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Dante Mendonça

Dante Mendonça

Benzedeiras para o bem do Brasil

(Foto: Felipe Lima)

Enterraram uma caveira de burro na Praça dos Três Poderes. Com tanto mau olhado e coisa ruim, só com muita reza braba será possível fechar o corpo dos brasileiros e nos livrar desses quebrantos. “Pé de pato mangalô três veis!” – ainda veremos essa pichação nos muros da Capital Federal, forma popular dos supersticiosos para não se referir ao nome próprio do capeta.

Não é de hoje que a ciência torce o nariz para as benzedeiras, com os seus saberes e suas mãos levando esperança onde houver o desespero. Conjurando espíritos com rezas e ervas mágicas, só com aquelas abençoadas podemos contar para, na salvação do Brasil, livrar os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário desse quebranto de origem jamais visto.

Muito antes das atuais bruxarias em redes sociais, benzedeiras das barrancas do Rio Iguaçu curavam o quebranto fazendo cruzes sobre a pessoa acometida do mal da inveja, recitando a seguinte oferenda: “Anecril (Alecrim) que foste dado / Sem ser semeado / Pela virtude que Deus te deu / Tira esse olhado / Ou seja cobranto (quebranto) / Tira mal a esse cristão”.

Maria Sete Pelos era portadora de um maçudo caderno de notas com todos os tipos de rezas para fechar o corpo

“É tiro e queda”, asseguravam as curandeiras da Lapa, contando causos de muita gente desenganada a tirar o pé da cova com uma simples garrafada de ervas: “O cheiro do alecrim protege dos raios e dos feitiços; as ervas apanhadas em dia de quinta-feira de Ascensão têm virtudes contra febres e bruxedos; o funcho, o sabugueiro e o alecrim colhidos na manhã de São João livram a casa das enfermidade; da arruda colhida no Dia de Natal à meia-noite se deve fazer chá para o caso de alguma moléstia”.

Conforme conto no meu livro Maria Batalhão, a benzedeira mais “empoderada” do Brasil Meridional se chamava Maria Sete Pelos. No imaginário das mulheres dos caboclos do Rio Iguaçu, não passava de uma rameira que dormia com o Diabo em troca dos poderes de fechar o corpo. Virgem do Contestado, Maria Sete Pelos (não pergunte aqui a origem do nome) aprendeu com o Capeta que a semente de um homem seria o elixir dos deuses, poção a reacender nos maridos paixões apagadas. Como que hipnotizados pelo revoar daquela mariposa do Iguaçu, os fregueses de seu lupanar eram só olhos e ouvidos quando algum ribeirinho perguntava à bruxa se era verdadeira sua ligação sexual com o demônio. Às gargalhadas, Maria Sete Pelos respondia: “À meia-noite no meu quintal com a cabeça ao ar, com a porta aberta para o Rio Iguaçu, eu enterro e desenterro umas botijas, e estou nua da cintura pra cima e com os cabelos soltos, e nua da cintura pra baixo eu falo com o diabo, e levo ele pra cama!”

Protegida e discípula do Monge João Maria, mito dos revoltosos da Guerra do Contestado, Maria Sete Pelos era portadora de um maçudo caderno de notas com todos os tipos de rezas para fechar o corpo. Das mais populares às desconhecidas até pelos padres exorcistas, revelava alguns poucos segredos para não abrir o corpo: não se deve comer tapioca ao anoitecer, pinhão caído de uma araucária atingida por raio, sentar em pedra de amolar ou no pilão, atravessar riacho com roupa preta, passar por baixo de uma cerca sem tirar o chapéu, beber água de bruços ou atravessar uma encruzilhada.

Só com aquelas abençoadas podemos contar para livrar os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário desse quebranto de origem jamais visto

Entre as orações para fechar o corpo contra balas quentes, facas frias, águas mortas e vivas, fogo, dentada peçonhenta, pragas e outros malefícios, Maria Sete Pelos costumava recomendar a poderosa e conhecida oração de Santa Catarina: “Santa Catarina milagrosa, se tiver alguma coisa atada dentro de minha casa ou do meu corpo, sairá em seu nome; se eu tiver inimigo não me enxergarão; não serei ferido com armas de fogo, nem com faca e não serei preso; de hoje em diante, não serei mordido de cobras, nem de aranhas. Em nome de Deus e de Santa Catarina não me botarão inveja, olho gordo e mau olhado”.

Contam os caboclos da divisa com Paraná e Santa Catarina, Maria Sete Pelos também atendia pedidos para fechar o corpo dos mais humildes, sempre que os gringos da estrada de ferro da Southern Brazil Lumber & Colonization Company avançavam nos pinheirais dos sertanejos. Nesse caso, a oração de São Cipriano pedia para segurar na mão direita uma chave e com ela fazer uma cruz na ponta do pé direito, outra cruz no peito e, por último, uma cruz na testa: “Salvo estou, salvo estarei, salvo entrei, salvo sairei, são e salvo na proteção de São Cipriano eu entro, com a chave do senhor São Pedro eu me tranco. A São Cipriano eu me entrego, com as três palavras do credo Deus me fecha. Que o Divino Espírito Santo ilumine nosso caminho, nos livrando da injustiça. Amém!”

Se não podemos ter fé nas benzedeiras, acreditar nas feitiçarias de Maria Sete Pelos, nem mesmo nas boas intenções dos ocupantes da Praça dos Três Poderes, que pelo menos Deus nos guarde e Santa Catarina com São Cipriano intercedam por nós!

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