| Foto: Felipe Lima
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Sempre que alguma epidemia apavora a humanidade, é preciso consultar o infectologista Valêncio Xavier, autor do livro Mez da gripe. O escritor e cineasta, agora com consultório no andar de cima, pede muita cautela com o coronavírus e sobretudo, por não fazer mal para ninguém, muita canja de galinha. Pé de pato, mangalô três vezes! Sai urucubaca!

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Pergunta: Dr. Valêncio Xavier, quais as causas do coronavírus?

Valêncio Xavier: Em 1918, uma epidemia de gripe se espalhou pelo mundo e matou entre 30 milhões e 100 milhões de pessoas. Na época, ninguém sabia que bicho era aquele. A causa da gripe era uma incógnita, até recentemente. Era a friagem, diziam as bisavós. O termo “influenza” veio do italiano, influenza di freddo, influência do frio.

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Pergunta: Então os culpados são italianos?

Valêncio Xavier: Infelizmente a “influenza” não derrubou Mussolini. E também não temos certeza se o vírus falava espanhol, ainda que o rei espanhol Afonso XIII tenha sido uma das primeiras vítimas ilustres. Muitos defendem a tese de que a doença começou nos Estados Unidos e foi levada para a Europa pelos soldados que combateram na Primeira Guerra. Na Espanha surgiram as primeiras notícias sobre a doença: o país, neutro na Primeira Guerra, não impunha a censura à imprensa, como acontecia com as potências beligerantes. Quando surgia em outros países, era logo chamada de “espanhola”.

"O primeiro grande caso de saúde pública no Paraná foi a terrível epidemia de bigodes de 1890, em Ponta Grossa"

Pergunta: Antes da Gripe Espanhola, que outra epidemia apavorou o Paraná?

Valêncio Xavier: O primeiro grande caso de saúde pública no Paraná foi a terrível epidemia de bigodes de 1890, em Ponta Grossa. Na época batizada de “peste do moustache”, quase todas as famílias da cidade foram atacadas pela epidemia que começou com uma família de imigrantes búlgaros no bairro de Uvaranas e se alastrou pelos Campos Gerais. A epidemia de bigodes só foi parcialmente controlada na virada do século, quando uma benzedeira de São Luiz do Purunã descobriu uma pomada milagrosa à base de óleo de peroba, raspas de chifre de boi mocho e mais um combinado de ervas colhidas no dia de Santa Rita de Cássia, padroeira dos casos impossíveis. Conforme foi constatado décadas depois, a “peste do moustache” é uma doença hereditária. A pomada milagrosa de Santa Rita de Cássia tem seus efeitos imediatos, mas a praga pode voltar nas gerações seguintes, em função de graves distúrbios emocionais.

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Pergunta: Por ser hereditária, quais foram as consequências da “peste do moustache”?

Valêncio Xavier: Muitos anos depois surgiu em Curitiba a “peste do topete”, vírus proveniente dos salões de beleza do bairro do Batel. Com milhares de vítimas entre jovens adolescentes, a “peste do topete” apareceu justamente no governo de Itamar Franco, o topetudo que derrubou a inflação. Há quem diga que o topete se propagou quando a atriz Luiza Brunet fez um desfile no Clube Curitibano e, em seguida, transmitiu o vírus através da capa da revista Desfile. Com um cabelo bem curtinho, todo atrás da orelha, o topete gigantesco da modelo virou uma praga nacional.

Pergunta: O próximo carnaval está sujeito a ser cancelado ou adiado por causa da epidemia?

Valêncio Xavier: O carnaval no Brasil só foi adiado por decreto uma única vez, em 1912, para o acompanhamento dos ritos fúnebres do Barão do Rio Branco. Mas como no Brasil tudo pode acontecer, o decreto não foi respeitado. Em abril, quando promoveram o carnaval oficial, o povo voltou às ruas para cair na folia pela segunda vez no ano.

Em 1918 faltou pouco para a gripe espanhola não matar também o Rei Momo. Com mais de 600 mil contagiados, mais da metade da população do Rio de Janeiro, foi um milagre que só 15 mil pessoas tenham morrido. De repente, em fins de outubro de 1918 a Espanhola amainou, os infectados se recuperaram e o carnaval de 1919 ferveu com esta marchinha com letra do poeta Bastos Tigre.

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“Quem não morreu na Espanhola / quem dela pôde escapar / não dê mais tratos à bola / toca a rir, toca a brincar. / Vai o prazer aos confins / remexe-se a terra inteira / ao som vivaz dos clarins / ao ronco do Zé Pereira. / Há alegrias à ufa / e em se tocando a brincar / nem este calor de estufa / nos chega a preocupar. / Tenho por cetro um chocalho / por trono um bombo de rufo / o Deus Momo, louco e bufo / vai começar a reinar.”

Pergunta: O que é aconselhável para reforçar o sistema imunológico?

Valêncio Xavier: Cautela e caldo de galinha não fazem mal pra ninguém. No Mez da gripe mostrei a dieta da época: indicava-se a tradicional canja de galinha. O resultado foram saques aos armazéns, atrás de frangos. Diante disso, a Diretoria Geral de Saúde Pública voltou atrás: “O uso do frango ou da galinha não é indispensável. A dieta poderá ser mantida por meio de leite, caldo de sopa de cereais, de legumes, de lentilhas, de arroz, aveia, centeio, etc. etc.” E continuava: “Fazer diariamente uso de uma solução de essência de canela, conforme as seguintes doses: uma colherinha das de café em meio copo de água açucarada, de duas em duas horas, até desaparecer a febre. Depois tomar uma colherinha em meio copo de água três vezes ao dia”.

Pergunta: Nestes tempos modernos, o que é aconselhável?

Valêncio Xavier: Salmão, bacalhau ou um suculento bife de fígado. E evite tossir em restaurantes asiáticos, principalmente de comida chinesa, para não esvaziar a casa.

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