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Daniel Lopez

Daniel Lopez

Jornalista e teólogo, autor de ‘Manual de Sobrevivência do Conservador no Séc. XXI’. É doutor em linguística pela UFF

Geopolítica conspiratória

O dia em que o Parlamento Europeu acreditou na “conspiração” do HAARP

A triste situação no Rio Grande do Sul gerou uma série de comentários nas redes sociais sobre uma máquina norte-americana que seria capaz de provocar terremotos e tempestades. (Foto: EFE/ Isaac Fontana)

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A triste situação no Rio Grande do Sul gerou uma série de comentários nas redes sociais sobre uma máquina norte-americana que seria capaz de provocar terremotos e tempestades. Ela se chama HAARP, uma sigla que, em português, significa “Programa de Investigação de Aurora Ativa de Alta Frequência”. O tema é geralmente reputado como sendo mera teoria da conspiração. O curioso, porém, foi que essa ideia conspiratória chegou a ser levada a sério pelo próprio Parlamento Europeu. Vou contar um pouco dessa história aqui para vocês.

O projeto HAARP existe. A polêmica reside na ideia de que ele seria capaz de alterar o clima, o que as declarações oficiais negam, assim como a maioria dos cientistas. O projeto foi iniciado oficialmente em 1993, a partir de uma parceria entre a Força Aérea dos EUA, a Marinha norte-americana, a Universidade do Alasca e a DARPA. O objetivo seria “entender, simular e controlar os processos ionosféricos que poderiam mudar o funcionamento das comunicações e sistemas de vigilância". Alguns dizem que o projeto teria sido encerrado em 2015. Porém, o que aconteceu foi que a Força Aérea dos EUA passou a gestão para a Universidade do Alasca. O projeto continua ativo, como é possível comprovar no site oficial.

Se a interferência do HAARP sobre o clima é um delírio, trata-se de uma conspiração que foi cultivada pelo Parlamento Europeu por mais de uma década.

A coisa ficou estranha quando, em 1999, um grupo de membros do Parlamento Europeu passou a defender a ideia de que o HAARP seria, na verdade, uma espécie de “arma climática”. Eles chegaram a redigir uma proposta de resolução sobre o tema, mas que acabou nunca sendo adotada.

É importante lembrar que o relatório em questão (que pode ser acessado aqui) não se dedicou exclusivamente sobre o HAARP, tendo como objetivo principal analisar atividades bélicas que poderiam gerar repercussões climáticas e ecológicas, principalmente quanto à questão da escassez de água e destruição das florestas. É aqui que entra a citação ao HAARP, interpretado no relatório como um “sistema bélico capaz de afetar o clima”. Inclusive, no texto final, há uma proposta de resolução dirigida ao Parlamento. Nela, o HAARP é apontado como uma ferramenta de pesquisa militar que teria o objetivo de manipular o clima.

O relatório em questão lembrou um detalhe que a maioria dos que comentam o tema desconhece: programas semelhantes ao HAARP existem na Noruega e na Rússia. O texto afirma que, se o equipamento for utilizado “como arma militar pode ter um efeito devastador sobre o inimigo”. O documento chega a defender a ideia de que a ocorrência de buracos na ionosfera pode ser atribuída ao HAARP. Por isso, eles argumentam que o tema é uma questão de preocupação global, principalmente devido ao fato de se tratar de “um projeto sobre o qual o público quase nada sabe”.

Devido a tais preocupações, a proposta de resolução que foi enviada ao Parlamento Europeu chegou a apelar a um “organismo internacional independente para examinar os seus efeitos jurídicos, implicações ecológicas e éticas antes de quaisquer pesquisas e testes adicionais”. Além disso, houve uma solicitação ao Comitê de Avaliação de Opções Científicas e Tecnológicas para analisar com maior profundidade se o HAARP oferecia risco local e global.

Porém, no final das contas, a resolução proposta nunca chegou a ser votada no Parlamento Europeu. Mas o tema não seria encerrado ali. Em 2003, mais uma vez um grupo de representantes questionou a Comissão dos Negócios Estrangeiros, da Segurança e da Política de Defesa do Parlamento Europeu se o HAARP trazia algum risco ambiental ou de saúde pública para a Europa do Ártico. Eles responderam que, em se tratando de um projeto militar, não possuíam autoridade nem conhecimento técnico suficientes para responder à solicitação.

Em 2004 eles continuaram questionando sobre a segurança do HAARP. Num documento daquele ano, eles reafirmaram que “o Parlamento constatou que o projeto HAARP manipulava o meio ambiente para fins militares”.

Em 2015, o tema retornaria com afirmações ainda mais contundentes. Representantes do Parlamento Europeu enviaram mais perguntas à Comissão, questionando, por exemplo, se o HAARP poderia ser considerado uma arma, qual seria sua finalidade, onde os equipamentos estavam instalados e quais seriam as suas competências. A resposta foi muito elucidativa:

Os cidadãos europeus estão cada vez mais preocupados com o Programa de Investigação de Alta Frequência Auroral Ativa (HAARP), em princípio, um programa de defesa militar gerido pela Força Aérea e a Marinha dos Estados Unidos da América, juntamente com o Instituto de Geografia da Universidade do Alasca.

A Subcomissão da Segurança e do Desarmamento, do PE, realizou em Bruxelas uma audição sobre o HAARP e outras ‘armas não letais’, em 5 de fevereiro de 1998. No relatório do Parlamento sobre ambiente, segurança e política externa, de 14 de janeiro de 1999, o programa foi descrito como um sistema de armamento que afeta o clima. Foram manifestadas preocupações significativas quanto à sua legalidade ao abrigo do Direito Internacional, quanto ao seu grande impacto no ambiente e quanto às suas implicações ecológicas e éticas, que deveriam ser examinadas por um organismo internacional independente antes de proceder a novas investigações e testes.”

Conclusão: se a interferência do HAARP sobre o clima é um delírio, trata-se de uma conspiração que foi cultivada pelo Parlamento Europeu por mais de uma década.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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