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Ilustração: Felipe Lima
Ilustração: Felipe Lima| Foto:

Nunca devemos abdicar dos nossos sonhos. Podemos abandonar algum velho sonho, nos ensina Jaime Lerner, mas o sonho nunca vai nos abandonar. Quando menos se espera, ele aparece por trás e, sorrateiro, vem nos desafiar: olha eu aqui de novo!

Tenho muitos sonhos ainda não realizados e alguns projetos engavetados. Um destes seria autorreferente, gostaria de contar causos acontecidos em noites de autógrafos. Quase todo escritor tem um momento hilário acontecido nessas andanças para divulgar o livro. Exaustivas ações de vendas que muitos ainda enxergam como promoção para inflar o ego.

Das histórias acontecidas em noites de autógrafo, a mais triste da literatura brasileira aconteceu com Nelson Rodrigues. Sem nunca ter saído do Rio de Janeiro por medo de avião, Nelson foi convencido a aceitar o convite para lançar uma de suas obras em Florianópolis. “Vou, mas de automóvel!” – concordou o dramaturgo que só viajara até o Maracanã.

Depois de dois dias comendo poeira, Nelson Rodrigues chegou a Florianópolis, poucas horas antes do evento na Livraria Catarinense. No Hotel Rex descansou e, no finalzinho da tarde, lá estava ele numa mesinha com a caneta na mão. Não apareceu uma viva alma para pedir o autógrafo daquele monumento do teatro brasileiro. Na mesma noite Nelson Rodrigues embarcou no automóvel com o motorista e nunca mais botou o pé além do Maracanã.

O escritor Deonísio da Silva concorda com Jaime Lerner, o sonho não abandona ninguém. Numa noite de autógrafos dentro de uma igreja no interior do Rio Grande do Sul, a fila ia além da pia de água benta quando um menino lhe estendeu o livro para a dedicatória. “O que você deseja ser quando crescer?” “Quero ser correspondente da TV Globo, em Londres!” Deonísio arregalou os olhos em sinal de respeito, abriu o livro na página de rosto e perguntou: “E qual o seu nome completo?” “Marcos Losekann!” – respondeu o piá de cabelinho escovado.

Em Brasília, no lançamento de Cidade Livre, uma senhora se apresentou ao embaixador João Almino: “Vejo que temos muito em comum. Também passei minha infância na Cidade Livre; também vivi situações parecidas, frequentei aquela escola, conheci o Hotel Santos Dumont e andava pelos mesmos lugares que você descreve com grande fidelidade”. Deve ter sido frustrante ela saber que o escritor (curitibano por parte de sua mulher, a pintora Bia Wouk) nunca morou na “Cidade Livre” e havia colhido suas histórias de segunda mão, muitas delas pesquisas em mapas e crônicas da época encontradas numa biblioteca nos Estados Unidos.

Eloi Zanetti conta que, ao lançar em São Paulo o livro Administração, Futebol & Cia, apareceu um cara que, todo solícito, queria contratá-lo para várias palestras. Entregou um cartão, marcando uma reunião para o outro dia. “Fui lá, o negócio parecia bom” – conta Zanetti: “O escritório de luxo, em um grande centro empresarial no Morumbi. Pois bem, o cara era um vigarista e estava dando golpes em escritores, obtinha a autorização dos mesmos para colocá-los na sua lista de palestrantes, montava um circo, divulgava, pegava o dinheiro da turma e sumia. Tive sorte porque na mesma semana ele foi desmascarado na imprensa”.

Domingos Pellegrini, ao acabar uma palestra para colegiais, ficou a postos para os autógrafos. Lá pelas tantas da fila, apareceu um rapazola com o livro A Árvore Que Dava Dinheiro, em edição de duas décadas. O autor, surpreso, perguntou como conseguira aquela relíquia: “Era do meu pai, li quando tinha 12 anos!”. Ao abrir o livro para o autógrafo, o rapazola avisou ao autor: “Não é pra mim. É para o meu futuro filho. Vou passar o livro pra ele”. Domingos Pellegrini ainda hoje se orgulha: “Autografei com cuidado, meu primeiro autógrafo transgeracional!”

Pouco antes de lançar o Pássaro de Cinco Asas, o Vampiro de Curitiba entrou mordendo na Gazeta do Povo: “Doutor Francisco, quem foi que disse que eu vou lançar o meu novo livro na boate Quatro Bicos, sexta-feira meia-noite?”. O falecido editor tomou o telefone e em dois toques respondeu: “A notícia foi passada ao nosso repórter Toninho Vaz, pelos seus três amigos: Jamil Snege, Fábio Campana e Carlos Alberto Pessoa”.

Nêgo Pessoa, que há poucos dias nos deixou, deve estar distribuindo autógrafos nas Livrarias Celestiais. Com Jamil Snege ao lado, contando por que os três amigos viraram personagens de Dalton Trevisan.

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