No século passado, a extinta Rádio Guairacá era conhecida no Brasil e no mundo como “A voz nativa da terra dos pinheirais”. Emissora líder de audiência, tinha um elenco fabuloso de cantores populares, orquestras, conjuntos regionais, atores, humoristas e redatores, com os mais renomados locutores. Neste início de século, em plena pandemia, o Paraná perdeu outra “Voz Nativa dos Pinheirais”, o cantor e compositor João Lopes, nosso celebrado “Bicho do Paraná”.
Nascido na cidade de Califórnia, no Norte do Paraná, João Lopes se consagrou na década de 1980 com um verso que botou nas alturas a autoestima dos paranaenses: “Eu não sou gato de Ipanema/ Sou bicho do Paraná”. Ao ganhar projeção nacional, o Banco Bamerindus adotou o compositor em suas campanhas institucionais e – no dizer do publicitário Luiz Aurélio Alzamora – “Bicho do Paraná” se tornou o gentílico do paranaense.
Ah, aquele Bamerindus! Na agência de propaganda Umuarama os criativos vestiam a camisa da ousadia. Entre eles, Sérgio Reis, Luiz Aurélio Alzamora Gonçalves e, principalmente, Eloi Zanetti, então gerente da Umuarama que nos conta como teve olhos e ouvidos para revelar a obra de João Lopes:
“A música do João me foi apresentada para uma campanha de turismo do Bamerindus” – lembra o também escritor Eloi Zanetti, hoje desfrutando de belas paisagens na Serra da Mantiqueira, em Aiuruoca, Minas Gerais. “Ouvi e no dia seguinte, ao fazer a barba, pensei: se o paranaense assumir o caipira que ele é, será um grande passo em busca da nossa identidade. Propus o conceito de homenagear os paranaenses que faziam sucesso fora do estado e achei que chegaria a uns 15 nomes. Ao final da campanha, creio que 12 anos depois, existiram mais de 300 ´Bichos do Paraná´. Os primeiros foram Helena Kolody, Norton Morozovicz e Paulo Leminski. Helena Kolody, tempos depois, me contou um caso bem interessante. Ela estava indo de ônibus para o Boqueirão, quando um passageiro se levantou e disse: `A senhora é Bicho do Paraná! A senhora é Bicho do Paraná!`. De tão envergonhada, no primeiro ponto ela desceu e fez o resto do percurso a pé”.
“Desses 15 nomes que eu achava que iam aparecer, começou a aparecer mais, porque mais gente indicava” – continua Zanetti. “Eu era muito rígido na escolha. O cara tinha que fazer sucesso fora do Paraná. Lá pelos 100, 120 nomes, eu saí da campanha e já era a época de campanha do Zé Eduardo (José Eduardo Vieira, dono do Bamerindus e então vitorioso candidato a senador). Ele abriu a porteira. Entrou um monte de gente que não merecia ser `Bicho do Paraná´. Sônia Braga; Tony Ramos; apareceu uma cara que fazia cálculo balístico da NASA; indicaram o melhor neurocirurgião dos Estados Unidos, nascido em Cambé; e assim foram surgindo mais nomes. Sempre que saia alguém de Maringá, a turma de Londrina reclamava: `Vocês estão privilegiando Maringá!´, e vice-versa. E quando saía muita gente de Londrina era a mesma coisa”.
“A escolha de nomes para integrar a lista de ´Bichos do Paraná´ funcionava da seguinte maneira, relembra Zanetti: Eu fiz um acerto com o JotaJota (João José de Arruda Neto), que era diretor do Canal 12 (TV Paranaense) na época, porque seria inviável fazer uma campanha de 60 segundos, com três inserções por dia. O custo iria lá em cima. O que o Bamerindus pagava eram os sete segundos da assinatura. E a produção ficava por conta da TV. Então eu sentava com o Jota e escolhíamos as pessoas, porque sempre chegavam sugestões pra mim e para o Canal 12. Escolhíamos quatro ou cinco nomes e a turma fazia a produção. A gente aprovava e ia pro ar. E assim foi”.
A procura da identidade dos paranaenses era uma preocupação do Bamerindus, sobretudo do curitibaníssimo Eloi Zanetti: “Mineiro é mineiro, carioca é carioca, gaúcho é gaúcho, paulista é paulista, e o paranaense não tem identidade. O Estado é muito novo. E eu tinha essa ideia da busca de uma identidade. Uma vez eu estava em Minas com o jornalista Valério Fabris e contei a ele essa preocupação. Ele então me disse assim: `Vocês só têm vantagem. Vocês podem ser o que vocês quiserem. Aqui a gente já nasce mineiro, comendo pão de queijo´. Na mesma semana, eu estava em Porto Alegre conversando com outro amigo jornalista do Correio do Povo e repeti a história. Ele respondeu a mesma coisa que o Valério: `Vocês só têm vantagem. Aqui a gente já nasce de bombacha e tomando chimarrão. Vocês podem ser o que vocês quiserem`”.
A partir dessas duas conversas, Eloi partiu em busca da identidade do seu povo: “Acho que fez um bem danado para a autoestima dos paranaenses. Muita gente já tentou copiar essa campanha e não conseguiu, porque eu creio que ela é única e serviu naquele contexto e naquele momento”.
Certas ideias são amadurecidas e depois colhidas, a partir de uma sementinha jogada alhures. Com sua memória privilegiada, Eloi Zanetti não deixa de reconhecer que, nesta busca da identidade e autoestima do paranaense, também ajudou uma crônica do jornalista e escritor Carlos Alberto (Nêgo) Pessôa, quando escreveu que o paranaense era tímido demais da conta. Dizia que os políticos paranaenses, quando pisavam no carpete dos gabinetes em Brasília, “se acadelavam”. Os jogadores de futebol, quando pisavam no gramado do Maracanã, também “se acadelavam”. O Paraná carecia da autoestima, reitera o criador das mais premiadas campanhas publicitárias do Bamerindus e do Boticário: “Esse foi o “start”, a brasinha que a gente assoprou e saiu essa campanha. Devemos isso a essa frase do Nego Pessoa. Acho que ele morreu sem saber disso”.
O tempo passa, o tempo voa, mas a memória do João Lopes continua numa boa. E o “Bicho do Paraná”, graças à sensibilidade de Eloi Zanetti, continua sendo o gentílico do paranaense.
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