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Daniel Lopez

Daniel Lopez

Jornalista e teólogo, autor de ‘Manual de Sobrevivência do Conservador no Séc. XXI’. É doutor em linguística pela UFF

Geopolítica de eras

Acabou, pessoal

(Foto: Marek Studzinski/Unsplash)

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Não sei se você sabia, mas a ordem mundial vigente (até então) se chama “ordem mundial liberal” (em inglês, Liberal International Order – LIO). Ela também é conhecia como a “ordem internacional baseada em regras”. Constituída após o término da 2ª Guerra Mundial, com o fim de evitar um novo conflito, ela foi constituída com base, entre outros, nos conceitos de liberalismo econômico e liberalismo político. O objetivo era criar uma cooperação internacional por meio de instituições globais (como a ONU e a OMC), garantindo um comércio aberto entre os países, tendo o dólar como a moeda de reserva internacional. O problema é que foi necessário um intrigante ajuste para que a moeda americana continuasse funcionando como referência internacional.

Isso porque, em 1971, devido a uma enorme demanda internacional por ouro e às necessidades de financiamento relacionadas à Guerra do Vietnã (fatores que trouxeram grande instabilidade ao dólar), o presidente Richard Nixon quebrou o acordo de Bretton Woods (que havia estabelecido o padrão dólar-ouro), quando vários países atrelaram suas taxas de câmbio ao dólar. Quando o dólar perdeu seu lastro em ouro, a solução foi criar uma equivalência ao petróleo.

Eu não sei se será o início de uma “corrida aos bancos” na Rússia. O que não tenho dúvida é que a ordem internacional liberal está com os dias contatos.

Para isso, o então Secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger estabeleceu, em 1974,  uma aliança com a Arábia Saudita, de forma que, em troca de proteção do exército americano, os sauditas apenas aceitariam dólares na venda do petróleo. Isso fez com que o mundo inteiro fosse obrigado a, antes de comprar energia, adquirir dólares. Essa manobra manteve o poder do dólar e sua relevância como reserva internacional. O problema é que, 50 anos depois, os sauditas acabaram de anunciar, na última sexta-feira (9), que não irão renovar esse acordo.

As consequências dessa mudança são drásticas. Inclusive porque, ao mesmo tempo, o BIS (o Banco das Compensações Internacionais,  apelidado de “Banco Central dos Bancos Centrais”) acabou de anunciar que a Arábia Saudita agora será parte integrante do “Projeto mBridge”, uma plataforma de CBDC (moeda digital centralizada) para comércio internacional, capitaneado pelo centro de inovação do BIS junto aos bancos centrais da China, Hong Kong, Tailândia e Emirados Árabes Unidos. Ou seja, é um golpe muito forte contra os EUA e, também, contra a ordem mundial vigente.

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Mas você acha que os EUA ficarão assistindo inertes a esse processo de desdolarização desenfreado? Eu creio que não. Talvez as novas sanções contra a Rússia já sejam parte desta resposta (isso, sem falar nos conflitos com a Ucrânia, no Oriente Médio e o potencial caos em Taiwan). Neste exato momento, está começando uma espécie de “corrida aos bancos” em Moscou. Desde 2023, por exemplo, 95% do comércio entre Rússia e China já não utilizava o dólar.

Recentemente, Putin havia anunciado (com alegria) que 40% do comércio internacional de seu país já estava sendo feito em sua moeda local, o rublo. Numa palestra no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo na semana passada, Putin anunciou que procuraria aumentar a relação com os “países amigos”, realizando o comércio nas moedas locais dos países pertencentes aos Brics. Chegaram a dizer que Putin estava “trocando o dólar pelo real”, recusando o que chamou de “moedas tóxicas”.

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Entretanto, parece que a resposta norte-americana chegou rápido. Os EUA levantaram novas (e poderosas) sanções, que forçaram o fim do comércio de dólares e euros na principal bolsa da Rússia, o que tem gerado um caos no país. O objetivo principal era tentar impedir o financiamento do conflito contra a Ucrânia. Mas a medida imediatamente começou a gerar uma espécie de caos social também. Isso porque muitos russos guardam suas reservas em dólar e euro, como forma de reserva de valor. Por isso, pessoas correram aos bancos para tentar sacar suas poupanças, mas foram surpreendidas com a informação de que os saques estavam suspensos.

Segundo o perfil Visegrad 24 no X, o site do Rosbank, um dos maiores bancos do país, estava sem funcionar na manhã desta quinta-feira (13). Segundo eles, os clientes não conseguiam fazer login em suas contas. Além disso, vários bancos russos estariam impedindo os clientes de acessar remotamente suas contas porque não possuiriam liquidez para os saques, devido às novas sanções dos EUA. A publicação termina perguntando: “Será este o início de uma corrida aos bancos russos?”.

Eu não sei se será o início de uma “corrida aos bancos” na Rússia. O que não tenho dúvida é que a ordem internacional liberal está com os dias contatos. O problema é que os EUA irão “cair atirando”…

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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