessos. Então, está um pouco desnivelado, ainda”, afirma.
Sobre o que é possível esperar dessa massificação, que dificulta enormemente o caminho das bandas para atingir o grande público, Philippe é enfático: “O futuro do rock nacional está no independente”, afirma. O cenário não é animador, mas cabe a cada um buscar o que lhe é mais interessante sem se prender ao que é imposto pelas rádios, TVs ou pela internet. Vale ressaltar que essa mudança depende, em grande parte, de nós ouvintes.
Confira e entrevista da Plebe Rude e 3 vídeos do show.
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