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Reportagem especial – Picassos Falsos, a história de uma lenda do rock brasileiro – Parte 1
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Rui Mendes
Picassos Falsos, um grande banda com pouco reconhecimento

Algumas bandas na história do rock nacional mereciam um reconhecimento muito maior, pela obra que possuem. O Picassos Falsos é um desses casos. A banda possui 2 dos melhores discos lançados na música brasileira: “Picassos Falsos”, de 1987, e “Supercarioca”, de 1988. Além disso, a influência do grupo no cenário musical tupiniquim permanece até hoje.

O Cwb Live apresenta uma entrevista exclusiva com a banda, recontando a sua história desde a sua formação, no início dos anos 1980, passando pelos discos gravados, pelo fim da banda após o LP “Supercarioca”, culminando com a volta do grupo, em 2001. Devido ao grande conteúdo obtido nas entrevistas, ela será dividida em 4 partes.

O início

O Picassos Falsos foi formado no começo da década de 1980, no Rio de Janeiro. O vocalista Humberto Effe conta como a saga do grupo teve início. “No bairro da Tijuca existia uma garotada ligada, principalmente, ao rock, blues, black music e música brasileira, diga-se Caetano, Gil, Jorge Ben etc. Eu já conhecia o Abílio de outros carnavais. Ele era baterista do Eletroforese, banda que também tinha o Gustavo como guitarrista e o Luiz Romanholli no baixo. Eu era fã deles, principalmente pelos covers”, conta.

Nessa época, o baixista da banda era Caíca, músico ligado ao blues e ao soul. Ele é o autor da marcante linha de baixo da música “Carne e osso”. O baterista Abílio, que já havia tocado com Humberto Effe e conhecia as suas composições, acreditava que o vocalista poderia formar uma grande dupla de compositores com Gustavo Corsi. Essa visão se mostrou uma realidade, rapidamente. “Fui apresentado a eles e começamos a tocar algumas músicas que eu levava no bolso. Acho que essa junção entre nós quatro foi seminal para o que veio se concretizar, depois, no Picassos”, afirma Humberto.

Nesse começo, o grupo era formado por Humberto Effe no vocal, Gustavo Corsi na guitarra, Caíca no baixo e Abílio Rodrigues na bateria, mas se apresentava com outro nome. “Fizemos uma meia dúzia de shows por bares da cidade como O Verso. Em meados de 1986 um amigo nosso virou empresário. Ele e a sua namorada, a hoje apresentadora Lorena Calabria, entre outras pessoas, detestavam o nome e acabamos trocando durante as gravações de uma ‘demo’ produzida pelo cantor e compositor Alvin L”, relembra Gustavo. Na visão de Humberto, o nome também não era adequado. “No início, tivemos um nome muito ruim, O Verso, talvez uma homenagem às minhas letras, sei lá. Tocamos em todos os buracos possíveis”, conta.

As influências, e referências no começo da banda, tinham muito do clima etéreo do rock inglês dos anos 1980 e do pós-punk. “Quando nos juntamos, garotos, queríamos reproduzir o que representava para a gente um ‘novo som’. Os primeiros sons que levamos eram muito influenciados por U2, Echo and the Bunnymen, Legião Urbana, The Cult, The Cure, The Alarm, The Smiths e afins. Não por acaso, nos batizamos de O Verso. Muito cedo, porém, nossas outras influências apareceram”, relembra Gustavo.

Todos esses ingredientes foram misturados no som da banda, com cada músico dando uma “pitada” sonora nesse caldeirão. “O Abílio sempre propunha umas levadas de música brasileira, o Humberto apresentava compositores clássicos do samba, o Caíca era basicamente um músico de rock e blues e eu sempre fui muito influenciado por black music e funk. O que acontecia, mesmo, é todos tínhamos uma bagagem muito diversa e, naturalmente, isso era despejado no caldo”, explica Gustavo.

O primeiro álbum

Aos poucos, a mídia e o público começavam a notar o som do Picassos Falsos. A banda passou a tocar em um pub chamado Robin Hood, no Rio de Janeiro, e a fita demo gravada por Alvin L começou a ser tocada na rádio Fluminense FM, a chamada “maldita”, uma das emissoras brasileiras que mais revelaram artistas, nessa época. “Aliás, fomos a primeira banda a ter três músicas de uma demo tocando na programação principal da Fluminense FM. Ficamos mais conhecidos e fizemos alguns shows em São Paulo também, onde fomos bem recebidos. A gravadora RCA nos contratou, logo depois”, conta Gustavo.

