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Neste meu último artigo de 2023, gostaria de deixar para vocês uma reflexão sobre uma importante tendência que está se desenhando para os próximos tempos. Sempre aprendi, na minha graduação em jornalismo no início dos anos 2000, que Hollywood (ou melhor, “Hellywood”) era um grande sistema de propaganda do imperialismo norte-americano, que usava seu poderio cultural para impregnar o planeta com sua visão de mundo capitalista e consumista da sociedade de consumo ocidental. Isso, inclusive - conforme eles ensinavam - por meio de uma associação nebulosa entre a CIA e a Indústria do Entretenimento. Esta última parte é verdade. Chase Brandon foi o agente responsável, durante muitos anos, pelo escritório de ligação entre Agência Central de Inteligência e Hollywood. Para mais informações sobre essa estranha relação, consulte meu artigo “Programação Preditiva: propaganda em tempos de crise?”, publicado em maio de 2021.
Era isso que nos ensinavam nos anos 80, 90 e início dos anos 2000: Hollywood era a grande máquina de propagação do capitalismo imperialista norte-americano e da sociedade de consumo ocidental. Mas algo mudou drasticamente. Hoje, Hollywood continua sendo o maior sistema de propaganda do mundo. Mas o conteúdo propagado não mais promove a glória do capitalismo ou da sociedade de consumo. Nem exalta os Estados Unidos como os bonzinhos do mundo e o american way como a coisa mais linda que existe. Pelo contrário, Hollywood se transformou na maior bolha progressista do planeta, que prega até mesmo contra os EUA, demonizando a cultura norte-americana e sua presença no mundo. Uma guinada muito estranha, não? Mas isso nos permite fazer, neste ponto, um importante exercício.
Partiremos do princípio de que sim, Hollywood é a maior ferramenta de propaganda do mundo. Devido à sua força, foi capaz de realizar gigantescos projetos de engenharia social, fazendo com que o mundo inteiro passasse a pensar, se vestir e agir conforme eles desejavam. Pessoas das mais diversas nações eram adestradas a admirar os norte-americanos, sua cultura e seu estilo de vida, e a consumir seus mais diversos produtos, sejam bens, serviços e produções da indústria cultural.
Esse programa atingiu sua forma mais refinada, primeiramente, no contexto da Guerra Fria, com o objetivo de exaltar as virtudes norte-americanas e depreciar Moscou. Como exemplo, basta pensar em filmes como Rambo 2 e 3, ou todos os outros (muito frequentes nos anos 80) em que o grande vilão era sempre algum russo louco, enquanto o mocinho era um homem musculoso e corajoso.
Voltando um pouco no tempo, podemos entender como a máquina de propaganda progrediu ao longo dos anos. Nos anos 40, boa parte dos homens no planeta passaram admirar e imitar Humphrey Bogart, grande estrela do filme “Casablanca”, de 1942. Seu estilo era sempre caracterizado pelo terno escuro, lenço no bolso, camisa clara, chapéu e, ocasionalmente, um sobretudo. Ou seja, era o modelo do homem charmoso e sedutor. Você pode pensar que roupa não influencia muito, mas um dos elementos mais característicos de uma cultura é a maneira como as pessoas se vestem. Tanto que existe, inclusive, uma semelhança linguística entre a ideia de “costume” com a noção de “vestimenta”. Em inglês, por exemplo, a palavra “costume” serve a ambos os sentidos, por meio da noção de “figurino” (em inglês, costume design). Outro exemplo é a noção de “hábito religioso”, que se refere às vestes usadas por pessoas pertencentes a comunidades monásticas.
A engenharia social praticada por Hollywood sempre teve a moda como uma de suas ferramentas mais identificáveis. Por isso, pode ser usada como importante referencial para analisar como se desenrolou a “colonização cultural” norte-americana. Nos anos 50, houve uma enorme mudança de conteúdo da propaganda oficial de Washington. Uma postura de maior rebeldia começou a ser incentivada. Entre os exemplos mais categóricos estão os atores Marlon Brando (com o filme “Um Bonde Chamado Desejo”, de 1951) e James Dean (em “Juventude Transviada” - no original em inglês, “Rebelde sem Causa” - de 1955). O traço característico era representado pelas jaquetas de couro, camiseta branca colocada para dentro de uma calça jeans justa e botas, sempre associado a um estilo bad boy, que valorizava a masculinidade e uma certa agressividade, que atingiria seu clímax com os musculosos Stallone e Schwarzenegger nos anos 80.
Entretanto, esse “culto à força e ao vigor” da propaganda de Hollywood começou a inverter sua estratégia nos anos 90. Não apenas o “machão” passou a ser demonizado, mas os músculos foram desaparecendo e a agressividade lentamente foi sendo colocada como vício a ser extirpado. Curiosamente, esse enfraquecimento do vigor físico no cinema foi acompanhado de uma estranhíssima queda nas taxas de testosterona. Conforme estudo divulgado em 2007 pelo Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism, os níveis de testosterona registraram uma queda de 1% ao ano desde 1980. Isso significa que, por exemplo, um homem de 60 anos de 2004 possuía um nível hormonal 17% menor quando comparado a um homem de 60 anos de 1987.
O mais curioso é que, enquanto Hollywood e o movimento woke norte-americano demonizam o vigor, o governo chinês investe em programas educacionais para "tornar meninos mais viris". Além disso, restringe conteúdo interpretado como “prejudicial” no TikTok, valorizando vídeos educacionais e instrutivos, enquanto no exterior a plataforma está impregnada de dancinhas sensuais e amenidades.
Vejam que estranho. Enquanto o socialista dos Estados Unidos de hoje prega contra o vigor, o socialista chinês e russo pregam a favor. A conclusão que chegamos é que a cultura norte-americana está em situação delicada estrategicamente, pois aceitou a propaganda oriental, que propõe uma sociedade cada vez mais recatada e tímida, enquanto China e Rússia investem pesadamente numa educação e cultura que valorizam a força e o vigor. Neste cenário, fica fácil prever quem tem maiores chances de vencer um conflito cada vez mais inevitável.