A disputa na Ucrânia pode levar à Terceira Guerra Mundial, afirmam especialistas| Foto: Express.co.uk
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No último dia 8, completaram-se 30 anos desde o fim da União Soviética. Neste contexto, uma pergunta brota em minha mente: o risco de uma Terceira Guerra Mundial é hoje menor ou maior? Para respondê-la, é importante, antes de tudo, corrigir um provável erro que cometi na frase inicial. Para muitos analistas (e não estou falando apenas daqueles favoráveis à causa russa), a antiga URSS não caiu, mas foi estrategicamente desmantelada, dentro de um plano muito bem arquitetado. Livros como “Meias Verdades, Velhas Mentiras” (do ex-agente da KGB Anatoliy Golitsyn), “Desinformacão”(do General Ion Mihai Pacepa, ex-chefe do serviço de espionagem romeno) e “KGB e a Desinformação Soviética” (de Ladislav Bittman, ex-integrante do serviço de inteligência tcheco) reforçam esta opinião. Mas quem a demonstrou de forma mais clara foi Vladimir Pozner, jornalista e apresentador russo-americano nascido na França. Numa palestra na Universidade de Yale, em 2018, intitulada “Como os EUA criaram Vladimir Putin” (em tradução livre do inglês), ele explicou como aconteceu a suposta queda de Gorbachev e a dissolução da “Cortina de Ferro”.

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Ele iniciou sua palestra defendendo a ideia de que estamos vivendo num dos momentos mais perigosos dos últimos anos, em termos do nível de tensão entre a Rússia e o Ocidente. Chegou a dizer que mesmo nos anos mais tensos da Guerra Fria o perigo de um conflito de proporções catastróficas não foi tão grande quanto hoje. Em seguida, o jornalista tentou mostrar o que nos levou a este cenário. Pelo título da palestra, você já poderia adivinhar que ele coloca a culpa na política externa americana. Acertou. Mas ele o faz de forma tão clara que informações muito preciosas são compartilhadas.

Citando os Acordos de Belovezh, celebrados em 8 de dezembro de 1991, Pozner explicou o que realmente estava em jogo. Ele defendeu que a União Soviética, uma vez que Gorbachev assumiu, realmente não durou muito tempo. O líder chegou ao poder em março de 1985, mas em dezembro de 1991, não havia mais União Soviética. Nos bosques da Belaveja, que se estendem da Belarus à Polônia, os presidentes da Ucrânia, da Bielorrússia e da Rússia, Boris Yeltsin, decidiram desmembrar a União Soviética. Cada um tinha suas próprias motivações. No caso do governante russo, segundo Pozner, seu raciocínio foi muito claro. Ele era o presidente da Rússia, enquanto Mikhail Gorbatchov era o líder de toda a URSS. Então, Yeltsin era o número dois. Livrando-se de Gorbachev, assumiria a primazia em toda a Rússia. E foi exatamente o que aconteceu.

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O detalhe é que, segundo Pozner, quando eles estavam negociando a queda do Muro de Berlim e a reunificação alemã, James Baker, então Secretário de Estado americano, teria assegurado a Gorbachev que, caso cedesse, a OTAN não se moveria uma polegada em direção à Rússia. Muitos dizem que essa promessa nunca aconteceu. Mas, em 2017, a Universidade George Washington desclassificou a ata da conversa entre ambos. E assim foi.

Entretanto, com o fim da União Soviética, não havia mais Pacto de Varsóvia. Ou seja, a aliança militar entre os antigos membros da URSS deixou de existir, enquanto a OTAN, o pacto ocidental, permaneceu íntegra. Isso criou uma situação nova, uma vez que os americanos não sabiam como iriam lidar com a nova Rússia, e os russos também precisariam decidir como abordariam os americanos. Em 1992, Yeltsin foi aos Estados Unidos e se dirigiu à sessão conjunta do Congresso. Na ocasião, ele afirmou que o povo russo estava oferecendo sua mão ao povo dos Estados Unidos em sinal de amizade, para construir um mundo melhor, sem guerras. Contudo, a resposta recebida não foi muito amistosa. Segundo Pozner, os americanos poderiam ter feito um novo Plano Marshall: gastar um monte de dinheiro na Rússia para desenvolver a democracia e impedir que o comunismo retornasse. Mas os americanos optaram pela retribuição. Por 40 anos, os russos ameaçaram Washington com bombas nucleares. Mas acabaram perdendo a Guerra Fria, então, deveriam ser punidos pelo que fizeram, segundo o então subsecretário de defesa para a política Paul Wolfowitz. Essa proposta ficou informalmente conhecida como Doutrina Wolfowitz, que depois seria remodelada para criar a Doutrina Bush. A ideia era que os norte-americanos nunca mais deveriam permitir que qualquer outro país os desafiassem. Os EUA deveriam permanecer como a única superpotência global, soberana e imbatível.

