Deixa que digam, que pensem, que falem. Se não existe carnaval na capital mais fria do Brasil, pelo menos um legítimo carnavalesco já viveu aqui no Capão da Imbuia.
No tempo do Lápis, da Gilda e do Leminski, quando Curitiba se assanhava com leite quente e chocolate, o carnavalesco Mansueden dos Santos Prudente (1933-1984) falava para quem quisesse ouvir: “Se você é mordido pelo cão, isto não é notícia. Mas se, em vez disso, você morde o cão, aí passa a ser notícia. Eu sou o cara que mordeu o cão e, às vezes, a Prefeitura!”
Se somar todos os foliões da história de Curitiba, vai faltar bamba para preencher o vazio que Mansueden deixou no nosso carnaval. Para quem não o conheceu chutando lata nas ruas de Antonina, com o nome Chocolate ele veio a ser o mais autêntico dos sambistas que já se dedicaram à luta inglória de cantar o samba enredo com sotaque LeitE QuentE. O Chocolate sem pejo e sem medo tinha o samba no sapato branco, vivia o ano inteiro em função do desfile e, quando lhe faltava cascalho no bolso, largava do pandeiro e, em pleno palanque das autoridades, botava a boca no trombone.
No carnaval de 1979 entrevistamos o Chocolate no barraco do Capão da Imbuia, entre utensílios diversos de macumba, violão, pandeiros e tamborins. Na parede, o cartaz de um show do compositor Lápis e o pôster da atriz Leila Diniz dando de mamar à filha Janaína. Poeta do povo e autor de harmonias felizes, Mansueden dos Santos Prudente tinha na época 48 anos: “Eu vim do Rio em 1949, mas nasci em Antonina. Sou bacucu de nascença e carioca de coração. Quando menino, fui sacristão na igreja Santa Terezinha. Eu era um bom cantor. Naquela época, quase ninguém cantava o samba de breque. Este estilo casou bem com minha voz e parti para o programa de rádio. Fui calouro e passei a profissional, quando fui obrigado a tocar uma imagem criada para mim, ou seja, a do malandro”.
Saindo às ruas para brincar no carnaval “desde que me entendo por gente”, desde o século passado Chocolate já era uma espécie em franca extinção, o carnavalesco 365 dias por ano. Mesmo os amigos mais chegados não compreendiam o que movia aquele crioulo simpático, poucos dentes, de sorriso amigo, muito ritmo e compositor dos mais inspirados. Fundador e provedor de uma escola de samba feita em casa, a Ideais do Ritmo jamais conseguiu boas notas dos jurados: “Para a comissão julgadora, só buscam sambista de Country Club!” – dizia ele.
No fundo do quintal, a Ideais do Ritmo era ponto de encontro do bairro Capão da Imbuia. Uma escola de samba que de escola só tinha o nome. Era um bloco onde desfilava a família Santos Prudente. Suas fantasias, alegorias e adereços eram improvisados. A bateria, porém, se não era a maior, era a melhor. Com pouquíssimos instrumentos, invariavelmente vinha com o entusiasmo do samba-enredo de autoria do dono do pedaço.
Chocolate vivia do carnaval, não tinha vergonha de confessar a dificuldade de arrecadar verbas e arrebanhar pastorinhas para o seu rebanho: “A falta de grana me deixa nervoso. Fazer carnaval em Curitiba é dificultoso, porque o povo não se motiva. Aqui no meu barraco é gente humilde. Minha verba é limitada, na linha da pequena. Eu sempre me pergunto por que o pessoal do bairro não vem aqui, se é por a gente ser humilde. Mas eu acredito que não, o povo é burro mesmo. Na vizinhança, existem oito igrejas de crente, uma católica, e acho que mais de 50% da população frequenta esses cultos. Os únicos corais que existem são das igrejas, e ali é um fanatismo louco. É muita igreja para pouco bairro. O pior é que já sou visado, pois sou macumbeiro mesmo, eles têm medo de chegar”.
Sempre com um Livro de Ouro embaixo do braço, Chocolate saía por aí para ganhar a vida. Ao visitar a indústria de um velho amigo, o carnavalesco foi logo apelando: “Morreu o Betinho, passista dos bons. Preciso de uma ajuda para o enterro!” O amigo lhe deu um ajutório em dinheiro, mas completou com uma galhofa: “Chocô, este ano sua escola não vai sair no carnaval. Não é?” “Claro que vai. Por que não sairia?” – respondeu Mansueden. O simpatizante puxou da carteira e da ironia: “Vai faltar passista. Este é o 18.º que você enterra. E só estamos em agosto!”
Chocolate nasceu com a alma de um tico-tico no fubá. Caso ressuscitasse com a alma de abutre, viria com o DNA de carnavalesco do colarinho branco: 30% carnavalesco, 70% contraventor. Esbanjando lábia e malandragem na arrecadação do Livro de Ouro, o Caixa Dois da época, estaria fadado a ser o fundador da Escola de Samba Unidos da República de Curitiba. Com Sérgio Cabral e Eduardo Cunha na comissão de frente.
Irreverente, Mansueden não se enquadrava nos regulamentos do desfile. Cheio de manhas, o bom malandro muito não exigia, mas, à frente de seus protegidos, exigia tudo que o Capão da Imbuia tinha de direito. Enfezado, ameaçava derrubar o prefeito. General de um exército que chegava ao campo de batalha já derrotado, Chocolate sempre abria os desfiles. Depois de atravessar a avenida, misturava alegria com cachaça. Sentado na calçada, chorava lágrimas com purpurina.
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