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Daniel Lopez

Daniel Lopez

Jornalista e teólogo, autor de ‘Manual de Sobrevivência do Conservador no Séc. XXI’. É doutor em linguística pela UFF

Geopolítica do muro

Cazaquistão e o Fim do Brasil

Blinken tentando nos arrastar para sua briga com a Rússia (Foto: Russian Foreign Ministry/Tass/Imago images)

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O Brasil recebeu ontem (10/01) uma intimação do Secretário de Estado americano. Numa teleconferência com o chanceler brasileiro Carlos França, Antony Blinken cobrou uma posição forte contra a Rússia. O problema é que temos desenvolvido uma relação cada vez mais estreita com eles, conquistando importantes benefícios para nossa economia, além de vantagens estratégicas. Contudo, uma visita recente de representantes brasileiros à Rússia gerou muito desconforto, não apenas com os americanos, mas também com alemães e suecos. Eles não gostaram da postura brasileira de aproximação ao governo de Putin. Entre os dias 05 e 11 do mês passado, o Almirante de Esquadra Flávio Rocha, que é o Secretário Especial para Assuntos Estratégicos, visitou Moscou, tendo encontros com importantes figuras da administração russa, como o Vice-Ministro de Negócios Estrangeiros, o Secretário do Conselho de Segurança e o Vice-Ministro de Defesa da Federação da Rússia.

O Brasil é conhecido por sua política de boa vizinhança. Principalmente em virtude dos princípios que regem nossas relações internacionais, conforme disposto no artigo 4º de nossa Constituição. Entre eles, destacam-se: a autodeterminação dos povos; a não-intervenção; a igualdade entre os Estados; a defesa da paz; e a solução pacífica dos conflitos. Porém, essa posição relativamente confortável deve chegar rapidamente ao fim, com a escalada de tensão entre Rússia e Estados Unidos. O desfecho da questão ucraniana e do Cazaquistão pode nos conduzir a um cenário muito semelhante ao que enfrentamos no contexto da Segunda Guerra Mundial: depois de uma tentativa de manter certa neutralidade, acabamos nos alinhando à causa americana, passando a lutar ao lado dos Aliados. Parece que, mais breve do que se imagina, teremos que escolher um lado, e isso irá não apenas desagradar o outro, mas pode gerar um novo inimigo. Ou novos inimigos.

Recentemente, o Brasil se viu diante de dilema semelhante. Depois da visita do Diretor da CIA e do Conselheiro de Segurança Nacional, fomos pressionados a impedir que os chineses participassem do leilão das redes 5G. A medida poderia comprometer nossa relação com este importante parceiro comercial. A solução “acrobática” do ministério das Comunicações foi exigir que os participantes dos leilões fossem exclusivamente empresas operadoras de telefonia móvel, status que a Huawei não possui. Porém, os representantes de Pequim poderiam, independente do pregão, fornecer tecnologia para as vencedoras. Entretanto, isso deixaria os americanos muito descontentes. Assim, a estratégia foi criar uma rede específica para comunicação de Estado, por onde serão transmitidas informações sensíveis. Para essa banda específica, foi determinado que a Huawei não poderá oferecer equipamentos. Foi uma opção que não agradou plenamente todos os lados envolvidos, mas não os desagradou por completo.

Quanto à escolha entre ficar ao lado da Rússia ou dos EUA num eventual conflito deflagrado na região da Ucrânia, não teremos as opções de ficar em cima do muro. Alguns dizem: “Não fazemos parte da OTAN. Não precisamos nos envolver nessa briga”. Concordo. Todavia, não podemos esquecer que, no final de 2019, o presidente Donald Trump designou oficialmente o Brasil como aliado extra-Otan, ou seja, como parceiro militar preferencial do país fora da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). O posto facilita a aquisição de tecnologia bélica e armamentos dos EUA, além de outras vantagens. Porém, a grande questão é que, no dia no dia 1º de janeiro deste ano, o Brasil assumiu o posto de membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU. E o Secretário de Estado americano já nos intimou a votarmos a favor dos EUA numa eventual deflagração de um conflito com os russos. Este é o motivo pelo qual, desta vez, não poderemos manter a neutralidade na disputa entre Washington e Moscou, que, segundo alguns analistas, pode ter uma forte escalada ainda em janeiro, com uma possível invasão russa ao território ucraniano.

Nos últimos meses, os russos ajudaram o Brasil quando os chineses interromperam a compra da carne brasileira, sob alegações de suspeita de vaca louca. Isso gerou um prejuízo bilionário para os frigoríficos nacionais. Em meio a este impasse, Moscou decidiu comprar 300 mil toneladas de nossa proteína animal, com seis meses de isenção das taxas de importação, que giram em torno de 15%. Além disso, eles também nos ajudaram com o envio de insumos para a agricultura. Isso, depois que a Bielorrússia, um dos maiores produtores globais, avisou que não poderia entregar as encomendadas já contratadas, o que poderia atrapalhar ainda mais nossa produção, já atrapalhada pela crise logística internacional, por duas geadas e pela seca histórica que enfrentamos. Por outro lado, uma posição a favor da Rússia já gerou desconforto com os suecos, que fecharam importante parceria com nossa aeronáutica, com envio dos caças Gripen. Já recebemos o primeiro lote das aeronaves. Mas uma postura de maior aproximação com Moscou poderia comprometer a continuidade da parceria. E agora?

Fato é que, mais cedo ou mais, o Brasil terá que fazer uma escolha vital, quase existencial. Isso pode nos trazer novos amigos, mas também inimigos poderosos. Que Deus conceda sabedoria aos tomadores de decisão quando o dia chegar.

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