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Daniel Lopez

Daniel Lopez

Jornalista e teólogo, autor de ‘Manual de Sobrevivência do Conservador no Séc. XXI’. É doutor em linguística pela UFF

Geopolítica diversionista

O que eles querem esconder com a possível prisão de Trump

Horas depois de se apresentar a um tribunal em Nova York (foto), ex-presidente alegou em discurso na Flórida ser vítima de perseguição política (Foto: EFE/EPA/JUSTIN LANE)

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Existe uma curiosa relação entre as palavras “distrair”, “divertir” e “diversionismo”. Sabe quando você chega cansado do trabalho e alguém em casa sugere ver um filme? Então você sugere um filme tranquilo, uma comédia, pois você não quer ficar tenso nem ter que pensar muito para entender a história. Você quer apenas “distrair-se”. Ou seja: esquecer dos problemas e pensar em outras coisas mais leves. É exatamente isso que está acontecendo neste exato momento nos Estados Unidos. Eles estão aproveitando o caso inédito do indiciamento de um ex-presidente para avançar uma legislação louca, que pode limitar assustadoramente a liberdade dos norte-americanos.

A palavra “distrair” vem do latim distractus, fruto da união dos termos dis ("para longe") + trahere (“atrair”, “conduzir”). Ou seja, “retirar a atenção de um ponto e conduzi-la para outro ponto”. Por sua vez, “divertir” é originária do latim divertere, que significa “virar para outra direção”. Essa ideia está por trás também da palavra diversionismo, utilizada no meio militar para se referir a uma estratégia para desviar a atenção do inimigo para outro ponto. É isso que está acontecendo nos EUA hoje. Enquanto o povo se diverte vendo Donald Trump passando por apuros jurídicos, avança no Congresso um projeto sinistro.

Nos EUA estão aproveitando o caso inédito do indiciamento de um ex-presidente para avançar uma legislação louca, que pode limitar assustadoramente a liberdade dos norte-americanos.

Antes de mostrar o que está por trás de toda a comoção midiática, vou comentar rapidamente a estranheza da acusação contra Trump, que acontece no momento em que ele prepara sua candidatura para 2024. Ele está sendo acusado de ter feito um pagamento a uma ex-atriz pornô para que ela não revelasse um caso que teve com o ex-presidente. Mas isso não é ilegal e nunca levaria alguém à prisão. O problema levantado pela acusação é que este pagamento foi feito por um advogado de Trump, e o ex-presidente teria lançado a despesa como honorários advocatícios, enquanto o correto seria classificar como despesa de campanha. Mas este erro previa apenas multa. Para resultar em prisão, deveria estar associado a algum crime. Neste caso, o promotor uniu o caso a uma acusação de crime eleitoral, devido à suposta tentativa de abafar um escândalo que poderia prejudicar sua corrida à Casa Branca.

Na última terça-feira (4), Trump foi fichado, passou por uma audiência, negou as acusações e já se dirigiu de volta para a Flórida. Não foi necessário pagar fiança. Ele não foi preso, pois o crime imputado não é violento e não há risco de fuga, uma vez que ele, na condição de ex-presidente, conta com uma escolta permanente do serviço secreto. Trump inclusive poderá disputar a vaga no Executivo federal no ano que vem, uma vez que, ao contrário da legislação brasileira, nos Estados Unidos réus em ações criminais podem disputar cargos eletivos. A próxima audiência do caso deve acontecer em dezembro deste ano.

Com a suposta ideia de proteger os EUA da espionagem chinesa, eles estão, na verdade, tornando o país cada vez mais idêntico à China.

Agora, toda essa distração está permitindo que um projeto muito estranho caminhe despercebido no Congresso americano. Ele se chama “RESTRICT Act”, apelidado de “Tik Tok Bill”, uma vez que a motivação inicial seria impedir o uso da plataforma chinesa em território americano. O problema é que o longo texto abre margem para uma série de mudanças preocupantes.

Há três aspectos importantes que chamam a atenção. O documento concede ao governo federal acesso ao computador e às redes sociais dos americanos, podendo ler mensagens instantâneas e correspondências privadas. Não podemos ignorar que os serviços de inteligência possuem acesso remoto a qualquer computador. A diferença é que, agora, a coisa seria oficial. Em segundo lugar, o presidente ganha o poder de apontar um secretário de Comunicação, que poderá reunir um comitê para decidir quais tópicos podem ou não ser acessados pelos americanos.

Por fim, o texto proíbe o uso de VPN (“Rede privada virtual”, em inglês), que protege a privacidade online, dando também acesso a conteúdos bloqueados no país. Como um dos objetivos do projeto é impossibilitar os americanos de utilizarem o Tik Tok, o VPN permitiria o uso do aplicativo, mesmo eventualmente proibido. Por isso, o texto estabelece uma severa punição para isso: até 20 anos de cadeia.

No final das contas, com a suposta ideia de proteger os EUA da espionagem chinesa, eles estão, na verdade, tornando o país cada vez mais idêntico à China. Realmente o RESTRICT ACT pode ser considero um verdadeiro PATRIOT ACT 2.0, o decreto assinado por George W. Bush após os ataques de 11 de setembro de 2001, que permitiu uma total violação da privacidade e dos direitos fundamentais em nome da luta contra o terrorismo.

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