No nunca tão atual livro “1984”, as guerras eram usadas, entre outros motivos, para impedir o acúmulo do excedente de produção. Segundo o partido, o "conforto" poderia trazer grandes problemas para uma sociedade fortemente hierarquizada, como sensação de abundância e consequente postura de independência perante o Estado.
Curiosamente, num momento em que muitos especialistas previam um futuro muito melhor do que poderíamos imaginar, começamos a ouvir falar sobre escassez. No livro “Abundância”, lançado em 2019 e escrito pelo fundador da Singularity University Peter H. Diamandis e pelo jornalista e guru do marketing Steve Kotler, os autores previram que os avanços tecnológicos poderiam, num futuro próximo, trazer fim à escassez. Era o que todos sonhavam. Mas, em 2020, tudo mudou. A crise sanitária interrompeu as cadeias globais e inverteu as previsões mais otimistas. Mais do que isso, 2022 tem sido o ano em que se começava vislumbrar um mundo pós-pandêmico. Entretanto, no final de fevereiro, vimos uma nova guerra ser iniciada. Mais uma vez retornou o discurso sobre escassez. Agora, prevendo falta de energia e alimentos.
Por incrível que pareça, a nação mais próspera do mundo, conhecida internacionalmente por sua abundância nas mais diversas áreas, começa hoje a enfrentar, na prática, a falta de insumos e produtos básicos. Quando isso acontece no país mais rico do planeta, as demais nações cogitam o que será delas num cenário como este.
Alguns itens já começam a se tornar cada vez mais raros nas prateleiras norte-americanas. Ainda que seja uma situação irregular, não generalizada, o fato acende um alerta para o mundo. O trigo se transformou num elemento precioso. A invasão russa na Ucrânia, um dos principais fornecedores de trigo no mundo, quebrou completamente sua cadeia produtiva. Enquanto isso, para proteger o mercado interno, a Índia proibiu sua exportação do grão em meados de maio, o que fez os preços dispararem mundo afora.
O Brasil dedicou mais cana-de-açúcar para a produção de etanol, numa tentativa de compensar os elevados preços da gasolina. Por isso, o açúcar está cada vez mais caro nos Estados Unidos. Enquanto isso, autoridades norte-americanas suspenderam temporariamente a importação de abacate do México, depois que um inspetor de segurança dos EUA recebeu uma ameaça. Os preços ainda estão elevados e ainda não foi descartada uma eventual escassez.
A oferta de celulose também foi afetada com Guerra na Ucrânia, o que tem elevado o preço do papel higiênico, assim como toalhas de papel e lenços. Os enlatados também estão com oferta reduzida, devido à falta de alumínio. Uma das causas apontadas é o estoque que pessoas começaram a fazer a partir de 2020, com o início da pandemia, diante do receio de uma escassez generalizada de alimentos. Isso parece ter gerado também uma falta de alimentos para cães e gatos, também dependentes das latas de alumínio. Em janeiro deste ano, o Wall Street Journal noticiou a escassez de fórmula para bebês, que pirou ainda mais quando, em março, foi aunciado um recall desses alimentos em virtude de contaminação por bactérias.
Uma pesquisa do Business Insider mostrou que quase metade dos americanos percebeu uma escassez de carnes e ovos no início deste ano. E é neste ponto que a coisa vai começando a ficar estranha. O Departamento de Saúde e Meio Ambiente do Kansas confirmou a morte de pelo menos 2 mil cabeças de gado no estado. Segundo relatos oficiais, a causa foi o “estresse por calor”, a associação entre altas temperaturas e elevada umidade. Isso gera uma menor produção de leite nas vacas, incidência de doenças no rebanho e maior taxa de mortalidade. Ao mesmo tempo, um surto de gripe aviária já eliminou um número enorme de aves. Segundo o Departamento de Agricultura, o vírus está se espalhando principalmente devido à migração de aves selvagens. Até o mês de junho, 38 milhões de aves morreram ou foram mortas para conter o surto.
