(De Berlim) – Em Santa Catarina conheço várias Alemanhas. A mais divertida delas se chamava Horácio Braun. Blumenauense, músico, cronista e agitador cultural, tinha uma peculiar teoria acerca da colonização germânica no sul do Brasil.
Conforme os imigrantes alemães iam chegando ao porto de São Francisco (SC), o portuga da alfândega distribuía os destinos conforme critérios bem próprios: “Marceneiro ou ferreiro? Vai pra Curitiba!”. “Professor ou agricultor? Vai pra Rio Negro!”. “Mecânico ou desenhista? Vai pra Joinville!”. “Alfaiate ou comerciante? Vai pra Brusque!”. “Músico, cozinheiro ou cervejeiro? Vai pra Blumenau!”. Foi graças a esse portuga da imigração, segundo Horácio, que a Oktoberfest só deu certo em Blumenau.
Outra Blumenau que eu conheço se chama Vera Fischer, a coisa mais linda e cheia de graça que já vi passar nos meus tempos de estudante no Colégio D. Pedro II. O mesmo colégio do escritor Roberto Gomes.
Em Curitiba conheci uma Alemanha chamada Ingeborg. Subindo a ladeira da São Francisco, passando o bebedouro, poucos metros adiante da Igreja da Ordem, essa Alemanha se encontrava no restaurante Hummel-Hummel.
O forasteiro que cruzasse a fronteira daquela Germânia seria recebido por uma senhora de olhar azul, com porte de chefe de Estado. Apresentações podiam ser feitas em alemão, inglês, francês e até em latim – quatro entre as oito línguas (ou seriam dez) com que Ingeborg Marie Leonie Rust Tigges recebia no restaurante Hummel-Hummel, inaugurado em 4 de fevereiro de 1981. Um homem carregando dois baldes d’água – Hummel-Hummel – é o símbolo de Hamburgo.
Inge, assim os amigos a tratavam, nasceu em 1933 e nos abandonou em 1996. Viúva de diplomata, professora de línguas, criadora de cavalos de raça, era uma bela e doce mulher que se travestia de general prussiano, quando assim preciso. Não por acaso nasceu em Essen, cidade dos Krupp, senhores da guerra.
Na Segunda Guerra, viveu aquela Alemanha. Dirigia tratores com 7 anos de idade, por falta de mão de obra na fazenda da família, e chegou a ver Hitler diversas vezes. Uma delas em Munique, numa Oktoberfest. Mas não gostava da voz do Führer. O pai, coronel do exército alemão, seguira para o front da Rússia. Viveu três anos na Sibéria. Tinha 1,98 de altura, voltou um quase cadáver de 38 quilos. Ingeborg lembrava que, em 1935, seu avô Otto Rust renunciou ao cargo de procurador-geral de Berlim e Colônia porque era católico e também não gostava da voz de Hitler. Preferia pessoas de boas maneiras e melhores berços: toda a família era monarquista e Ingeborg fazia muito gosto na realeza.
Saiu da Alemanha pela primeira vez em 1947, para estudar um ano na Inglaterra. Voltou para casa e de lá foi viver na Suíça, França e Dinamarca. Depois de uma longa história pan-europeia, conheceu o Brasil em 1953. Pensou que veio para passear, veio para casar com o diplomata Ernst Tigges. Ele 23 anos a mais que a garota de 22 e o casamento deu-se, digamos, por motivos de força maior, na Igreja da Ordem, justamente ao lado do Hummel-Hummel.
Tigges era um homem de sorte. Com uma exuberante esposa, levou belo dote: Ingeborg trouxe fortuna de diversas heranças e abriu com o marido a Aeromar Turismo, primeira agência de viagens de Curitiba. Ficava na Rua XV, em frente à Casa da Manteiga, e todos os clientes viajavam pela Real Aerovias ou pelas asas da Panair.
Também na concorrida Rua XV de Novembro, em 1955 Ingeborg montou um bar, o Trocadero. Imaginou e realizou um negócio para as senhoras saírem à tarde e terem onde sentar, conversar, fazer um lanche. Para senhoras com o figurino da proprietária, bem entendido, com as calças compridas que na época eram escândalo. No nono mês da gravidez, comprou o ponto por 18 mil marcos. Era um corredor estreito e comprido para 70 pessoas, com um reservado atrás para quatro mesas. Servia de tudo, inclusive comida alemã: costeletas, paprikagulasch, Wiener schnitzel e todos os doces alemães.
A senhora Ernst Tigges embalou o Trocadero por quatro meses e se recolheu para cuidar da filha Hasi, recém-nascida. Gabriela Maria Petra Claudia Brigitte Rust Tigges saiu tão bonita e inteligente quanto a própria mãe.
A Alemanha que agora acabo de conhecer se chama Lena Brücker, a mulher que, para sobreviver no pós-guerra, nos anos 40, descobriu em Hamburgo uma inusitada combinação de sabores chamada currywurst. Descobriu num tropeço, como está contado no livro A descoberta da currywurst, de Uwe Timm. Quando no escuro, Lena Brücker deixou ir ao chão uma lata de curry em pó e algumas garrafas de ketchup. Ao acender a luz, o que viu foi uma pasta vermelha; ao lamber os dedos lambuzados, a distraída se surpreendeu com um exótico sabor. No passo seguinte, colocou a frigideira no fogo e despejou sobre salsichas cortadas em rodelas o curry com ketchup recolhido no chão. Com isso desenvolveu mais tarde sua receita com aroma de mil e uma noites: ketchup, baunilha, noz moscada, erva-doce, pimenta-preta e sementes frescas de mostarda.
Descobridora do prato que viria a se tornar um símbolo da nova Alemanha, frau Lena conseguiu – como o nome já revela – unir o distante com o próximo, o curry (tempero indiano) com o wurst (salsicha alemã). Essa união é também a síntese da nova Berlim: a vetusta, riquíssima e poderosa senhora que a cada dia quer se renovar aos olhos do mundo. A cidade sem muros e sem portas onde o passado e o futuro se aproximam.
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