Nestas alturas do terceiro milênio não devemos lamentar que o poeta seja um bêbado. Devemos lamentar – mesmo com tantos amigos tragados pelo cigarro e pelo álcool – é que nem todos os bêbados tenham lido algum poema para não maltratar, além da conta, a própria língua.
Em 1981, o jornalista Rosnel Bond, com a filha Rosana Bond e o sobrinho César Bond, ambos também jornalistas e escritores, abriram uma mistura fina de bar com livraria: Bond Bar, Bond Ler. Ficava nos fundos de uma galeria comercial da Rua Emiliano Perneta. Embaixo, a bem fornida biblioteca; em cima, o bem fornido bar. Unindo os dois, estreita e traiçoeira escada de madeira que revelava muito da concorrida paisagem feminina.
Num fim de noite, estava César Bond bem decidido a fechar o caixa e abrir um livro de Ferreira Gullar, quando subiu um retardatário. Freguês bem conhecido, daqueles que chegam tarde, bebem quietos e saem tarde. Era daqueles boêmios iniciantes que pagavam a conta, coisa que a maioria dos inéditos escritores do recinto fazia questão de apenas autografar.
César Bond providenciava o uísque duplo do retardatário, quando o bom pagador o chamou: “Podemos levar uma conversa no particular?” Chorou o duplo uísque Old Eight, com bastante gelo, e se chegou à solitária mesa: “Estou precisando um favor do amigo.” “Sim?”, respondeu Cesinha, com aquele seu olhar sedutor que não sabia dizer não.
O retardatário deu o primeiro gole e revelou o que lhe afligia naquele fim de noite: “Você poderia trocar um cheque pra mim?” “Claro. Para os amigos tudo, se precisar até empresto um livro. Só depende de quanto é esse cheque. Hoje o movimento foi fraco.” “Mixaria. Coisa de mil cruzeiros.” “Mil cruzeiros? Numa boa!” “Só tem um detalhe, Cesinha.” “Sim?” “É que eu deixei o talão de cheque em casa…” “Sim!” “Então você me arruma os mil cruzeiros hoje, que amanhã à noite eu te dou a folha do cheque preenchida direitinho!”
A família Bond fechou o ponto de encontro etílico alguns meses depois, sem chegar a concluir o livro que Rosnel Bond estava escrevendo: Mestres da pendura.
Com a cabeça feita no Bond Bar, Bond Ler, o fim de noite era no Brasileirinho. Com direção geral da polaca Soninha, tinha boa comida da culinária nativa, com muitas moças disponíveis e música da melhor qualidade. Entre outros menestréis, os discípulos de Lápis ali mostravam o seu valor ao pianista Gebran Sabag, que volta e meia encantava a madrugada com o seu luxuoso jazz. Titular da casa, diariamente podia-se ouvir o violão de Olderico. Quem era Olderico? Um gaúcho com doutorado na boemia, cheio de rugas que o amor lhe deixou, amigo de copo de Lupicínio Rodrigues.
Era um fim de noite, Olderico no banquinho e no violão levando alguma coisa de Dolores Duran, quando adentra aquele tradicional retardatário. Com meia garrafa de uísque acima do pescoço: “Olderico, pára com esse nhenhenhém e canta aquela!”
Aquela é a canção genérica mais pedida em fim de noite. Olderico sabia todas: começou com Roberto Carlos, Amada amante, deu uma Cavalgada, chegou no Café da manhã. E o solitário do fim de noite ali: embevecido de um lado, embebecido de outro. “Bonito, Olderico! Agora toca aquela outra! Garçom, mais uma garrafa de uísque!”
Depois de todas “aquelas” canções do repertório de fim de noite, o retardatário não se aguentou nas calças: “Vou te confessar uma coisa. Até hoje só tinha dois amigos na vida. A partir dessa noite, tenho três: Old Parr, Old Eigth e agora você… Old Erico!”
*******
“A realidade é essa: nós não ‘vai’ ser preso.” Nós sabemos que nós “não vai”. Joesley Batista, o açougueiro da língua portuguesa, perpetrou para a história uma frase que não só envergonha os brasileiros, como também afronta nossos grandes poetas adictos à mesa do bar. Rosnel Bond, hoje dedicado ao merecido ócio em Bombinhas, sabe como poucos que neste país, honestamente, já se bebeu bem melhor.
Boicote do agro ameaça abastecimento do Carrefour; bares e restaurantes aderem ao protesto
Cidade dos ricos visitada por Elon Musk no Brasil aposta em locações residenciais
Doações dos EUA para o Fundo Amazônia frustram expectativas e afetam política ambiental de Lula
Painéis solares no telhado: distribuidoras recusam conexão de 25% dos novos sistemas
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS