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Daniel Lopez

Daniel Lopez

Jornalista e teólogo, autor de ‘Manual de Sobrevivência do Conservador no Séc. XXI’. É doutor em linguística pela UFF

Geopolítica ocular

Worldcoin: a Caixa de Pandora 2.0

(Foto: Gerd Altmann/Pixabay)

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Se o ChatGPT já trazia uma série de preocupações – desde o fim de inúmeras profissões até um perigo existencial para a humanidade –, agora a mesma empresa que fabricou a famosa inteligência artificial “dobrou a meta” com a chegada do Worldcoin, uma mistura de criptomoeda, serviços bancários, identidade digital e renda básica universal. Ou seja, um combo sinistro. Isso porque a novidade faz avançar de forma acelerada a tendência de controle total, assim como a concentração de poder e de renda.

Antes, eu imaginava que o desemprego gerado pela inteligência artificial seria encarado por essas empresas como um problema. Mas parece que elas estão aproveitando essa sinistra tendência como uma nova oportunidade de negócio. Se realmente o ChatGPT abocanhar boa parte dos postos de trabalho, gerando um desemprego em massa, eles querem “compensar” esse problema distribuindo uma parte da fortuna gerada pelo novo “trabalhador digital artificial”.

Quem acompanha minhas colunas está ciente de que, desde 2016, o Fórum Econômico Mundial tem alertado que a tendência para o futuro é que as pessoas não terão nada, mas serão felizes. Com o surgimento do ChatGPT, e agora com a chegada do Worldcoin, ficou tudo muito mais claro. Os empregos serão extintos pela inteligência artificial e as pessoas dependerão de uma “mesada”. Porém, essa “mesada” será paga não em dinheiro físico, mas em dinheiro digital, preferencialmente o CBDC (as moedas digitais centralizadas, controladas pelos bancos centrais). Dessa maneira, quem não possuir crédito social ou crédito de carbono suficiente não fará jus ao valor. Conclusão: um controle total distópico se tornando realidade.

Você teria coragem de abrir mão de sua autonomia, do seu trabalho e de sua privacidade para viver de uma mesada das máquinas? Para “não ter nada e ser feliz”?

Obviamente, era de se esperar que o recebimento de uma renda básica universal não viria gratuitamente. Era previsível que eles exigiriam uma contrapartida. A primeira delas é aceitar perder o emprego para as máquinas. Hoje, parece que apenas os roteiristas e dubladores de Hollywood entenderam o tamanho do problema e estão se rebelando contra isso. A segunda contrapartida é aceitar docilmente o fim do dinheiro físico e a implementação global do dinheiro digital.

A terceira – e mais problemática – contrapartida é, especificamente no caso do Worldcoin, permitir que a empresa escaneie sua retina, armazenado uma biometria profunda daquele que almeja receber a “mesada”. Dessa maneira, a inteligência artificial se transformará no novo patrão da humanidade. Resta saber se será um patrão benévolo. Tenho minhas dúvidas. Não fosse assim, não teríamos um abaixo-assinado de cientistas, pesquisadores e magnatas da tecnologia pedindo para que fosse interrompido o desenvolvimento de inteligências artificiais até que tivéssemos a certeza de que elas não ofereceriam um perigo existencial à humanidade. Vale ressaltar que a carta aberta foi assinada por personalidades como Yoshua Bengio, fundador e diretor científico da Mila, vencedor do Prêmio Turing e professor da Universidade de Montreal, considerado um dos três “padrinhos” da inteligência artificial, junto com Geoffrey Hinton e Yann LeCun; Stuart Russell, professor de Ciência da Computação de Berkeley, diretor do Centro de Sistemas Inteligentes e coautor do livro Inteligência Artificial: uma Abordagem Moderna; Bart Selman, da Universidade Cornell, professor de Ciência da Computação e ex-presidente da AAAI; Elon Musk, CEO da SpaceX, Tesla e Twitter; Steve Wozniak, cofundador da Apple; e Yuval Noah Harari, autor e professor da Universidade Hebraica de Jerusalém.

Você teria coragem de abrir mão de sua autonomia, do seu trabalho e de sua privacidade para viver de uma mesada das máquinas? Para “não ter nada e ser feliz”? Parece que daqui a algum tempo a humanidade será confrontada com essa distópica decisão. Black Mirror não é mais ficção.

Eu já havia alertado em minhas colunas que estava sendo preparada uma justificativa mundial para o estabelecimento de uma identidade única global. Isso porque alguns analistas estavam defendendo a ideia de que o estabelecimento das CBDCs exigiria uma identidade biométrica bem rígida. Porém, eu acreditava que a justificativa para isso seria um perigo de hackers globais que derrubariam a internet no mundo inteiro. Isso seria usado como justificativa para que qualquer indivíduo que desejasse usar a internet precisasse comprovar que não era um ativista digital ou um robô. Pelo menos esta era a opinião do Fórum Econômico Mundial quando realizou os seus exercícios Cyber Polygon, cujo objetivo era alertar o mundo para a iminência de uma ofensiva cibernética em nível global.

Agora, estou concluindo que isso não será necessário. Com a chegada das inteligências artificiais, a identidade única digital será “justificada” para que a pessoa receba a renda básica universal (impedindo que um único indivíduo receba o valor mais de uma vez), e também para garantir que quem está recebendo é realmente uma pessoa, e não um robô.

Segundo a Worldcoin, portanto, o escaneamento da retina tem o objetivo de preservar a privacidade, fazer a distinção entre humanos e robôs e viabilizar uma renda básica universal financiada pela inteligência artificial. Será mesmo? Os early adopters estão, como sempre, já fazendo fila para escanear seus olhos. Eu, pelo contrário, estou sentindo cheiro de uma Caixa de Pandora 2.0. Que Deus nos livre.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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