A Ucrânia acabou se tornando uma bússola para o que pode acontecer com o mundo num futuro próximo, uma vez que funciona hoje como o ponto nevrálgico das relações entre Estados Unidos e Rússia. É verdade que, com a gestão Biden, Putin já conquistou duas grandes vitórias: a suspensão das sanções às empresas que estão construindo o gasoduto Nord Stream 2 (tema que abordei recentemente aqui) e a prorrogação do acordo New Start (Novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas), que limita a quantidade de armas nucleares que americanos e russos podem utilizar. Porém, a relação entre Washington e Moscou subiu para um novo patamar de tensão nos últimos dias. Primeiro, neste domingo (27), quando o Pentágono decidiu bombardear posições de milícias apoiadas pelo Irã (aliado dos russos), na Síria e no Iraque. Segundo, com o início ontem (28) de exercícios militares entre EUA e Ucrânia no Mar Negro, junto a outros 30 países. A Rússia emitiu fortes apelos pedindo o cancelamento das manobras. Mas, diante da negação, o Ministério da Defesa russo alertou que poderá reagir, caso necessário, para proteger sua segurança nacional.
Isso já seria motivo suficiente para trazer uma certa dose de preocupação para o ser humano de 2021, que permanece na luta para conseguir virar a página da pandemia, que continua ceifando vidas, empregos e empresas. Porém, o cenário do mercado internacional, aparentemente pacífico, esconde outros dados que têm tirado o sono de muitos especialistas. A impressão desenfreada de dólares para tentar conter um colapso econômico pode estar conduzindo o mundo a um estranho dilema: equilibrar-se na corda bamba entre a recessão e a hiperinflação, ou melhor exemplificando, entre a Crise de 29 e a Venezuela. O triste é que ambos os cenários conduzem à fome. Na recessão, há alimento disponível, mas o cidadão não possui dinheiro para comprá-lo. Na hiperinflação, como os preços sobem vertiginosamente a cada dia, as pessoas correm para os supermercados para estocar comida, com receio de que ela esteja tão cara no dia seguinte que inviabilize a compra.
Muitos historiadores e analistas econômicos estão comparando o que está acontecendo com o mundo hoje ao cenário que precedeu a Crise de 29. Há uma série de dados que apontam para a aproximação. Entre eles, está o “CAPE” (“Cyclically-Adjusted Price Earnings”, ou Preço/Lucro Ajustado Ciclicamente). Esse múltiplo, criado por Robert Shiller, ganhador do Nobel de Economia em 2013, é usado para analisar se uma ação está cara ou barata, entender como funcionam os ciclos econômicos ou tentar prever quando acontecerá a próxima grande queda da bolsa. Um número CAPE elevado indica, por exemplo, que as ações podem estar superfaturadas e prestes a cair. O preocupante é que o valor atingido no final de 2020 já era maior do que o patamar alcançado antes da Grande Depressão de 1929.
É difícil prever o futuro, mas outros sinais ajudam a antever crises. O entusiasmo excessivo com o mercado acaba por empurrar os preços das ações a níveis cada vez mais distantes da realidade. Em geral, quando isso acontece, os sinais de aviso são incialmente ignorados. Porém, num determinado dia, a percepção dos investidores muda, fazendo com que o otimismo rapidamente se transforme em pânico, o que desencadeia a queda brusca. Não sabemos se isso vai acontecer num futuro próximo, mas cresce a cada dia o número de especialistas sugerindo cautela, entre eles, Michael Burry, Robert Kiyosaki, Ray Dalio, Cathie Wood e Jim Rogers.
Um aspecto por vezes ignorado de um novo crash semelhante ao de 29 é seu possível desdobramento geopolítico. Muitos historiadores identificam uma direta correlação entre a Crise de 29 e a ascensão do nazismo e do encadeamento de tensão que levou à 2ª Guerra Mundial. Por isso, muitos estão perguntando: haveria chance de um terceiro conflito global? No final do ano passado, o general Nick Carter, chefe das forças armadas do Reino Unido, concedeu uma entrevista em que afirmou que há um risco concreto de uma nova guerra mundial. Para ele, a crise econômica global causada pelo COVID-19 poderia desencadear novos conflitos. Um colapso da moeda americana, prejudicada pela impressão desenfreada, poderia gerar uma nova onda de críticas ao modo de produção capitalista liberal e abrir caminho para o surgimento de ideologias cada vez mais extremas, trazendo soluções mirabolantes, porém, sedutoras, como aconteceu na Alemanha dos anos 30 e 40.
Hoje, o problema é que a tirania se apresenta como liberdade, o regresso como avanço, o silêncio como emancipação e o cancelamento como justiça. Com essa lógica completamente invertida, fica o receio de que a humanidade possa, novamente, receber de bom grado as ideias mais insanas, caso sejam apresentadas com a adequação linguística e de propaganda suficientes para enganar os incautos.
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