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A segunda-feira mais estranha do ano
| Foto: Kimimasa Mayama / EFE

No último domingo (4), uma turbulência financeira se desenhava no Japão. O fuso horário deixou muitos analistas de pé até à alta madrugada (inclusive eu) estudando o desenrolar da economia japonesa, tentando entender qual seria o tamanho do impacto na segunda-feira. E foi exatamente isso que encontrei quando levantei no dia 05 de agosto, que já entrou para a história como um dos dias mais tensos da economia, principalmente para o mercado japonês.

Nesta quarta-feira (7), o mundo ainda não se recuperou completamente do caos. E muitos ainda se perguntam o que realmente aconteceu e quais foram as reais causas. Vamos lá. Durante muitos anos, o Japão decidiu manter sua taxa de juros perto do zero, com o objetivo de incentivar um crescimento de sua economia. Foi a mesma estratégia que a equipe econômica brasileira praticou no Brasil na época da pandemia. Juros baixos facilitam o crédito e colocam mais dinheiro para circular. O empresário consegue expandir seu negócio de forma mais barata e contratar mais pessoas. Mais pessoas trabalhando significa desemprego menor e mais gente consumindo. E assim a roda da economia gira com mais facilidade.

No caso do Japão, devido aos juros tradicionalmente baixos, muitos investidores internacionais começaram a aproveitar este cenário para montar uma estratégia muito lucrativa. O procedimento envolvia contrair empréstimos no Japão a juros praticamente zero, trocar a moeda japonesa pelo dólar e investir esses valores em outros países com juros mais elevados. Durante muitos anos essa estratégia - conhecida como carry trade - deu muito certo, e trouxe muita alegria para os investidores. Alguns dizem que o montante envolvido neste procedimento chega a 500 bilhões de dólares.

Mas isso tudo mudou quando, no final de julho, o Banco do Japão decidiu elevar sua taxa de juros para 0.25%. Por que eles fizeram isso? O motivo principal foram os receios de desvalorização da moeda japonesa (yen) frente ao dólar. Isso gera enorme preocupação para os japoneses porque quase 95% do petróleo usado no país é importado. E eles precisam pagá-lo em dólares. Se a moeda japonesa enfraquece frente ao dólar, fica muito mais cara a aquisição do petróleo e isso pode ter impacto devastador sobre a economia.

Neste cenário, com o aumento da taxa de juros japonesa, muitos hedge funds, que haviam contraído empréstimos no Japão e usado o dinheiro para investir no mercado, começaram a rapidamente se desfazer de suas posições nos EUA. Resgataram o valor e o transformaram novamente em yen para tentar saldar suas dívidas, antes que elas se tornassem impagáveis. Essa correria gerou um caos nas bolsas japonesas (que teve a maior queda diária desde 1987), sul coreana e, inclusive, nos EUA. Na segunda-feira, o índice S&P chegou a cair 3%, a maior queda diária dos últimos 2 anos.

O caos iniciado na segunda-feira pode ainda demorar de dois a três meses para ser resolvido

Há analistas que apontam outros motivos para essa queda na bolsa norte-americana, como é o caso do famoso Payroll, ou seja a taxa de emprego nos EUA. Num relatório divulgado recentemente foi revelado que o país criou 114 mil vagas de emprego em julho, significando um aumento do desemprego, o que teria desanimado os investidores. Alguns colocaram também como motivo os temores de um conflito mais generalizado entre Israel e Irã, depois de Tel Aviv ter eliminado o líder do Hamas em território iraniano.

Na última terça-feira (06), a bolsa japonesa já apresentava uma boa recuperação. Porém, muitos analistas acreditam que o caos iniciado na segunda-feira pode ainda demorar de dois a três meses para ser resolvido, mesmo com a expectativa de que o Japão não realize outros aumentos em sua taxa de juros.

Agora, há um aspecto que nunca pode ser deixado de lado. Em anos de eleições nos EUA, tornou-se quase um costume algum tipo de caos global. Veja que alguns analistas apontaram até mesmo uma fala do ex-presidente Donald Trump como um dos motivos do caos. Em junho, Trump afirmou que, num eventual segundo mandato, ele teria como uma de suas prioridades enfraquecer o dólar frente ao yen. Isso teria incentivado investidores a deixar uma parte de sua posição em dólares e correr para a moeda japonesa, fazendo aquisições antes da valorização.

Neste ponto final do artigo, eu gostaria de inserir uma observação minha, que não tenho visto ser comentada em outros lugares. No início do texto apontei que um dos maiores perigos para as operações de carry trade na moeda japonesa é a questão do petróleo. Uma mudança no preço do petróleo pode literalmente destruir a economia japonesa. Então, eu pergunto: de quem você acha que os japoneses compram petróleo? Em grande parte dos países do Oriente Médio. Por isso, eu pergunto mais uma vez: haveria relação entre a expectativa de uma guerra aberta entre Israel e Irã contribuído para a decisão do Banco do Japão aumentar sua taxa de juros? Eu creio que a possibilidade é real.

Você já percebeu que o tema da relação entre Japão e os países do Oriente Médio é algo muito pouco falado? Este é um tema espinhoso e recheado de lendas urbanas. Reservarei um artigo especial exclusivo para tratar desse tão obscuro (mas importante) tópico.

Conteúdo editado por:Liana Nunes
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