O nível de tensão começa a ganhar peso na Europa, e as preocupações podem envolver, inclusive, o Brasil. Isso porque os europeus estão correndo contra o tempo, numa busca desenfreada por energia suficiente para aquecer os lares durante um inverno cada vez mais próximo. Essa é a tacada final de Vladimir Putin: colocar as nações europeias de joelhos, suspendendo as sanções impostas a Moscou e implorando por gás e petróleo.
Entretanto, o cenário ficou mais desfavorável para Rússia esta semana. Uma série de eventos passaram a limitar o poder de barganha de Putin e o colocaram numa posição de tudo ou nada no conflito. Todos sabem que o líder russo não pode arcar com uma derrota para a Ucrânia, o que seria humilhante demais e comprometeria seriamente sua imagem de alguém a ser temido. Alguns temem que as recentes derrotas possam levar o presidente russo a seguir para as últimas consequências, como o uso de equipamentos nucleares. Deus queira que isso não aconteça, uma vez que poderia conduzir a uma escalada internacional sem precedentes.
Políticos russos estão se unindo para confrontar Vladimir Putin. As recentes derrotas na Ucrânia acabaram fortalecendo a oposição interna russa, que viu nisso um cenário favorável para criticar as decisões de seu líder.
Nos últimos dias, apareceram uma enxurrada de matérias na mídia ocidental apontando que a Rússia poderia estar próxima ao esgotamento bélico, financeiro e moral. Não sabemos até que ponto isso é verdade ou propaganda. Entretanto, mudanças velozes estão alterando o cenário da disputa. Alguns analistas acreditam que os planos emergenciais europeus podem levá-los a não ter que recorrer novamente à energia russa e suspender as sanções impostas.
Ao mesmo tempo, políticos russos estão se unindo para confrontar Vladimir Putin. As recentes derrotas na Ucrânia acabaram fortalecendo a oposição interna russa, que viu nisso um cenário favorável para criticar as decisões de seu líder. Recentemente, a chamada “derrota vergonhosa” na região ucraniana de Kharkiv tem inflamado os opositores ao regime russo. Em artigo de março deste ano, eu já havia mostrado que o peso das sanções recai sobre os vereadores e prefeitos locais, que acabam sendo alvo do descontentamento popular. O povo acaba não reclamando de Putin, pois a forte propaganda estatal a seu favor o acaba colocando como herói nacional, permanecendo blindado a críticas. O estresse recai, portanto, sobre os líderes municipais e estaduais. Por isso, era provável que viria deles essa oposição mais ferrenha. Parece que este cenário está se confirmando.
Como se não bastasse, Putin também está tentando abafar revoltas em regiões que faziam parte da antiga União Soviéticas. Armênios e azerbaijanos, quirguizes e tadjiques vivem disputas fronteiriças que podem acabar sendo exploradas pela OTAN para enfraquecer ainda mais a Rússia. Além disso, não podemos esquecer que, na última quarta-feira (14), a limusine que levava o presidente russo foi alvo de um explosivo, segundo o jornal britânico Daily Mail. Conforme o The Sun, ele não se feriu. E o nível de tensão vai crescendo agora que o presidente russo começa a reagir à contra-ofensiva ucraniana. As regiões ocupadas no leste do país realizarão, entre 23 e 27 de setembro, um referendo para decidir sobre a adesão à Rússia. Analistas afirmam que a proposta pode representar uma preocupante escalada de tensão no conflito.
No bojo de suas reações, Putin também acusou a União Europeia de impedir que fertilizantes sejam doados a países pobres. Porém, ele mesmo ameaçou romper o acordo que criou o corredor de exportação de grãos ucranianos no Mar Negro. A medida teria impacto principalmente em populações menos favorecidas, uma vez que 28% desse material é enviado a países como Índia, Egito e Irã. A interrupção no fornecimento também poderia gerar uma nova alta global no preço dos alimentos.
Em meio a essa confusão, o presidente turco afirmou que Putin deseja terminar o conflito “o mais rápido possível”. Apenas não sabemos como seria isso, se por meio da devolução de territórios ocupados à Ucrânia (como defende Erdoğan) ou através de uma ofensiva ainda mais intensa.
E onde entra o Brasil nessa história? Você se lembra que, no mês de fevereiro, antes de iniciado o conflito, Jair Bolsonaro foi à Rússia conversar com Putin, para garantir, entre outras coisas, o fornecimento de fertilizantes ao Brasil e, futuramente, o envio de diesel? Então. Ontem, na ONU, alguns analistas enxergaram um aceno de Bolsonaro a Putin, quando defendeu que “as consequências do conflito já se fazem sentir nos preços mundiais de alimentos, de combustíveis e de outros insumos”. Eu vejo mais como um alerta à Europa, uma vez que o presidente brasileiro também aproveitou para condenar o retorno dos países europeus ao uso de energia não-renovável.
Entretanto, fica cada vez mais evidente que o Brasil é a nação mais competitiva para fornecer à Europa toda energia que precisa. Num cenário de uma demanda cada vez mais sustentável, estamos na dianteira com nosso hidrogênio verde. Em maio, a Comissão Europeia apresentou o plano REPowerEU, que tem por fim resolver a dependência dos europeus quanto à energia russa. E nessa disputa levamos enorme vantagem. Recentemente, por exemplo, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, participou de um encontro com uma equipe da OCDE e comentou, em seguida, sobre o interesse dos europeus pela compra de nosso hidrogênio verde, considerado o "combustível do futuro", que poderá substituir o carvão e o gás como opção mais limpa.
Essa pode ser a solução para a Europa, mas um sinal de derrota para a Rússia, uma vez que, caso os europeus não dependam mais do gás russo, Putin não terá mais força para exigir a suspensão das sanções impostas a seu país. Poderia então acontecer que o Brasil, ao resolver a crise europeia, criar uma animosidade com a Rússia, país que está nos ajudando com fertilizantes e diesel? Vejam como o jogo geopolítico é tênue. A alteração de uma pequena peça muda todo a dinâmica do jogo.
A resposta à pergunta acima ficará mais clara no final do ano, com a chegada do inverno europeu. Caso consigam passar pelos meses mais frios sem recorrer ao gás russo, pode ser que a maré comece a virar fortemente contra Moscou. Aguardemos. Que Deus nos proteja.
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