Em 1987 eles lançaram o seu primeiro trabalho, intitulado “Picassos Falsos”, já com um novo baixista, Zé Henrique. O disco de estreia tinha uma abordagem limpa, com guitarras fazendo climas “atmosféricos” para o vocal de Humberto. “O primeiro disco foi um pouco influenciado pelas novas tecnologias do momento, um som mais limpo, talvez, juntando-se, claro, com algumas características do nosso amigo e produtor, o grande Zé Emilio Rondeau. Houve, também, uma completa inexperiência nossa em lidar com a megalomania que era uma gravadora, naqueles tempos. Considero um disco de música brasileira com as tonalidades e pegadas da época, assim como o segundo álbum”, analisa Humberto.

De acordo com o vocalista, o debut da banda teve algumas faixas que foram muito bem trabalhadas. “Ainda acho que, nesse primeiro disco, existem várias músicas melhor realizadas do que no trabalho seguinte. ‘Contrastes’, ‘Carne e Osso’ e ‘Quadrinhos’ são um bom exemplo”, analisa.

O primeiro LP, além de ser brilhante musicalmente, já delineava o estilo próprio que a banda teria. “O som do Picassos já estava ali, inclusive até antes do primeiro disco. ‘Carne e osso’ citava Ismael Silva, ‘Quadrinhos’ era Funkadelic, atípico na época, ‘Bater a porta’ era baião e ‘Contrastes’ afoxé. Em ‘Bonnie e Clyde’ eu ‘chupei’ uma linha de baixo do Chic. ‘Últimos carnavais’ tenta reproduzir uma batucada de escola de samba e ‘Que horas são’ uma de maracatu”, conta Gustavo.

A vida real sempre sempre traz subsídios para uma boa música. “Olhos mudos”, uma das canções mais envolventes do disco, é um exemplo disso. “Tudo isso é porque não te esqueci. Tudo isso é porque nunca mais te vi. Afinal conheci todas as suas crises e manhas. Agora a cada manhã minha cara no espelho me diz pra partir pra outra. Como se tudo fosse pouco pra nada. E sei, seus olhos estavam mudos. Ficaram prendendo nossos sonhos, sem volta”, diz a letra. A inspiração, segundo Humberto, veio de um ex-relacionamento. “Ela foi uma das primeiras músicas que mostrei, bem no início da banda. Eu tinha deixado uma namorada, logo depois nós nos encontramos e vi que ela tinha perdido muito do brilho e estava triste. Fiz a música como se eu estivesse na pele dela. Me senti um canalha por isso, depois da música gravada, mas na época eu acreditava que sabia fazer música e fazia música para tudo que acontecia”, revela.

O guitarrista Gustavo Corsi relembra os bastidores da gravação. “Foi, provavelmente, a faixa mais polêmica de todas as que gravamos. Tínhamos um arranjo bem pesado e típico de bandas pós-punk, com uma melodia leve em cima de uma ‘esporreira’. Acho que chegamos a gravar ela assim”, conta.

Uma levada de baixo cheia de efeitos, delays e echos, marca a música, do começo ao fim, e dá o tom para o seu clima soturno. A importância de um bom produtor musical, com sugestões e sacadas dentro do trabalho de uma banda, é primordial para fazer um disco ser especial. Gustavo revela que a ideia inicial, de gravar a música de uma forma mais pesada, foi totalmente quebrada pela sugestão do produtor. “Nosso primeiro produtor, Zé Emílio Rondeau, sugeriu um piano e o Zé Henrique começou a tocar a melodia de uma forma bem leve, bem de quem está aprendendo. Foi um choque. Ficamos admirados pela beleza da melodia em cima daquele arranjo que era o oposto do que considerávamos como ‘o’ arranjo. A partir daí, tentamos diversas soluções e formas até que entendemos que ela deveria ser feita com uma bateria eletrônica. Programamos uma Linn Drum, a mais sofisticada da época”, conta.

A polêmica, e talvez a faísca que fez a música se revelar especial, ficou por conta da discussão que a banda teve no estúdio. “Não sei exatamente por que, mas saiu um puta quebra pau que acabou fazendo com que eu, o Abílio e o Zé Henrique deixássemos o estúdio por muitas horas. O Humberto, que provocou toda a ‘quizumba’, ficou sozinho gravando as vozes. Quando voltamos, a música estava quase pronta e as partes vocais tão lindas e bem gravadas que nem deu para implicar”, relembra Gustavo.

Logo após o primeiro disco, o baixista Zé Henrique seria substituído por Romanholli, o que acrescentou uma boa dose de swing ao som do Picassos. O músico era fã do grupo e já acompanhava os shows há algum tempo. “Eu tocava em outra banda e via o Abílio, o Gustavo, o Humberto e o Caíca fazendo um som léguas à frente do que eu fazia. Jamais vou esquecer as primeiras vezes em que eu li/escutei as letras do Humberto. Fiquei impressionado”, conta Romanholli.

Confira as músicas “Quadrinhos” e “Carne e osso”, publicadas por Gustavo Corsi, guitarrista do Picassos Falsos, em seu canal no Youtube.

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