Em tempos de pandemia, a virtude humana ganha destaque no trabalho incansável dos profissionais dedicados a manter minimamente a ordem social em meio ao caos. Por outro lado, vícios também são revelados. Fraudes online crescem vertiginosamente, homicídios aumentam em determinados locais, ainda que, em certos casos, o indício de furtos tenha decaído, provavelmente em virtude da menor circulação de pessoas.
Multidões buscam, na internet, respostas para perguntas que nem os maiores especialistas encontraram. O anseio por explicações angustia boa parte da população, presa na incerteza do que virá no futuro. Não sabemos exatamente como terminará essa história. Uma coisa, porém, é certa: há muita manipulação em jogo, seja econômica, política ou ideológica. Em círculos mais restritos, esse processo de falsificação da realidade é chamado de “propaganda”. É nesse mundo da perversão dos fatos para fins particulares que se situa, por exemplo, a “Programação Preditiva”.
Programação Preditiva é uma teoria – um tanto conspiratória – segundo a qual governos e grupos privados estariam usando filmes, programas televisivos e livros de ficção como ferramentas de controle das massas. O objetivo seria adestrar a população para aceitar como válidos eventos projetados para o futuro. Proposta pela primeira vez pelo pesquisador Alan Watt, a estratégia tornaria as pessoas mais complacentes perante uma nova realidade que se quer implementar. Nesse contexto, a indústria cultural funcionaria como veículo para consolidar essa tática de propaganda. Isso porque, ao assistir algo que uma pessoa normalmente percebe como entretenimento, a resistência crítica é reduzida e as mensagens são recebidas com maior facilidade.
Há quem aponte, inclusive, uma relação entre a Programação Preditiva e a Teoria da Aprendizagem Social. A Aprendizagem Social é a capacidade de reproduzir um comportamento observado, funcionando, portanto, com base na imitação. No experimento mais popular relacionado a essa teoria, as crianças batem ou ignoram um boneco de palhaço, dependendo do comportamento que viram ser exibido por um adulto.
Muitos reputam como exagerada essa concepção da maneira como os eventos são premeditados. Um nome, porém, é capaz de trazer um fio de realidade a essa teoria. Estou me referindo a Chase Brandon, que trabalhou durante trinta e cinco anos como oficial de operações clandestinas da CIA. Aposentou-se em 2006, mas continua prestando consultoria para diversas instâncias da comunidade de inteligência, do Departamento de Defesa e para várias organizações estaduais e federais americanas.
Em sua missão final, Brandon era um oficial sênior da diretoria da Agência Central de Inteligência, atuando como porta-voz da organização e - o mais importante para nós aqui - como contato oficial da CIA com o setor do entretenimento. Ele prestou consultoria técnica a muitos filmes, séries e documentários, como Missão Impossível III, Identidade Bourne e 24 Horas, além dos canais Discovery, Learning e Military. Chase Brandon era exatamente a conexão entre os projetos do serviço de inteligência e os produtores de Hollywood. A mais poderosa indústria cultural do mundo tinha nele a ligação com a maior agência de propaganda americana.
A participação da CIA na indústria cinematográfica é algo muito bem documentado, como no livro de Tricia Jenkings The CIA in Hollywood: How the Agency Shapes Film and Television (“A CIA em Hollywood: como a agência molda filmes e a televisão”, em tradução livre do inglês). Há, porém, outra influência que tem crescido vertiginosamente, mas que ainda é pouco conhecida do grande público: aquela que vem de Pequim. Em matéria veiculada no mês de agosto do ano passado pelo jornal britânico The Guardian, foi divulgada uma pesquisa do grupo PEN America mostrando que estúdios e diretores têm continuamente alterado elenco, roteiro, diálogos e locações, num “esforço para evitar antagonizar com oficiais chineses”. O estudo cita mudanças em filmes como Homem de Ferro 3, Guerra Mundial Z e novo episódio da franquia Top Gun. No caso de Doutor Estranho, por exemplo, a matéria cita a alteração de um personagem, passando de um homem tibetano para uma mulher celta.
Essas constatações nos oferecem uma oportunidade de reflexão sobre os jogos retóricos que estamos vendo diante de nossos olhos. Enquanto americanos culpam os chineses, e estes responsabilizam o governo de Washington, a mídia segue buscando aumentar sua audiência. O problema é real, vidas estão sendo perdidas e ainda não sabemos como isso vai terminar. Diante de tantas dúvidas, uma coisa podemos ter como certa: a guerra de narrativas segue forte como nunca, de modo que precisaremos exercitar, cada vez mais, o espírito crítico, no esforço de tentar separar os fatos da mera propaganda.
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