O título do presente artigo é inspirado no livro “O fim do mundo como o concebemos. Ciência Social para o século XXI”, do sociólogo marxista norte-americano Immanuel Wallerstein. O tema central do livro, publicado em 2003, gira em torno da ideia segundo a qual os Estados Unidos teriam atingido o posto de “potência decadente”, em “estado terminal” de crise, assim como o “sistema-mundo” capitalista que eles comandam. Na época do lançamento da obra, o mundo ainda estava tentando digerir as consequências do 11 de Setembro e da subsequente invasão do Afeganistão, em 2001, e do Iraque, em 2003.
Hoje, com a pandemia ainda em vigor e o recente vexame que os americanos passaram em Cabul, muitos se perguntam se haveríamos finalmente atingido “o fim do mundo como o conhecemos”, ou seja, a instauração de uma nova ordem global, ou aquilo que agora está sendo chamado de “Great Reset”, ou “Novo Reinício”. Tenho, porém, uma visão de que, para além da crise sanitária e da reorganização geopolítica do Oriente, o maior catalisador para o fim da ordem atual reside no “empoderamento” dos bancos centrais mundo afora. Explico.
Um famoso livro depositou em mim certo desconforto com a expressão “banco central”. Não por criticá-la, mas por celebrizá-la. A partir do “Manifesto do Partido Comunista”, entendi que a total mudança de paradigma que está diante de nós poderá concretizar um dos pilares do projeto de Marx. Você poderia imaginar que o pai do socialismo demonizava bancos, uma vez que a retórica marxista costuma identificar os banqueiros como agentes do “imperialismo americano”. Porém, creio que a aversão de Marx era à multiplicidade de instituições bancárias, e não a um banco central com monopólio total. Este poderia facilitar, em muito, seus planos, como fica claro no “Manifesto”.
No final do segundo capítulo, Marx elenca os famosos dez passos para a implementação do socialismo. O quinto tópico traz o seguinte: “Centralização do crédito nas mãos do Estado através de um banco nacional com capital estatal e monopólio exclusivo”. Isso muda completamente a percepção que temos do que seria o socialismo. A maioria imagina que sua proposta seria a distribuição de renda e de poder. Porém, as evidências apontam que se trata exatamente do inverso: a concentração de ambos. Uma das maneiras que Marx teria imaginado para atingir tal objetivo seria a criação de um banco central forte, monopolizador. E o mundo está caminhando a passos largos nesta direção.
Veja que, um pouco antes de elencar suas dez etapas, Marx escreve o seguinte: “O proletariado utilizará o seu domínio político para subtrair pouco a pouco à burguesia todo o capital, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado como classe dominante, e para multiplicar o mais rapidamente possível a massa das forças produtivas”. Em seguida, ele anuncia o segundo dos dez passos: “Pesado imposto progressivo”. Associando essas passagens com o quinto tópico já apresentado acima, entendemos que o banco central seria o instrumento para controlar o fluxo de dinheiro na economia e para garantir que os impostos fossem devidamente implementados e progressivamente majorados, com o fim de enfraquecer a classe média e facilitar a hegemonia do proletariado.
No entanto, um dos grupos que mais abominam os impostos, os libertários, passaram a utilizar um novo sistema de troca, que contorna a moeda oficial e busca evitar o controle de um banco central. Estamos falando das criptomoedas descentralizadas, que não são emitidas nem controladas pelo governo. Isso enfraquece os bancos centrais, comprometendo seu monopólio sobre o controle monetário. Contudo, em reação a esse movimento, iniciou-se um grande projeto para criar moedas digitais centralizadas, as famosas CBDCs, ou Central Bank Digital Currencies (“Moedas digitais do Banco Central”). Já em experimento ao redor do mundo, elas poderiam dar aos bancos centrais o total controle sobre as trocas num determinado país, principalmente se a moeda impressa for substituída por sua versão digital. Este seria o “empoderamento” total dos bancos centrais e o pleno controle estatal sobre os padrões de consumo.
Os desdobramentos econômicos, sociais, políticos e culturais dessa inovação trazem preocupações a muitos analistas. Em matéria recente, o economista Robert Wenzel expressou seus receios da seguinte forma: “Uma moeda digital criada pelo Fed poderia ser um dos passos mais perigosos tomados por uma agência do governo. Colocaria, nas mãos do governo, a possibilidade de criar uma moeda digital com a capacidade de rastrear todas as transações em uma economia — e proibir transações por algum motivo. Em termos de liberdade individual no futuro, isso seria um pesadelo”. Um pesadelo para quem busca distribuição de renda e de poder, mas um paraíso para aqueles que almejam o controle e o monopólio.
Você pode achar isso tudo muito distante. Mas o Pix já está sendo interpretado por especialistas como o primeiro passo do Banco Central na substituição de nossa moeda em espécie pelo real digital. Inclusive, o presidente do BC tem dito que o real digital pode já estar em circulação a partir do ano que vem. Os argumentos favoráveis defendem que a novidade facilitaria o rastreamento das transações, por isso, reduziria os crimes financeiros. Mas o custo à liberdade e à privacidade seriam elevados demais.
Seria este o fim do mundo como o conhecemos? Na opinião de Robert Kiyosaki, autor do famoso livro “Pai Rico, Pai Pobre”, a resposta é positiva. Representaria o marxismo pleno, renovado em sua versão cibernética, digital, contemporânea. Para Kiyosaki, a solução é refugiar-se nas criptomoedas, no ouro e na prata. Porém, o caminho é árduo. Creio que nem o velho Marx idealizara um sistema de poder tão perfeito, onipresente e onipotente. Que Deus nos livre do pesadelo de Orwell, que, por acaso, é o sonho de Marx.
A festa da direita brasileira com a vitória de Trump: o que esperar a partir do resultado nos EUA
Trump volta à Casa Branca
Com Musk na “eficiência governamental”: os nomes que devem compor o novo secretariado de Trump
“Media Matters”: a última tentativa de censura contra conservadores antes da vitória de Trump
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS
Deixe sua opinião