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No último dia 19, durante um evento chamado "Perspectivas Econômicas do Brasil", o ministro Paulo Guedes fez um interessante resumo sobre a mudança da posição do Brasil no cenário geopolítico internacional. Mudança esta que abre caminho para uma oportunidade ímpar, mas que também traz preocupações relevantes.
O ministrou lembrou que, no momento mais crítico da crise sanitária, houve uma interrupção das cadeias produtivas internacionais, o que comprometeu severamente as linhas de fornecimento. Porém, quando a economia mundial começou a se reerguer, e um fio de esperança crescia, teve início a Guerra na Ucrânia. Sendo Kiev importante produtor de grãos e fertilizantes, e Moscou o fornecedor de energia para toda a Europa, a consequência imediata foi o drástico aumento de preços, com destaque para alimentos e energia, não apenas na Europa, mas no mundo inteiro. A crise tronou-se mais aguda e a ruptura das cadeias globais se aprofundou. Tudo mudou, uma vez que agora não se tratava mais de uma questão sanitária, mas geopolítica.
Diante do caótico cenário, os americanos finalmente entenderam os riscos de manter sua produção industrial na Ásia. Isso porque, diante de eventuais crises, a China sempre poderia fechar o Pacífico Sul e deixar o mundo sem os produtos mais indispensáveis para a indústria, como é o caso dos semicondutores, tão importantes para a área de telecomunicações e para o setor automobilístico.
A guinada de um problema sanitário para outro de natureza geopolítica aprofundou definitivamente a ruptura das cadeias globais. Mas a grande mudança é que, provavelmente, elas não serão reconstruídas nos mesmos eixos. As potências ocidentais perceberam que não podem mais depender da produção eurasiana de alimentos, energia e componentes industriais.
É neste momento que o Brasil muda de posição no cenário internacional. Antes éramos, aos olhos dos estrangeiros, um mero concorrente, que deveria ser retirado do jogo por meio da acusação de não cuidar de nossas florestas. Agora, entretanto, eles começam a redescobrir o Brasil, que passou a ser visto como a solução para os desafios esperados para os próximos anos.
Entretanto, tudo tem um preço. Para o Brasil ser aceito na elite do comércio internacional, será necessário adequar-se a algumas pesadas exigências. Entre elas, seguir o padrão ESG, a tão debatida “governança ambiental, social e corporativa”. Com esse objetivo em mente, o Brasil montou, por exemplo, o seu Green Growth Program, com investimentos na casa de 1 bilhão de dólares, para redesenhar as estratégias ambientas e criar um grande eixo verde. Enviamos também representantes a Glasgow, na COP26, para anunciar ao mundo nossos avanços e projetos.
Mês passado, Paulo Guedes esteve na OCDE. E eles pediram o apoio do Brasil para contornar a as crises alimentícia e energética globais. O ministro respondeu: “Nos ajudem a ajudá-los. Nós temos alimentos. Mas vocês estão protegendo a OCDE, e a França continua usando o argumento que nós estamos destruindo florestas com o intuito de atrapalhar nossa inserção no mercado internacional”. Vale lembrar que o argumento é sempre muito incoerente, quando você percebe que, na verdade, o fluxo de emissão de poluição global parte 30% da China, 15% dos Estados Unidos e 14% da Europa. Enquanto isso, o Brasil, responsável por apenas 1,7% das emissões globais de poluentes, é colocado como o grande vilão climático global.
É obviamente importante acabar com o desmatamento ilegal e com o desflorestamento. Mas o Brasil já tem mostrado serviço, e se comprometido com metas neste sentido. Somos uma potência verde, com a matriz energética mais limpa do mundo. E as potencias globais estão começando a enxergar isso.
Neste sentido, o Brasil está desenhando com a OCDE três pilares de um compromisso verde: tributar a poluição, premiar inovações, mas também recompensar a preservação de recursos naturais. Para entrar no mercado internacional, estamos dançando conforme a música da causa verde. Espero que o esforço seja válido. Que não seja mais uma cilada de nossos concorrentes, um caminho para aumentar a ingerência internacional sobre nossos recursos, e principalmente, sobre a Amazônia.
Da mesma forma que os europeus mudaram o tratamento em relação ao Brasil, os americanos também estão seguindo nessa linha. Eles precisam agir rapidamente para garantir sua segurança alimentar e energética. É por isso que temos, agora, a impressão de haver uma boa vontade em relação ao Brasil da parte dos líderes de algumas das instituições mais poderosas do mundo, como a presidente da OMC, o presidente da OCDE e a secretária do tesouro americano. Parece haver um desejo real de que possamos integrar a OCDE. Pelo menos, estamos bem à frente da maioria dos países disputando uma vaga no grupo.
Se entramos, muitas portas poderão ser abertas. Há a possiblidade de estabelecer acordos com a União Europeia e acessar o gigante mercado europeu. Eles sabem que Brasil e a Argentina possuem, juntos, uma produção suficiente para auxiliar a Europa na busca pela tão sonhada segurança alimentar. O problema é que, durante décadas, eles preteriram o Brasil no cenário internacional. Desde a rodada de Doha, que aconteceu entre 2001 e 2008, os europeus de fecharam para nossos produtos.
Agora, contudo, o cenário mudou por completo, quando entenderam que o Brasil pode ser uma das poucas nações capazes de suprir o mundo. O Brasil está aberto, num momento em que todos estão se fechando. Por isso, nos tornamos uma das maiores promessas de investimentos para os próximos anos. Durante a crise sanitária, as reformas dos marcos regulatórios abriram uma série de frentes para o capital estrangeiro, seja nas telecomunicações, eletricidade, gás natural, saneamento, lei de falência e navegação de cabotagem.
Todos esses fatos, quando vistos em conjunto, transformam o Brasil na maior promessa para os próximos anos. Isso exatamente quando as potências globais estão procurando onde investir para garantir sua segurança alimentar e energética.
Fico na torcida para que não sejamos mais uma vez iludidos por essas instituições que sempre prejudicaram o Brasil no cenário internacional. Seria a cartilha do Novo Acordo Verde apenas uma estratégia para manter as nações mais promissoras sob tutela estrangeira? Como fica a Amazonia nisso tudo? Difícil saber agora. Só o tempo dirá se o pacto será uma grande oportunidade ou mais uma cilada dos abutres de primeira hora.