Como se não pudesse piorar, as fábricas de produção de alimento estão vivendo uma inacreditável maré de azar. São aviões caindo em centros de produção de comida, curtos-circuitos elétricos provocando incêndios e pessoas loucas destruindo centros de produção de comida. Como é o caso da Garrand County Food Pantry, em Kentucky, que foi destruída por um incêndio em novembro do ano passado. Uma mulher foi presa acusada de ter iniciado o fogo.
Por outro lado, devido ao aumento histórico no preço dos combustíveis, alguns fazendeiros não estão conseguindo trabalhar. Na Pensilvânia, o valor exorbitante do diesel está tornando inviável um uso das máquinas agrícolas. Mas não podemos esquecer que, em 2020, Biden prometeu combater a produção de óleo e gás, com o argumento de que poluem o meio ambiente. E cumpriu sua promessa nas primeiras horas de sua posse em 2021, quando assinou uma série de ordens executivas que, na prática, eliminaram a autossuficiência energética norte-americana, o que acabou sendo agravado com o início da Guerra na Ucrânia. O mundo vai ficando cada vez mais sem alternativas. As lâminas das turbinas eólicas não podem ser recicladas, o que também gera muita lentidão no setor.
O elevado preço dos combustíveis e as legislações que controlam a chamada “pegada de carbono” impactarão o deslocamento humano e de mercadorias, seja os carros particulares quanto o transporte público, mas também os fretes, navios cargueiros, aviões e as fábricas como um todo. O temor é que, neste processo, milhões de pessoas percam seus empregos e a fome se alastre pelo mundo com uma intensidade nunca vista.
A proposta de deixar de depender dos combustíveis fósseis é muito bonita, mas fazer essa transição abruptamente seria uma catástrofe de proporções inimagináveis. Nenhum louco tentaria fazer essa transição de forma súbita. Mas a pandemia, associada à crise na Ucrânia, pode ter transformado o pesadelo em realidade. Veja o que o site Petro Online defende que aconteceria caso:
“Os preços do petróleo e da gasolina disparariam. Eventualmente, todo o transporte privado cessaria. Os serviços de emergência continuariam por um tempo, mas também vacilaram. Todos os transportes públicos, incluindo aviões, comboios e autocarros, seriam paralisados. A indústria seria muito atingida; milhões perderiam seus empregos. A produção de alimentos também sofreria em uma escala incrível e centenas de milhões morreriam de fome como resultado. A criminalidade atingiria níveis recordes à medida que a polícia e outros serviços de emergência se tornassem inexistentes. Doenças e epidemias explodiriam à medida que os remédios para as tratar se tornassem impossíveis de fabricar. A economia global entraria em colapso. A Terra sofreria um desmatamento generalizado à medida que as pessoas passariam a cortar qualquer lenha disponível para evitar o congelamento no inverno. O inverno também causaria êxodo em massa de cidades do norte em todo o mundo. Os sistemas de comunicação, incluindo a internet, cairiam em ruínas e desuso”.
A solução proposta pelos especialistas do séc. XXI é consumir carne artificial, comida impressa em impressora 3D, ingerir gafanhotos, virar vegano e fechar todas as indústrias. Mas como fazer isso, por exemplo, numa Europa que acabou de ver seu fornecimento de gás ser interrompido pela Rússia? Alemães e Holandeses já autorizaram o retorno das usinas movidas a carvão. Será que as celebridades e figuras internacionais que tanto reclamaram das emissões de carbono irão se pronunciar? Duvido, uma vez que, para eles, existe “carbono do bem” e “carbono do mal”.
Mas não se preocupe. Bill Gates comprou boa parte das terras agricultáveis nos EUA. Ele irá salvar a humanidade. E Biden vai importar petróleo da Venezuela, da Arábia Saudita e da Rússia, indiretamente, mesmo após as sanções. Você não terá nada, mas será feliz. E assim o mundo vai ficando cada vez mais louco e menos abundante, infelizmente.
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