Como controlar milhões de pessoas, impedindo que se revoltem contra as parcialidades de um Estado cada vez maior e invasivo? Se a elite controladora é infinitamente menor que a massa do povo, o que evita o levante? Como transformar multidões em “corpos dóceis”, termo criado pelo filósofo Michel Foucault para se referir ao ser humano útil, disciplinado e produtivo, porém apático.
Tradicionalmente, o poder tem sido implementado pela força, seja braçal ou simbólica. Foram poucas as vezes em que os reis consolidaram seu domínio por meio de uma liderança carismática. Na maioria das vezes, a punição era o instrumento da vez. Como diria Foucault, “vigiar e punir”. Mas como exercer vigilância sobre 100 milhões de pessoas? Ou sobre 1 bilhão e meio de indivíduos, como é o caso da populações chinesa e indiana? É aí que a tecnologia desempenha um papel fundamental.
Tecnologia é uma ferramenta. Como tal, pode ser usada tanto para o bem quanto para o mal, assim como uma chave de fenda ou um bisturi. Dependerá da forma como será empregada. Hoje, o mais promissor instrumento de controle de massas é o famoso “crédito social”. Por meio de um sistema pavloviano de punição-recompensa, aplica-se uma engenharia comportamental, premiando quem se submete ao gosto do Estado. Para que isso funcione, é necessário um cotidiano plenamente digitalizado. A identidade digital permite monitorar (e controlar) o indivíduo em seus mais diversos aspectos, seja na saúde, finanças, consumo, deslocamento ou comunicações. No final das contas, o objetivo é a onipresença da internet das coisas, a implementação das cidades inteligentes e da integração do corpo com a máquina, viabilizando uma biometria permanente. Um mundo vendido como gerador de soluções e facilidades, mas a um custo impagável em termos de privacidade e liberdade. Este é o sonho geopolítico de todo aspirante a tirano.
Você pode pensar que, graças a Deus, isso ainda não chegou aqui. Porém, Jaron Lanier - o pai da realidade virtual e um dos grandes expoentes do Vale do Silício - tem alertado há anos que as redes sociais já realizam plenamente esse objetivo. É por esta razão que ele aconselha todos a fugirem das redes sociais. No livro “Dez Argumentos Para Você Deletar Agora Suas Redes Sociais”, lançado em 2018, Lanier explica como as redes sociais podem estar implementando o maior processo de engenharia comportamental que já se viu. Ele argumenta que os perfis nas redes se transformaram numa espécie de segundo documento de identidade, de forma que a construção do caráter e da personalidade passaram a estar intrinsecamente ligados à maneira como a pessoa utiliza suas contas digitais.
Lanier não possui nenhum perfil nas mais famosas plataformas. Ele argumenta que evita as redes sociais pela mesma razão que foge das drogas. Isso porque, segundo o cientista, o modelo de negócio das redes opera numa lógica que lucra com a manipulação comportamental. Como os serviços, em geral, são gratuitos, eles capitalizam sobre padrões de conduta e consumo. Os famosos algoritmos visam a mudar o comportamento individual, mas de forma sutil, quase imperceptível. Para Lanier, com o objetivo de fomentar o engajamento, as plataformas acabam incentivando emoções negativas, reduzem a liberdade de escolha, desvirtuam a percepção da realidade e degradam as profissões. Tudo poderia ser resolvido se as plataformas cobrassem uma taxa pelo uso e recompensassem os usuários por suas performances, em vez de capitalizarem em cima da influência sobre o comportamento individual.
O cenário que Lanier nos revela é de um enorme instrumento de controle social, que explora técnicas de programação mental para conquistar bilhões de dólares sobre a alteração comportamental. Talvez isso explique o motivo de tanta briga e hostilidade nas redes. Isso gera interação e engajamento. Ou seja, produz lucro em cima do controle.
Para você que acha que somos privilegiados por não termos ainda aqui um modelo de crédito social nos moldes orientais, tenho duas notícias para você: o sistema já está em pleno funcionamento nas redes sociais, e está tudo preparado para que a moeda e a identidade digitais sejam aqui implementadas em breve, viabilizando o sonho de todo tiranete.
Poucos são aqueles que perceberam esse problema e que lutam contra sua implementação. Há os que enxergam nas chamadas “tecnologias dissidentes” maneiras de escapar a este controle total. Alguns corajosos engenheiros encontraram um jeito, por exemplo, de explorar camadas do bitcoin para enviar dados, mensagens de voz e conteúdos em vídeo por meio do blockchain. Já é possível, inclusive, realizar ligações telefônicas imunes ao cancelamento e aos algoritmos de engenharia social. É uma pequena luz no fim do túnel, mas que nos permite cultivar um fio de esperança. Ou então nosso governo ter força suficiente resistir aos planos do “dragão” para o Brasil. Deus nos guarde.
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