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No final das contas, há apenas dois projetos de gestão: um que valoriza a liberdade e outro que busca o controle. O problema é que, obviamente, o segundo modelo não se apresenta como tal, mas se mascara atrás de um manto de liberalismo e autonomia. Nada como a boa e velha propaganda.
Nestas colunas, tenho sempre buscado alertar sobre as estranhas e preocupantes mudanças que têm acontecido mundo afora. Ajudar a entender como o mundo está rapidamente se transformando em algo completamente diferente. Faço isso motivado por uma convicção: conhecimento é poder. Estimulado pela ideia de que, se soubermos identificar e entender para onde as coisas estão caminhando, poderemos nos preparar e, melhor ainda, talvez até evitar que algo muito ruim aconteça.
Tenho insistido no alerta sobre o perigo das moedas digitais centralizadas, criadas pelos Bancos Centrais mundo afora. É uma tendência global, que também vem ganhando corpo por aqui, como mostrei em artigo recente. Sem dúvida, a substituição do dinheiro físico pelo digital seria o xeque-mate do poder estatal, garantindo controle pleno sobre todas as atividades humanas, tornando-a completamente dependente da boa vontade do sistema.
Se soubermos identificar e entender para onde as coisas estão caminhando, poderemos nos preparar e, melhor ainda, talvez até evitar que algo muito ruim aconteça.
Entretanto, como se não pudesse ficar ainda mais estranho, uma novidade está aumentando o nível de preocupações sobre o advento das CBDCs. E eu preciso alertá-los sobre isso. Uma matéria recente publicada no The Economic Times (jornal diário indiano voltado para negócios, de propriedade do The Times Group) divulgou que a China está testando inserir em sua moeda centralizada, o yuan digital, uma data de validade. Ou seja, o valor iria expirar caso não utilizado dentro de um período de tempo. Isso forçaria os usuários a gastar suas reservas com mais rapidez. Os desdobramentos disso são nefastos.
A motivação principal estaria no fato de que, conforme a China enriquece, o consumo interno vai ganhando cada vez mais importância. Dessa maneira, controlando o consumo doméstico (por meio de uma data de validade para o dinheiro), o governo poderia ajustar a demanda por bens e serviços, acelerando ou desacelerando essa dinâmica. O mecanismo poderia também ajudar a controlar a inflação, aumentando ou diminuindo o consumo conforme o caso.
O lado obscuro disso tudo é que a proposta poderia impedir que os cidadãos acumulassem dinheiro, assim, evitando o enriquecimento individual. Um cenário distópico, que me fez lembrar do filme de 2011 O Preço do Amanhã, dirigido por Andrew Niccol e estrelado por Justin Timberlake e Olivia Wilde. Na história, para permanecerem vivas, as pessoas precisavam “comprar minutos de vida”, de forma que, literalmente, o tempo seria o próprio dinheiro. Enquanto os pobres eram forçados a implorar por cada minuto de suas vidas, os ricos acumulavam tanto tempo que tornaram-se capazes de viver para sempre.
Por incrível que pareça, essa ideia de dinheiro com prazo de validade não é nova. O próprio Keynes, famoso economista britânico, sonhava em poder controlar a chamada “velocidade do dinheiro”, ou seja, o número de vezes que uma determinada moeda é gasta para comprar bens e serviços em um período específico. A ideia do dinheiro com data de expiração tem precedentes na Idade Média e até mesmo no Egito Antigo. Entretanto, sua versão moderna foi criada pelo economista alemão-argentino Silvio Gessel, criador do Freiwirtschaft (do alemão “economia livre”), um tipo de modelo econômico de socialismo de mercado.
Em 1887, Gessel mudou-se para a Argentina, e abriu uma franquia de uma empresa de seu irmão. Mas seu negócio foi severamente prejudicado por uma grave crise econômica que aconteceu em 1890. Isso o levou a uma profunda reflexão sobre os problemas do sistema monetário. Ele concluiu que, em momentos de instabilidade, crises se agravam pois as pessoas guardam o dinheiro, praticando o chamado “entesouraremento”, que acaba travando a economia e gera uma destrutiva reação em cadeia. Se o dinheiro tivesse um prazo de validade, pensou ele, as pessoas seriam obrigadas a gastar, o que poderia impedir o entesouramento e evitar o colapso econômico.
A ideia parece muito boa, mas pode conduzir a propostas estranhas como a da moeda digital com data de validade, que pode ser um instrumento para a perpetuação do status quo, impedindo a ascensão social e garantindo controle eterno das elites sobre as massas.
Fica o alerta. Torço para que haja uma ampla conscientização antes que essa proposta seja definitivamente implementada mundo afora.