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Capitólio, sede do Congresso dos EUA
Capitólio, sede do Congresso dos EUA| Foto: EFE/EPA/MICHAEL REYNOLDS

No último dia 8, aconteceu uma reunião nos Estados Unidos que abriria os olhos até mesmo do cidadão bem informado e vigilante, não apenas nos EUA, mas no mundo inteiro. Isso porque os temas ali tratados foram de repercussão global. O encontro em questão foi uma audiência do “Subcomitê de Segurança Interna da Câmara dos Estados Unidos sobre Contraterrorismo, Aplicação da Lei e Inteligência”. Imagino que a maioria das pessoas nem mesmo sabia da existência deste grupo.

Trata-se de um comitê que possui enorme poder. Seu foco se divide em quatro aspectos principais. Primeiro, fiscalizar a atuação e eficácia do DHS (Department of Homeland Security), ou seja, o Departamento de Segurança Interna, que tem a missão de proteger os EUA de ataques terroristas e auxiliar em situações de desastres naturais. Segundo, monitorar a capacidade do DHS de antecipar ameaças e impedi-las. Terceiro, fortalecer o trabalho do USSS, ou seja, o United States Secret Service (Serviço Secreto dos Estados Unidos), famoso por proteger o presidente dos EUA, mas que também combate crimes financeiros, principalmente relacionados a tentativas de falsificação da moeda norte-americana. Quarto, proteção de prédios federais e apoio às instituições de aplicação da lei.

No último dia 8, o Subcomitê realizou uma audiência com o seguinte tema: “Armas silenciosas: examinando incidentes de saúde anômalos estrangeiros que visam americanos nos EUA”. O mais interessante é que a reunião foi transmitida ao vivo, e o vídeo pode ser acessado aqui. Há ainda uma transcrição oficial em inglês sobre o que foi apresentado. A abertura dos trabalhos foi feita por pelo deputado republicado August Pfluger, que é coronel da reserva da Força Aérea dos EUA. Seu discurso da abertura já foi altamente esclarecedor sobre o nível de equipamentos bélicos que existem hoje. Creio que a melhor opção é transcrever aqui o que foi dito neste momento inicial da reunião:

Boa tarde e bem-vindos ao Subcomitê de Contraterrorismo, Aplicação da Lei e Inteligência. Estamos realizando esta importante audiência para examinar ‘incidentes de saúde anômalos’, também conhecidos como ‘Síndrome de Havana’, e discutir seu potencial uso contra funcionários do governo dos EUA e suas famílias na Pátria e em outros lugares. Embora esta questão tenha recentemente ganhado significativa atenção na mídia, as questões que envolvem esses incidentes anômalos de saúde ou Síndrome de Havana não são novas.

Desde 2014, vários militares, diplomatas e funcionários da inteligência norte-americanos, assim como seus familiares, relataram importantes sintomas médicos que afetaram sua adição e habilidades motoras. Essas questões se tornaram públicas no final de 2016, depois que um grupo de diplomatas canadenses e funcionários do governo dos EUA e suas famílias, designadas para a embaixada americana em Havana (Cuba), começaram a experimentar sintomas semelhantes. Após os incidentes relatados em Havana, funcionários do governo dos EUA e seus familiares trabalhando no exterior começaram a relatar os mesmos sintomas na China, Vietnã, Alemanha, Áustria, Sérvia, Austrália, Taiwan e Colômbia, bem como aqui nos EUA.

Várias agências dos Estados Unidos, junto à comunidade de inteligência, têm realizado investigações na tentativa de identificar os fatores que causam esses incidentes de saúde, ou quem é responsável por eles. Infelizmente, nenhum desses estudos foi capaz de conclusivamente identificar as causas dessas ocorrências. No entanto, o Departamento de Estado pediu um estudo à Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos, que descobriu uma ‘incomum apresentação de quadro agudo de sintomas, relatados por funcionários do Departamento de Estado, consistentes com efeitos de energia de radiofrequência sendo pulsadas diretamente nos alvos. Os sintomas crônicos inespecífico também são consistentes com efeitos da ação de radiofrequências, como tontura, dor de cabeça, fadiga, náusea, ansiedade, déficit cognitivo e perda de memória’.

Desde as conclusões da Academia Nacional, a comunidade de inteligência seguiu essas descobertas iniciais, mas argumenta que as origens destes sintomas ainda são desconhecidas, e que provavelmente não são derivadas das ações de um adversário estrangeiro’. Hoje, esperamos obter uma melhor compreensão desses incidentes de saúde anômalos para resolver essa questão tão importante. É urgente que reconheçamos a gravidade dessa situação, e o nosso real objetivo hoje é ter uma discussão transparente para conversar com nossas três testemunhas especializadas, para conhecer os fatos a partir  das experiências que eles vivenciaram.

A pergunta agora é: o que os três especialistas convidados disseram? O primeiro deles é o tenente-coronel do Exército dos EUA recentemente aposentado Greg Edgreen, que foi o responsável pela investigação sobre a Síndrome de Havana conduzida pela Agência de Inteligência de Defesa, vinculada ao Pentágono, entre os anos de 2020 e 2023. O segundo especialista convidado foi o premiado jornalista investigativo búlgaro Christo Grozev. Ele exerce o cargo de chefe de investigações do jornal online The Insider, com sede na Lituânia, e que se especializou em estudar as ações da Rússia contra inimigos no exterior.

