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A mágica acabou. O feitiço midiático terminou. Quem diz são os números, que expressam a insatisfação do espectador. Não é apenas o maior conglomerado midiático brasileiro que está enfrentando seus piores índices de audiência. Mas se trata de uma tendência global. A causa vai além do fato de ser um modelo de negócios cada vez mais ultrapassado. O mundo contemporâneo, online, desfavorece as grandes corporações (que são caras, complexas e lentas) e abre margem para os negócios digitais (mais baratos, simples e velozes). A causa maior é, talvez, a filiação a uma postura ideológica que não coincide com visão de mundo de boa parte dos espectadores. O sistema procura silenciar aqueles que não se adequam ao seu modelo, mas alguns conseguiram vencer o apagamento, e estão mostrando ao mundo não apenas uma nova tendência midiática, mas uma dinâmica nos jogos de poder completamente inovadora.
Um dos exemplos é o apresentador Joe Rogan. Ele é hoje considerado uma das figuras mais influentes na mídia. Seu podcast conquistou hoje uma audiência maior que grandes figuras da mídia americana, como Tucker Carlson, e os próprios canais Fox News e CNN. O programa de Rogan atinge em média de 11 milhões de pessoas a cada episódio, números que são astronomicamente maiores que os produtos tradicionais. Para se ter uma ideia, o segundo colocado não chega aos 3,5 milhões de visualizações. Estamos diante de uma revolução poderosa, acontecendo diante de nossos olhos.
O apresentador nunca se curvou aos ditames do politicamente correto. Sua antiga plataforma passou a vetar alguns de seus conteúdos, de forma que ele passou a buscar uma nova casa. Até que o Spotify pagou nada menos do que 100 milhões de dólares para trazê-lo exclusivamente para sua plataforma. Você pode achar que fizeram um mau negócio, mas os dados de 2021 mostram que o The Joe Rogan Experience foi, disparado, o programa de maior de audiência do famoso serviço de setraming. Lá ele conquistou a liberdade de falar o que quer e conversar livremente com seus entrevistados. Ou seja, Rogan simplesmente quebrou o sistema da mídia tradicional. E isso possui impactos geopolíticos enormes.
Rogan é exemplo e sintoma de que a “sociedade do espetáculo” caiu por terra. “Sociedade do Espetáculo” é o nome de um livro do autor marxista Guy Debord. Críticos do sistema midiático, como Debord, sempre ensinaram que a mídia cria um espetáculo, equivalente a uma realidade paralela, um mundo imaginário, que não teria nenhum vínculo com a realidade. Seria uma espécie de feitiço na mente das pessoas. Karl Marx falava muito sobre feitiço. Segundo ele, a mercadoria tinha um encanto chamado “fetichismo da mercadoria”. Lembrando que fetiche é uma palavra que tem a mesma origem que “feitiço”. O “feitiço” da mercadoria seria quando olhamos um produto, como um computador ou um celular e não enxergamos nele o trabalho humano, o suor do trabalhador que teria sido explorado pela mais valia e o mais trabalho. Seria uma maneira de o capitalismo criar um “feitiço” para iludir as massas, de forma a não mostrar os reais problemas da sociedade.
Hoje, porém, vemos que é exatamente o contrário, uma vez que o sistema atual expressa majoritariamente uma visão de mundo esquerdista, patrocinada por uma elite que busca ratificar seu poder por meio de um “feitiço” lançado sobre as massas.
Na Grécia Clássica, a elite era composta pelos aristói, ou seja, os “virtuosos”, os possuidores da areté. O “povão” era o homoioi, ou seja, “os iguais”. Os virtuosos (aristoi) compunham a “aristocracia”, a saber, “o governo dos virtuosos”, ou “o governo dos melhores cidadãos”. O detalhe é que, os virtuosos, para ratificar seu domínio, criaram um sistema capaz de manter a população sempre enfeitiçada, apática e anestesiada.
Você entende melhor o que seria esse “sistema” quando percebe a diferença entre cultura popular e cultura de massa. Cultura popular é aquela feita pelo povo e para o povo. A cultura de massa é feita pela elite e imposta sobre as massas. São realidades completamente distintas. Um exemplo são nossas festas folclóricas, como bumba meu-boi, ou a Folia de Reis. Você já deve ter visto aquelas pequenas cidades do interior em que a própria população se reúne, fabrica as fantasias e faz uma vaquinha para poder custear os preparativos. Eles criam festa para eles mesmos consumirem. Isso é cultura popular, feita pelo povo, para o povo, no interesse povo.
A cultura de massa é totalmente contrária. É quando a elite constrói um produto, na engrenagem de uma verdadeira indústria cultural, uma festa, uma cultura gerada de cima para baixo. São filmes, peças de teatro ou mesmo jornais televisivos. A cultura de
massa é a elite ditando o que o povo deve pensar, os modelos que deve seguir.
O problema é que hoje o povo já percebeu que a elite quer uma coisa, mas o cidadão comum quer outra. Por exemplo: os intelectuais. São compostos por uma elite que fala só com os componentes da própria elite. O mercado financeiro é uma elite que fala com a própria elite. A grande cultura de massa é a elite que fala com a própria elite. Assim, os produtos de massa são produzidos pela elite como meio de impor subliminarmente sua visão de mundo para as massas.
Contudo, para isso, é necessário um veículo de transmissão. Este veículo é precisamente a grande mídia, ou seja, os meios de comunicação de massa. O jornal televisivo das massas, as grandes novelas. É uma maneira por meio da qual a elite consegue impor sua visão de mundo sobre as massas e garantir a perpetuação de seu domínio, por meio de uma estratégia de controle.
Neste ponto, você pode estar pensando: de onde você tirou isso? Quem te ensinou essas coisas? Eu aprendi com autores marxistas como Walter Benjamin, Theodor Adorno, Max Horkheimer, Néstor García Canclini e Jesús Martín-Barbero. Quando analisamos, por exemplo, a obra de Max Horkheimer e Theodor Adorno (que são marxistas, da escola de Frankfurt), encontramos alguns detalhes interessantes. Eles escreveram, em conjunto, um livro chamado “Dialética do Esclarecimento”, de 1944. Nele, há um capítulo muito sugestivo: “A indústria cultural: esclarecimento como engano das massas”. Para eles, a indústria cultural realiza o engano das massas. Hoje, porém, a doutrina foi completamente invertida. Querem fazer com que as pessoas acreditem piamente naquilo que a cultura de massa ensina, sem qualquer postura crítica diante do que é falado ou escrito. Tal proposta em choque com a grande conclusão de todos esses autores que estudaram a cultura de massa, que se debruçaram sobre a comunicação de massa. No final das contas, se resumirmos tudo que esses teóricos ensinaram, a mensagem é: “não confiem nos meios de comunicação de massa, pois eles são que as elites utilizam para dominar o povo”. Atualmente, entretanto, tudo que aprendi em minha jornada acadêmica é invertido: “confiem piamente em tudo que está nos meios de comunicação de massa”.
Os dados mostram que o povo não confia mais. O feitiço perdeu completamente sua força. O povo quer a verdade. Sem firula, sem enrolação, sem maquiagem. Joe Rogan é um exemplo disso. Acredite: o povo não é burro, ele está apenas entorpecido. Um bom choque de realidade é suficiente para quebrar o encantamento, acordar a bela adormecida e desmascarar o Mágico de Oz.