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Nesta última segunda-feira, os brasileiros acordaram atônitos com o resultado do 1º turno das eleições. Os apoiadores do atual presidente ficaram tristes com a derrota na primeira rodada. Porém, o curioso é que o clima na oposição não era de festa, mas também de angústia e preocupação. Ou seja, ambos os lados iniciaram a semana ansiosos e insatisfeitos. Por isso, no artigo desta semana, gostaria de trazer uma reflexão sobre o que realmente está em jogo na disputa deste ano, que terá grandes consequências não apenas para o Brasil, mas para todo o mundo.
Para isso, trarei à conversa algumas doutrinas do pensamento geopolítico sobre o controle do mundo. Sim, para você que achava que planos para controlar o mundo eram papos de teoria da conspiração, boa parte dos manuais militares das potências mundiais traça estratégias para o controle global.
O Brasil é o novo heartland, a nova região que pode definir quem controlará o mundo. Neste ano, ganhamos uma importância geopolítica sem precedentes.
Alfred Thayer Mahan é considerado o pai da política externa norte-americana de hoje. Seu trabalho crucial foi The Influence of Sea Power Upon History (“A influência do poder marítimo na história”), publicado em 1890. Na obra, o autor defendia que o controle de determinadas regiões marítimas determinaria o domínio sobre todo o mundo. Influenciado por Mahan, em 1904, Halford Mackinder publicou The Geographical Pivot of History (“O pivô geográfico da história”), onde deslocava a importância geopolítica para o controle de zonas terrestres, e não marítimas. Neste trabalho, Mackinder defendeu que controlar o “coração da terra” (em inglês, “heartland”, composto por Rússia e Ásia Central) seria o pivô para ter hegemonia sobre a “ilha-mundo” (a saber, toda a Eurásia). Ele também separa o mundo em outras regiões, como o “inner crescente” (“crescente interno”), composto por Europa, China, Índia e Oriente Médio, e o “outer crescente” (“crescente externo”), compreendido pelas Américas e Austrália. Ou seja, trata-se de uma disposição do mapa-múndi que coloca a Rússia no centro, e as Américas e a Austrália nas pontas. Entretanto, irei propor que as recentes e drásticas mudanças no cenário geopolítico internacional sugerem uma mudança nessa disposição do mapa global. Para isso, sigo com a reflexão sobre a teoria do “heartland”.
Ao identificar o controle do leste europeu como o acesso ao domínio do heartland, em 2019 Mackinder escreveria a frase que serviu de inspiração para o título deste artigo: “Aquele que controla o leste europeu comanda o heartland; aquela que controla o heartland comanda a ilha-mundo; aquele que controla a ilha-mundo comanda o Mundo”. Em seguida, Nicholas Spykman renomeou o heartland, passando a chamá-lo de “rimland”, adaptando a frase anterior para “Aquele que controla o rimland governa a Eurásia; aquele que governa a Eurásia controla os destinos do mundo”. Seria esta ideia ainda válida hoje, ou temos um novo “heartland”?
Cabe, primeiro, lembrar que foram estes conceitos de Mackinder e Spykman que acabaram definindo as políticas externas ocidentais em relação à Rússia, colocando o controle dessa região como alvo prioritários de seus esforços geopolíticos. Podemos, inclusive, dizer que a história recente, nos últimos 100 anos, foi em grande parte influenciada por uma disputa pelo controle dessa região, assim como posteriormente determinada por uma luta entre EUA e Rússia pelo controle do mundo. A recente crise na Ucrânia reposicionou o mundo nessa dicotomia OTAN versus Rússia, criando uma espécie de Guerra Fria 2.0, como analisei em artigos anteriores.
Porém, a reflexão que gostaria de propor aqui é que o Brasil é o novo heartland, a nova região que pode definir quem controlará o mundo. Neste ano, ganhamos uma importância geopolítica sem precedentes. O mundo percebeu que, sem comida e energia, não há iPhones nem carros da Tesla, ou mesmo estabilidade social. Sabemos que algumas atividades sempre foram cruciais para o bom funcionamento de uma sociedade, como aquelas direcionadas à moradia e alimentação. Não é por outro motivo que esse tipo de atuação recebe grandes incentivos fiscais, como os investimentos em LCIs (Letras de Crédito Imobiliário) e LCAs (Letras de Crédito Agrícola). O mundo passou a valorizar os produtores de comida. E é nesse ponto que ganhamos nova abordagem no teatro geopolítico global.
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Diante da crise energética e alimentar que se desenha rapidamente no mundo, o Brasil se coloca como um dos poucos que pode restituir à Europa sua segurança energética e conferir ao planeta uma segurança alimentar. Sem falar que, no cenário extremo (mas cada dia menos distante) de um conflito nuclear, o Brasil se coloca como uma zona estratégica. Como um conflito dessa magnitude ficaria concentrado no hemisfério norte, as consequências para o sul global seriam menores, ficando de certa forma protegido da eventual destruição, ainda que sujeito a uma parte da radiação e ao inverno nuclear subsequente. Isso tudo faz parte da teoria das “Zonas de Retaguarda”, tão bem apresentadas pelo coronel Enio Fontenele em seus livros e palestras.
No final das contas, a potência que controlar o Brasil (ainda que indiretamente, por meio de um agente local) poderá garantir o escoamento de comida e de infraestrutura indispensável para um cenário bélico, como energia, armas e munições. Nasce, assim, a teoria das “zonas de retaguarda”. Tendo o Brasil como aliado, uma potência global poderia capitalizar em cima de nosso enorme território, afastado dos inimigos do norte, agraciado com inúmeras proteções naturais, um litoral imenso, clima propício e gigantesco potencial de desenvolvimento. Inclusive porque os EUA estão deslocando suas fábricas de semicondutores da Ásia para as Américas, e os países mais cotados para se transformarem nos novos polos tecnológicos ocidentais são o México e o Brasil.
Por todos esses motivos, diante do que está em jogo no Brasil hoje, proponho uma adaptação da frase de Mackinder: “Aquele que controlar o Brasil governará o destino do mundo”. Que Deus nos abençoe.