Ouça este conteúdo
Muitas pessoas ainda acreditam que a história é o “relato dos fatos exatamente como eles aconteceram”. Entretanto, desde o ano de 1929, quando foi criada na França a “Escola de Annales”, abandonou-se a visão positivista da historiografia em favor da ideia de que a história seria uma “construção humana”, e não a “palavra final” sobre os acontecimentos. Seria uma adequação da teoria da história ao modelo pós-moderno, que recusa as verdades imutáveis e advoga em favor de que tudo é discurso, ou seja, a interpretação humana sobre o mundo, uma opinião, e não a verdade inquestionável.
Essa reflexão sobre dois modelos de se interpretar a história veio à minha mente ao ler uma postagem de Ben Gilbert no Twitter. Gilbert é cofundador e da Pioneer Square Labs, uma “venture studio” (criadora de startups) e empresa de capital de risco em Seattle. Ele também é o co-apresentador do podcast Acquired, dedicado a analisar a história de empresas de sucesso. Na postagem em questão, ele escreveu o seguinte: “É absolutamente surpreendente que o avião mais rápido já construído (ainda hoje!) tenha sido projetado e voado antes da invenção da calculadora”. Uma ideia realmente alucinante, que sugere que a aeronave mais rápida conhecida hoje foi criada em 1964. Seria possível que a aviação estagnou 60 anos atrás? Seriam seis décadas sem conseguir superar uma marca tão antiga? A coisa toda simplesmente não faz sentido.
No universo dos projetos classificados (secretos), não existe essa questão de “história oficial”. É tudo segredo e dissimulação.
A postagem acabou recebendo uma tarja de contextualização do Twitter, defendendo que a informação não estaria correta. Isso porque, segundo a “correção”, o primeiro voo da aeronave em questão (a Lockheed SR-71 Blackbird) teria acontecido em 1964, enquanto a primeira calculadora “eletrônica” teria sido criada em 1961. Gilbert replicou com o seguinte texto: “O protótipo A-12 voou em abril de 1962. A primeira calculadora baseada em transistor de mesa foi a Friden EC-130 em junho de 1963. Para o seu ponto, havia algumas calculadoras fora dos EUA antes disso. Mas meu ponto mais amplo é que o desenvolvimento deste avião foi feito quase inteiramente sem calculadoras”. Ou seja: como pode a aeronave mais rápida de hoje ter sido criada há 60 anos, quando, em tese, ainda não existiam calculadoras eletrônicas? Por que essa aeronave continua sendo a mais veloz? Não houve avanços neste período? Algo não bate aqui.
Quem conhece a história da empresa fabricante do Blackbird sabe que eles estão entre os “defense contractors”, ou seja, as empresas que possuem contratos com o governo norte-americano para a fabricarão de equipamentos bélicos. Eles empregam alguns dos mais arrojados cientistas do planeta, em conjunto com engenheiros, físicos e matemáticos que trabalham na vanguarda da tecnologia mundial. Você realmente acredita que eles estão há 60 anos sem conseguir fabricar uma aeronave mais rápida que o SR-71? Quero ler sua opinião nos comentários.
Se uma aeronave “não existe”, um país pode utilizá-la para invadir o espaço aéreo de um inimigo e não ser punido por isso.
Minha dúvida é inspirada em alguns pontos. Primeiro, eu conheço um pouco da fama da Lockheed Skunk Works. Geralmente, “skunk works” é um apelido dado, no setor da engenharia, para se referir a um grupo dentro de uma empresa que trabalha com elevada autonomia, atuando em projetos muito avançados, de vanguarda, e geralmente secretos. Por isso, no caso da Lockheed Martin, a sua “Skunk Works” se refere ao seu “Programa de Desenvolvimento Avançado”, que trabalha em projetos altamente classificados (secretos), desenvolvendo aquelas que são conhecidas como “aeronaves exóticas”. Os locais de teste acontecem, por exemplo, nas misteriosas Planta 4 (em Fort Worth, no Texas) e Planta 42 (Palmdale, Califórnia), ambas da Força Aérea dos Estados Unidos.
Aqui estaria, portanto, uma explicação possível para essa suposta defasagem sexagenária. Talvez ainda acreditemos – segundo a “história oficial” – que o Blackbird de 1964 continua sendo a aeronave mais rápida até hoje porque os projetos que o superaram são todos classificados (secretos). A pergunta que fica, então, é: se eles desenvolveram outras aeronaves super avançadas nestes 60 anos, que tipo de tecnologia possuem hoje que ainda não foi confirmada ou liberada ao público?
Haveria um hiato de 20 anos até conhecermos as armas mais avançados dos EUA.
Nessa linha de raciocínio, muitos estão defendendo a ideia de que boa parte dos “objetos voadores não identificados” (ou, na nova terminologia do Pentágono, “fenômenos aéreos não identificados”) que hoje são vistos seriam, na verdade, aeronaves super avançadas que continuam secretas. Basta lembrar que outro avião que tem sido reputado como um dos mais avançados ainda hoje (o B-2 Spirit, apelidado de Stealth Bomber) teve seu primeiro voo em 1989 (34 anos atrás), pelo menos segundo a “história oficial”. Mais uma “defasagem” inexplicável.
Em segundo lugar, entra o livro de Annie Jacobsen (finalista do prêmio Pulitzer em 2016), The Pentagon's Brain: An Uncensored History of DARPA, America's Top-Secret Military Research Agency (“O Cérebro do Pentágono: Uma história aberta da DARPA, a agência de pesquisa militar ultrassecreta dos Estados Unidos”). Neste livro, a autora defende que a tecnologia bélica norte-americana está sempre 20 anos à frente do que o público conhece e imagina. Segundo essa tese, haveria um hiato de 20 anos até conhecermos as armas mais avançados dos EUA. Por esse viés, precisamos pensar que eles estão sempre 2 décadas à frente daquilo que imaginamos, contradizendo a “história oficial”.
Conclusão: no universo dos projetos classificados (secretos), não existe essa questão de “história oficial”. É tudo segredo e dissimulação. E qual seria o problema disso? Primeiro, se uma aeronave “não existe”, um país pode utilizá-la para invadir o espaço aéreo de um inimigo e não ser punido por isso. Segundo: se essas aeronaves possuem um aspecto muito semelhante àquilo que é popularmente conhecido como “discos voadores”, eles podem realizar operações secretas em outros países e, caso identificados, afirmar que se tratava de um OVNI. Ou então, no final das contas, abre-se margem para a encenação de uma falsa invasão alienígena a nível global.
Para você que achou a última opção muito “exótica”, recomendo um texto recente em que lembro a todos que dois ex-presidente norte-americanos e um vencedor do Nobel de economia já defenderam publicamente a ideia de que uma invasão alienígena (mesmo que falsa) resolveria todos os problemas globais, uma vez que levaria a humanidade a superar suas diferenças e se unir para vencer uma “ameaça de fora”.
Enquanto isso, a maioria irá continuar acreditando na “história oficial”, ignorando os avanços teóricos da Escola de Annales e a existência de projetos altamente classificados. Isso porque as “pessoas na sala de jantar são ocupadas em nascer e morrer”, como diziam os Mutantes na música Panis et circenses (“pão e circo”).