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Esquentando os tamborins

Arte: Felipe Lima (Foto: )

Com mais de 40 carnavais em Curitiba, estou chegando à conclusão de que o Rei Momo tem três saídas para sobreviver em meio a tantas contrariedades: ou muda o espírito da cidade (que pode ficar sem graça), ou muda de povo (coisa logisticamente complicada a mudança dos sambistas pra Antonina) ou discute a relação do policial com o folião. Com os ânimos exaltados, de um lado e de outro, mais em conta seria um armistício entre o General da Banda e o comando da Polícia Militar.

Quando inventamos a Banda Polaca, no rufar dos tambores da ditadura, a Polícia Militar não era chamada nem para escoltar a Rainha do Carnaval e as princesas. No máximo, o que se notava eram os oficiais superiores, de capitão para cima, “cavando uma boquinha” no camarote do Baile das Bem Boladas.

Bons tempos aqueles! – dirão os foliões de hoje. Nem tanto, pois naqueles idos quem se encarregava da “lei e ordem” era a Polícia Federal. Como se qualquer nota dissonante no carnaval fosse uma ameaça à segurança nacional. Hoje, no seu verdadeiro papel, graças a Deus e à democracia, a PF entrou na avenida para botar na cadeia os ladrões de casaca dos camarotes.

Em 1976, na primeira vez em que a Banda Polaca saiu do Passeio Público em direção ao Largo da Ordem, passando pela Boca Maldita, tive a subida honra de ser o porta-estandarte do bloco que tinha o que dizer à ordem unida: “Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”. Rafael Greca, com suas belas melindrosas do Clube Curitibano, era o General da Banda. Lá pelas tantas da Rua das Flores, dois camaradas nos abordaram para oferecer alguns aditivos: “Vai um papelote?” – disse um. “Aceita um bagulho?” – disse o outro. Como não aceitamos nem uma coisa nem outra, logo em seguida um conhecido da Polícia Civil veio nos alertar: “Se cuidem, a Polícia Federal está tentando armar um flagrante em cima de vocês. Estão oferecendo drogas para provar que isso aqui é um amontoado de maconheiros!”

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Para os foliões novatos, o nome pode não dizer nada. Mas para os de meia-idade, com alguns neurônios preservados, as Bem Boladas ainda desfilam na memória.

O Baile das Bem Boladas foi gerado nas páginas da resistente Tribuna do Paraná, pela imaginação do mestre Barriga, falecido chefe gráfico da Editora O Estado do Paraná. Nasceu na velha Sociedade Batel, o Batelzinho. Uma pândega de concurso de beleza, reunindo a fina flor das damas da noite curitibana.

Tão tradicional quanto o baile era a divulgação na Triboladas, coluna de humor onde semanas antes desfilavam as fotos das candidatas. Talvez mais importante que o próprio desfile. Certas candidatas, depois de arrebatar uma primeira página na Tribuna, até desistiam do concurso. Valia o que estava escrito e, se a Tribuna publicava, o cachê dobrava.

Mais hilárias que as legendas das fotografias eram as histórias que sobravam desta pré-temporada carnavalesca, com as garotas solicitando a publicação “daquela foto no sofá”. E o telefone na mesa do Dartagnan, eterno editor da Triboladas, não parava de tocar: “Gostaria de saber quando vai sair o resultado do concurso das Bem Boladas”. “Segunda-feira de carnaval.” “Sabe, seo Darta, hoje eu passei na quitanda do bairro e, olhando a Tribuna, descobri que a minha filha é candidata a Bem Bolada.”

“A senhora só descobriu hoje?” “Pois sim! E fiquei bem surpresa, pois pensei que ela trabalhasse no comércio.” “Pois é, minha senhora. De fato ela trabalha no comércio, mas no comércio mais antigo do mundo.” “Fazer o quê, seo Darta? …ela já é ‘di’ maior!”

Outro telefonema surpreendeu o editor, com a candidata pedindo para não mais aparecer na Tribuna: “Darta, meu anjo: vou casar antes do carnaval. Pega todas minhas fotos e rasga. Se o meu querido vir mais uma foto minha publicada, ele desmancha o casamento”.

Sim, o Darta manteve as fotos no arquivo. Poucos dias depois, quase em cima do carnaval, a moça volta a ligar: “Darta, meu anjo: não vou mais casar com aquele canalha! Você rasgou as minhas fotos?” “Não, continuam no arquivo!” “Ai, que sorte a minha! Darta, meu anjo, publica aquele retrato do sofá vermelho na Tribuna de amanhã? Publica porque voltei pra noite e estou na parada, meu bem!”

Na sucessão dos jornalistas Francisco (Pancho) Camargo e Manoel Carlos Karam, escrevi e editei a Triboladas na brava Tribuna do Paraná por uns bons e inesquecíveis anos. Incorporado no espírito do Darta, muito me diverti editando as fotos daqueles velhos carnavais.

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