Felipe Lima| Foto:

Deixa que digam, que pensem, que falem. Se não existe carnaval na capital mais fria do Brasil, pelo menos um legítimo carnavalesco já viveu aqui no Capão da Imbuia.

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No tempo do Lápis, da Gilda e do Leminski, quando Curitiba se assanhava com leite quente e chocolate, o carnavalesco Mansueden dos Santos Prudente (1933-1984) falava para quem quisesse ouvir: “Se você é mordido pelo cão, isto não é notícia. Mas se, em vez disso, você morde o cão, aí passa a ser notícia. Eu sou o cara que mordeu o cão e, às vezes, a Prefeitura!”

Se somar todos os foliões da história de Curitiba, vai faltar bamba para preencher o vazio que Mansueden deixou no nosso carnaval. Para quem não o conheceu chutando lata nas ruas de Antonina, com o nome Chocolate ele veio a ser o mais autêntico dos sambistas que já se dedicaram à luta inglória de cantar o samba enredo com sotaque LeitE QuentE. O Chocolate sem pejo e sem medo tinha o samba no sapato branco, vivia o ano inteiro em função do desfile e, quando lhe faltava cascalho no bolso, largava do pandeiro e, em pleno palanque das autoridades, botava a boca no trombone.

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No carnaval de 1979 entrevistamos o Chocolate no barraco do Capão da Imbuia, entre utensílios diversos de macumba, violão, pandeiros e tamborins. Na parede, o cartaz de um show do compositor Lápis e o pôster da atriz Leila Diniz dando de mamar à filha Janaína. Poeta do povo e autor de harmonias felizes, Mansueden dos Santos Prudente tinha na época 48 anos: “Eu vim do Rio em 1949, mas nasci em Antonina. Sou bacucu de nascença e carioca de coração. Quando menino, fui sacristão na igreja Santa Terezinha. Eu era um bom cantor. Naquela época, quase ninguém cantava o samba de breque. Este estilo casou bem com minha voz e parti para o programa de rádio. Fui calouro e passei a profissional, quando fui obrigado a tocar uma imagem criada para mim, ou seja, a do malandro”.

Saindo às ruas para brincar no carnaval “desde que me entendo por gente”, desde o século passado Chocolate já era uma espécie em franca extinção, o carnavalesco 365 dias por ano. Mesmo os amigos mais chegados não compreendiam o que movia aquele crioulo simpático, poucos dentes, de sorriso amigo, muito ritmo e compositor dos mais inspirados. Fundador e provedor de uma escola de samba feita em casa, a Ideais do Ritmo jamais conseguiu boas notas dos jurados: “Para a comissão julgadora, só buscam sambista de Country Club!” – dizia ele.

No fundo do quintal, a Ideais do Ritmo era ponto de encontro do bairro Capão da Imbuia. Uma escola de samba que de escola só tinha o nome. Era um bloco onde desfilava a família Santos Prudente. Suas fantasias, alegorias e adereços eram improvisados. A bateria, porém, se não era a maior, era a melhor. Com pouquíssimos instrumentos, invariavelmente vinha com o entusiasmo do samba-enredo de autoria do dono do pedaço.

Chocolate vivia do carnaval, não tinha vergonha de confessar a dificuldade de arrecadar verbas e arrebanhar pastorinhas para o seu rebanho: “A falta de grana me deixa nervoso. Fazer carnaval em Curitiba é dificultoso, porque o povo não se motiva. Aqui no meu barraco é gente humilde. Minha verba é limitada, na linha da pequena. Eu sempre me pergunto por que o pessoal do bairro não vem aqui, se é por a gente ser humilde. Mas eu acredito que não, o povo é burro mesmo. Na vizinhança, existem oito igrejas de crente, uma católica, e acho que mais de 50% da população frequenta esses cultos. Os únicos corais que existem são das igrejas, e ali é um fanatismo louco. É muita igreja para pouco bairro. O pior é que já sou visado, pois sou macumbeiro mesmo, eles têm medo de chegar”.

Sempre com um Livro de Ouro embaixo do braço, Chocolate saía por aí para ganhar a vida. Ao visitar a indústria de um velho amigo, o carnavalesco foi logo apelando: “Morreu o Betinho, passista dos bons. Preciso de uma ajuda para o enterro!” O amigo lhe deu um ajutório em dinheiro, mas completou com uma galhofa: “Chocô, este ano sua escola não vai sair no carnaval. Não é?” “Claro que vai. Por que não sairia?” – respondeu Mansueden. O simpatizante puxou da carteira e da ironia: “Vai faltar passista. Este é o 18.º que você enterra. E só estamos em agosto!”

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Chocolate nasceu com a alma de um tico-tico no fubá. Caso ressuscitasse com a alma de abutre, viria com o DNA de carnavalesco do colarinho branco: 30% carnavalesco, 70% contraventor. Esbanjando lábia e malandragem na arrecadação do Livro de Ouro, o Caixa Dois da época, estaria fadado a ser o fundador da Escola de Samba Unidos da República de Curitiba. Com Sérgio Cabral e Eduardo Cunha na comissão de frente.

Irreverente, Mansueden não se enquadrava nos regulamentos do desfile. Cheio de manhas, o bom malandro muito não exigia, mas, à frente de seus protegidos, exigia tudo que o Capão da Imbuia tinha de direito. Enfezado, ameaçava derrubar o prefeito. General de um exército que chegava ao campo de batalha já derrotado, Chocolate sempre abria os desfiles. Depois de atravessar a avenida, misturava alegria com cachaça. Sentado na calçada, chorava lágrimas com purpurina.