Grozev exerceu o cargo de investigador principal da Rússia no Bellingcat, um grupo de jornalistas com base na Holanda que estuda questões de inteligência e guerras mundo afora. Seus estudos sobre o envenenamento do ex-oficial de inteligência militar russo Sergei Skripal em 2018 no Reino Unido rendeu a ele o Prêmio Europeu de Imprensa de Jornalismo Investigativo. O terceiro especialista convidado foi o advogado especializado em segurança nacional Mark Zeid, que fundou em 1998 o Projeto James Madison, que tem como objetivo combater o excesso de segredos governamentais, partindo da Lei de Acesso à Informação.

No início de sua apresentação, Greg Edgreen afirmou que, devido ao nível de sigilo das informações que ele conhece, ele teria que falar a maior parte delas numa segunda parte da reunião, que seria fechada ao público. Mas ele começa fazendo uma declaração surpreendente para a maioria, inclusive para quem tem costume de estudar esses tópicos. O coronel aposentado afirmou que, muito antes dos relatos sobre a Síndrome de Havana iniciados em 2014, houve o chamado “Moscow Signal” (ou “Sinal de Moscou”), quando, entre 1953 e 1976, a embaixada dos EUA em Moscou identificou uma transmissão de micro-ondas direcionada ao prédio norte-americano na Rússia.

Oficialmente foi dito que não houve nenhum prejuízo à saúde dos funcionários, mas o embaixador dos EUA em Moscou entre os anos de 1974 e 1976 Walter J. Stoessel adoeceu em 1975, apresentando um estranho sangramento nos olhos. O então secretário de Estado Henry Kissinger chegou a associar o caso de Stoessel às micro-ondas, dizendo num telefonema depois revelado ao público que eles estavam “tentando manter as coisas em segredo”.

Isso porque, conforme creio, os EUA também utilizam esses equipamentos, e não querem que sua existência chegue ao conhecimento público. E foi exatamente neste ponto que Greg Edgreen dedicou sua fala inicial, criticando a postura de Washington de não ser transparente com o tema, relegando funcionários dos EUA a enfermidades e até óbitos, mesmo diante de uma montanha de evidências de que esses equipamentos existem e de que os ataques são reais.

Christo Grozev começou sua fala afirmando que, com base em estudos com muitos membros da comunidade de inteligência, diplomatas e seus familiares, ele encontrou 68 casos que podem ser diretamente relacionados a essas tecnologias de armas de energia direcionada. Eles analisaram os locais e horários dessas ocorrências e tentaram fazer um cruzamento de dados com o deslocamento de possíveis culpados.

Eles conseguiram identificar que membros do serviço clandestino russo usaram identidades falsas para circular o mundo, estando na proximidade desses “incidentes anômalos de saúde” em pelo menos 4 casos: Frankfurt em 2014; em China em 2016 e 2017; e em Tbilisi em 2021. Ele atribuiu os problemas ao que os russos chamam de “Wave Weapons” (Armas de Ondas), que agrupam equipamentos acústicos e outros eletromagnéticos e de energia direcionada.

Ainda na época da União Soviética, eles encontraram várias patentes dos anos 70. Mas o grande boom desse tipo de arma aconteceu no ano de 2013, quando Vladimir Putin criou o “Institute for Prospective Military Studies” (ou seja, o “Instituto de Estudos Militares Prospectivos”), que recebeu a tarefa de desenvolver “armas baseadas em novas propriedades físicas, incluindo armas de raios e de ondas”. Ele afirmou ter recebido documentos de que, numa competição interna de desenvolvimento de novos equipamentos bélicos, um engenheiro militar da Unidade 29155 recebeu uma premiação pelo desenvolvimento de uma “arma acústica não letal destinada a uso em combate urbano”.

O jornalista afirmou que, em sua opinião e com base nas investigações que conduziu, esses casos relacionados à “Síndrome de Havana” são muito provavelmente de responsabilidade da Unidade 29155, geralmente vinculada a eliminação de oponentes no exterior, à tentativa de desestabilização de países europeus e a envenenamentos, como o caso já citado de Sergey Skripal.

Mark Zeid começou sua fala dizendo que ele tem defendido vários funcionários do governo americanos afetados por esses “incidentes de saúde anômalos” há mais de uma década, incluindo membros da CIA, FBI etc. Ele afirmou que teve acesso a documentos secretos confirmando que esses fatos são reais, e que os responsáveis de mais de uma nação precisam ser responsabilizados, e as famílias e funcionários do governo protegidos e ajudados a enfrentar esses problemas e perigos.

O mais estranho na conversa foi o que se seguiu, quando os membros do subcomitê começaram a questionar os três convidados. Num determinando momento, o deputado republicano do Arizona Eli Crane se dirigiu ao tenente-coronel Greg Edgreen, afirmando que se essas armas existem, elas possuem um elevado poder de ocultar sua atuação. Edgreen respondeu: “Isso mesmo. Hum, não há ferida de entrada ou saída. A forma como eles são projetados é para fazer com que o alvo pareça louco, como se estivesse imaginando coisas, especialmente nos ataques de baixa intensidade e longa duração”. Ou seja, uma máquina que pode levar a pessoa a achar que está ficando louca. Algo sério demais.

Isso sem falar que o jornalista Christo Grozev afirmou que o equipamento em questão, caracterizado por uma pequena antena, é barato, fácil de fabricar e de transportar, o que torna o problema ainda mais preocupante. Convido a todos que se interessaram pelo assunto a assistir o documento do programa 60 Minutes sobre o tema, que pode ser acessado aqui.

Fico imaginando se esse tipo de equipamento será usado na tentativa de agentes externos interferirem na corrida pela Casa Branca neste estranho ano de 2024.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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