Arte: Felipe Lima| Foto:

Não é segredo para os curitibanos de quatro costados que essa Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais é provida de uma Máquina do Tempo. Pode parecer que Alice mora aqui, na cidade das maravilhas, ou então que Júlio Verne se esconde no sótão do Ippuc, mas a verdade verdadeira é que, em qualquer paragem de Curitiba, basta estalar o dedo e somos transportados para além da imaginação.

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Da Sociedade Garibaldi podemos nos deslocar aos arredores de Milão, no fim do século 19, para um encontro com Giuseppe Verdi. Do Clube Concórdia nos remetemos à Baviera, frente a um copo de chope e um prato de chucrute com eisbein. Na Padaria América da antiga rua que lhe deu o nome, hoje Trajano Reis, voltamos à infância com a broa e as queijadinhas da dona Elsa, matriarca dos Engelhardt. Do alto do Edifício Moreira Garcez, o mais perfeito exemplar da arquitetura Flash Gordon – podemos decolar para as aventuras futuristas de Alex Raymond. E do mesmo edifício construído pelo engenheiro e ex-prefeito de Curitiba João Moreira Garcez, entre 1927 e 1929, também podemos retroceder no tempo para conhecer o projeto de um viaduto inspirado nas histórias em quadrinhos do Flash Gordon, ligando a Praça Tiradentes à Praça Carlos Gomes, área onde a serpente mãe dos congestionamentos depositou o seu primeiro ovo.

Num outro estalar de dedos, o falecido (e insubstituível) jornalista Aramis Millarch pode nos acompanhar ao “Baile dos Enxutos”, da Sociedade Beneficente Protetora dos Operários, numa segunda-feira do Carnaval de 1975. Ao lado do presidente do Ópera-Rio, como o clube era chamado, o presidente “Tatu” (Edgar Antunes da Silva) nos receberia para uma noitada que Aramis iria descrever na coluna Tabloide de quarta-feira de cinzas:

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“Mais de duas mil pessoas enfrentaram o calor, os empurrões e a falta de conforto para assistir a 33 travestis, a maioria deles ostentando uma plástica de fazer inveja a muitas mulheres, em sumárias tangas, com muitas plumas e paetês, desfilando num espetáculo entre o folclórico e o “mondo-cane” carnavalesco, aplaudido por muitos nomes conhecidos da alta sociedade.  Liderando um grupo ricamente fantasiado, o famoso Ney Azambuja Souza pulou até os últimos acordes, tendo em sua côrte maquiadores e costureiros da moda: Carlinhos Nunes, Magôva, Lu, Fred etc. O arquiteto Abrão Aniz Assad, diretor do Centro de Criatividade de Curitiba, democraticamente caiu no samba, enquanto, um pouco desanimado, o elogiado artista plástico Carlos Eduardo Zimmermann limitava-se a apreciar a festa, que classificou de ‘sensacional’. Dona Juril de Plácido e Silva Carnascialli, colunista social da Gazeta do Povo, liderava, no balcão, um familiar grupo de filha, sobrinhas e genros, inclusive o arquiteto Sérgio Todeschini Alves, diretor do Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico da SEC. Aliás, o secretário Cândido Manoel Martins de Oliveira, da Educação e Cultura, também foi assistir à festa. A certa altura da madrugada, alguns homens do numeroso contingente da Polícia Militar que garantia a paz e o amor do baile tiveram que organizar a fila da toilette das senhoras, tal o número de usuários que se formou. E a fila ganhou a entrada dos salões. Os travestis preferiram sumárias tangas, mas alguns ostentavam bonitas fantasias. Foi o caso de uma Carmem Miranda muito colorida, que quase não pôde desfilar tal a altura do adereço de cabeça, com turbantes e plumas, etc. Um desconsolado travesti loiro, em longo esvoaçante branco, chamado ao palco três vezes aos gritos de ‘Já ganhou’, não foi classificado no desfile de fantasias, mas ganhou, como Prêmio de Consolação, a faixa de Rainha do Carnaval. Em tudo isso apenas a solitária voz de dom Pedro Fedalto, vigilante arcebispo metropolitano, deu o contra. Escrevendo na Voz do Paraná, domingo de Carnaval, Sua Excelência Reverendíssima deplorou o baile e lamentou a vizinhança do Paço Episcopal, cujos floridos jardins divisam com o alegre clube. Desde 1955, afinal de contas, os nossos arcebispos não podem fazer seus retiros carnavalescos em casa, tal a animação do Ópera-Rio”.

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Curitiba, além da imaginação, em alguns aspectos mudou muito. A começar pelo arcebispo.