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Daniel Lopez

Daniel Lopez

Jornalista e teólogo, autor de ‘Manual de Sobrevivência do Conservador no Séc. XXI’. É doutor em linguística pela UFF

Geopolítica neural

Elon Musk não quer apenas Marte, mas o seu cérebro

Elon Musk quer hackear seu cérebro (Foto: Slate)

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Elon Musk anunciou recentemente que espera iniciar a implantação de chips cerebrais em humanos já no ano que vem. Você pode pensar: “eu não quero nada implantado na minha cabeça”. Calma. Inicialmente, o projeto é apenas destinado a tetraplégicos, portadores de lesões na medula ou pessoas que enfrentam distúrbios neurológicos. Deus queira mesmo que a nova tecnologia seja capaz de ajudar aqueles que lutam com problemas como esses. Porém, quem pesquisa um pouco sobre como essas coisas geralmente se desenrolam sabe que o argumento de aplicação médica é frequentemente usado para facilitar o desenvolvimento de tecnologias que, no final das contas, acabam sendo utilizadas para fins “menos nobres”. E isso traz à tona questões éticas, bélicas e geopolíticas.

Pesquisas como essa costumam esbarrar, também, em questões que se chocam com o trabalho dos defensores da causa animal. Atualmente, o projeto utiliza macacos para testar seus produtos. No início do ano, Musk lançou um vídeo em que um macaco jogava videogame apenas com seus impulsos cerebrais, enquanto usava um dispositivo Neuralink, empresa responsável pela pesquisa. Você poderia imaginar os defensores dos animais reclamando da exploração dos pobres símios. Porém, o argumento de aplicação médica é implacável: “é para o bem da humanidade, para restaurar mobilidade àqueles que perderam seus movimentos”. Realmente é uma razão forte. Mas, e a segurança?

Musk tem dito que o projeto é “muito seguro e confiável e que o dispositivo Neuralink pode ser removido com segurança”. Mas as questões de segurança vão além disso. Isso porque, por exemplo, o chip implantado no cérebro das pessoas poderá não apenas estimular, mas também registrar a atividade cerebral. Tudo tem um preço. Diante do benefício de entrar na internet diretamente com seu cérebro, você terá, ao mesmo tempo, suas ondas cerebrais registradas. O problema é que hoje já existe tecnologia capaz de traduzir pensamentos em palavras. Em 2016, pesquisadores da Universidade de Oregon criaram uma máquina capaz de não apenas ler pensamentos, mas de exibir imagens deles. Em 2019, cientistas da Universidade da Califórnia conseguiram transformar pensamentos em voz. Neste ano, membros do instituto Caltech desenvolveram um aparelho de ultrassom que consegue ler a mente de uma pessoa e, com isso, "prever" suas atitudes. Você já imaginou esse tipo de tecnologia nas mãos de líderes com sede de poder? As aplicações militares e geopolíticas de artefatos como esses são ilimitadas. Seria o sonho de todo tirano, e o pesadelo do cidadão vigilante.

Uma tecnologia assim poderia viabilizar o famigerado “crime de pensamento”, ou “crimideia”, no jargão orwelliano. Penalizar o cidadão por meramente ter pensado algo que não se adequa ao status quo. Seria a teletela do 1984 elevada à máxima potência. Ficções como Minority Report seriam materializadas, uma vez que a análise das ondas cerebrais poderia levar a prisões antes mesmo que os crimes fossem eventualmente cometidos. Ou então realizar o sonho do Charada, no filme Batman Eternamente. Na história, o vilão criou um dispositivo chamado Vox, que, conectado à testa do usuário, permitia que o conteúdo da televisão fosse transmitido diretamente para o cérebro do espectador, trazendo um efeito de imersão total. Porém, o aparelho lhe permitia acessar as ondas cerebrais de quem o utilizava, de forma que o Charada pudesse descobrir os segredos mais íntimos de cada um, dando ao vilão enorme inteligência e conhecimento. E, mais do que isso, poderia ajudá-lo a descobrir quem realmente seria o Batman.

A pergunta então é: como as pessoas saudáveis serão convencidas a também aderir ao implante cerebral? Aí que está o detalhe. O que muito provavelmente irá acontecer é que, depois da aplicação médica inicial, as pessoas voluntariamente aceitarão inserir tais chips em seus crânios, diante da promessa sedutora de entrar na internet diretamente com o cérebro e poder acessar todas as informações necessárias de forma instantânea. Quem não adotar tal inovação será transformada num cidadão de segunda classe, tosco, limitado, que depende de sua própria memória para saber das coisas. A seleção natural faria com que os “não-implantados” fossem engolidos por essa classe superior. O questionamento estão é: quanto tempo até isso acontecer? Meu receio é que, no fundo, já está acontecendo...

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