O problema é que o combinado de a OTAN não avançar em direção à Rússia foi quebrado no final do primeiro governo Clinton quando, em 1996, a gestão decidiu aproximar da aliança ocidental três países da antiga URSS: Polônia, República Tcheca e Hungria. Nessa época, em 1998, o jornalista do New York Times Thomas Friedman ligou para o diplomata e historiador George Kennan para perguntar o que ele pensava desse movimento dos EUA em direção à Rússia. Kennan é mais conhecido como defensor da “política de contenção soviética", durante a Guerra Fria, sendo contrário ao confronto direto e favorável a uma estratégia mais amistosa. Kennan respondeu: “Acho que é o início de uma nova Guerra Fria. Creio que os russos irão reagir gradualmente de forma bastante adversa, e isso afetará suas políticas. Acho que é um erro trágico. Não havia razão para isso”. E, assim, a relação entre Washington e Moscou foi piorando a cada dia.

Na opinião de Pozner, desde a posse de Gorbachev, em março de 1985, até os sete primeiros anos de Putin, em 2007 (ou seja, num período de 22 anos), não há nada nas políticas externas ou internas feitas pela União Soviética (e depois pela Rússia) que pudesse de alguma forma irritar ou decepcionar os americanos. Enquanto isso, a OTAN aumentou sua zona de influência (contrariando o combinado com Gorbachev), bombardeou a Iugoslávia e reconheceu a independência de Kosovo da Sérvia, o que desagradou muito os russos.

Quando Putin assumiu, ele pediu à OTAN para aceitar a Rússia como membro. Mas foi rejeitado. Depois, solicitou fazer parte da União Europeia. Também recusaram. Quando houve a derrubada das Torres Gêmeas, em 2001, Putin ofereceu ajuda aos EUA, e acabou os auxiliando. Entretanto, a resposta ocidental, segundo Pozner, foi sempre mostrar aos russos que não eram mais uma grande nação. Isso trouxe um grande problema. Isso porque, assim como os americanos possuem o seu Destino Manifesto, acreditando que receberam uma missão divina de expandir-se geopoliticamente mundo afora, os russos também acreditam que são destinados a uma missão especial. Esse desdém ocidental foi interpretado pelos russos como desrespeito, de modo que hoje a popularidade de Gorbachev e Yeltsin é muito baixa, uma vez que são vistos como líderes que não recusaram as parcialidades do Império Americano.

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Em 2007, houve o ponto de virada da postura russa. Em Munique, falando no encontro do G20, Putin disse: “Acho que é óbvio que a expansão da OTAN não tem nenhuma relação com a modernização da própria aliança ou com a garantia da segurança na Europa. Pelo contrário, representa uma provocação séria que reduz o nível de confiança mútua. E temos o direito de perguntar: contra quem essa expansão é pretendida? E o que aconteceu com a garantia de nossos parceiros ocidentais feita após a dissolução do Pacto de Varsóvia? Onde estão essas declarações hoje? Ninguém se lembra delas. Mas vou me permitir lembrar a este público o que foi dito. Gostaria de citar o discurso do Secretário-Geral, o sr. Woerner em Bruxelas, em 17 de maio de 1990. Ele disse, à época: ‘O fato de não estarmos prontos para colocar um exército da OTAN fora do território alemão dá à União Soviética uma firme garantia de segurança’. Onde estão essas garantias?". Segundo Pozner, a resposta das potências ocidentais foi: “Mas essa foi a garantia dada à União Soviética, e você representa a Rússia. Pozner, então, lembrou um discurso recente de Putin, falando sobre política externa, quando disse aos ocidentais: "Nosso erro foi confiar demais em vocês. E o seu erro foi ter tentado tirar vantagem disso".

Esta é a situação que temos atualmente. Um cenário de desconfiança mútua, que traz o risco não apenas de uma guerra deliberada, mas de um conflito acidental. Hoje, quando um míssil leva apenas 10 minutos para sair da Rússia e chegar aos Estados Unidos, um alarme falso pode lançar o mundo num colapso sem precedentes. Este foi precisamente o alerta feito por Pozner no início da palestra e reforçado recentemente pelo general Sir Nick Carter, chefe das Forças Armadas do Reino Unido. E se os sistemas de lançamento forem hackeados?  E a questão da “pandemia cibernética”?

Quem diria que, 30 anos após a “queda” da União Soviética, estaríamos diante de uma Segunda Guerra Fria e ainda tendo pesadelos com um possível Apocalipse Nuclear...