No final das contas, a Guerra na Ucrânia é, principalmente, uma disputa energética. Os Estados Unidos estavam muito incomodados com a proximidade da conclusão do Nord Stream 2, o gasoduto que saía diretamente da Rússia para a Alemanha, seguindo pelo Mar Báltico. Era uma solução para os problemas gerados pelo Nord Stream 1, que cruza vários países, como Belarus, Polônia e Ucrânia, pagando pedágio, antes de chegar às demais nações da Europa. Caso concluído, o novo empreendimento colocaria nas mãos de Moscou praticamente todo o controle energético europeu, o que gerou grande descontentamento por parte de Washington.
Em 2018, por exemplo, Donald Trump impôs sanções a indivíduos e empresas envolvidas na construção do Nord Stream 2, determinando a saída da maioria das companhias envolvidas no projeto. Entretanto, a empresa russa Gazprom decidiu seguir com as obras, o levando à conclusão neste ano. Porém, por pressão norte-americana, a licenças de funcionamento não foi concedida. Dessa forma, com a pressão comercial e a Guerra na Ucrânia, Washington conseguiu o que tanto queria: o projeto foi cancelado, com prejuízos bilionários, tirando da Rússia a esperança de controlar ainda mais a Europa por meio do fornecimento de energia. E isso levou os europeus a uma crise energética sem precedentes.
O problema é que, além da escassez de energia, o conflito na Ucrânia também está gerando temores de uma gigantesca crise alimentícia, uma vez que as regiões envolvidas são grandes produtores de comida e fertilizantes. Os ucranianos não conseguiram tocar sua agricultura no primeiro semestre de 2022, enquanto a Russia, devido às sanções, tem encontrado dificuldade para escoar sua produção. Podemos dizer, portanto, que o “celeiro do mundo” foi destruído. E só há um país que pode suprir essa demanda: o Brasil.
Em visita recente a Brasília, a diretora da Organização Mundial do Comércio afirmou que o Brasil pode salvar o mundo da escassez de alimentos. Assim, fica claro que a triste situação na Ucrânia nos colocou numa condição de grande potencial, não apenas para suprir a demanda de comida, mas combater a crise energética. Isso insere o país numa nova dimensão em termos geopolíticos.
Em 2021, os EUA tentaram estabelecer uma forte aproximação com Brasília, enviando o Conselheiro de Segurança Nacional, o diretor da CIA e depois com telefonemas constantes do Secretário de Estado Antony Blinken para o chanceler Carlos França. Todavia, com a visita do Presidente Bolsonaro a Moscou, a situação sofreu uma guinada. “O Brasil parece estar do outro lado”, disse, em fevereiro deste ano, a porta-voz da Casa Branca Jen Psaki, comentando sobre visita do presidente brasileiro a Vladmir Putin. E algumas insinuações de interferência em nosso cenário interno começaram a aparecer.
Poderia o Brasil começar a sofrer sanções por não interromper suas relações comerciais com a Rússia? Ou por comprar fertilizantes de Moscou? Ou, talvez, devido ao desmatamento na Amazônia? Não sabemos ainda, mas essas hipóteses já foram sugeridas por algumas figuras importantes no cenário internacional. O detalhe é que tais posturas poderiam ser usadas para garantir o aumento do controle sobre nossa produção agrícola, que hoje se transformou em questão de vida ou morte para os países que ainda lutam para conseguir sua segurança alimentar.
O que as nações mais poderosas do mundo estariam dispostas a fazer para garantir que o Brasil forneça para eles alimentos? Ou o controle sobre nossas matrizes energéticas e nossa água potável? Isso está se transformando de uma questão comercial para uma questão existencial. Por isso, neste ano, ou o Brasil decola, com ousadia e soberania, como uma potência, ou continuaremos ainda mais nas mãos de interesses de grandes conglomerados internacionais. Espero que consigamos ajudar o mundo, mas, ao mesmo tempo, e mantendo nossa autonomia, para que não nos transformemos em massa de manobra nas mãos dos abutres que desejam sugar nossas riquezas e recursos naturais.
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