Em menos de dois anos o prefeito Rafael Greca vai resgatar uma dívida ancestral com os pedestres de Curitiba. Tendo no sangue o capricho dos primeiros calceteiros da cidade e herdeiro de desativadas pedreiras de onde vieram os paralelepípedos das nossas principais vias, o neto do empreiteiro Raphael Francesco Greca vai rejuvenescer a Alameda Prudente de Morais – assim como foi feito na Rua Voluntários da Pátria – e consertar a Saldanha Marinho, rua que vai ligar numa passeggiata o Centro Histórico de Curitiba à Praça Espanha, desaguando o turismo na região do Batel, com todos os seus encantos gastronômicos e seu comércio sofisticado.
Aos eternos dependentes do “quanto pior melhor”, vale lembrar Abrão Assad, um dos arquitetos da revolução urbana de Curitiba: “Não tem cabimento dizer que o Centro da cidade não é importante. Dá a impressão de que falar do Centro da cidade é pecado, que não se pode fazer nada para o Centro, porque é antissocial. A verdade é outra. A verdade é que o Centro da cidade é o seu coração, a sua cara, a sala de visitas. Tão importante quanto a periferia”.
São lendárias as calçadas de Curitiba. Não há cronista que, por momentânea falta de assunto, não tenha cometido alguns parágrafos para registrar as maldições dos curitibanos ao andar em suas calçadas. A má fama vem de longe, quando a cidade era conhecida como “Cidade Sorriso”, epíteto cunhado pelo jornalista e caricaturista sergipano Hermes Fontes, que publicou crônica sob este título em 25 de fevereiro de 1929 aqui nesta Gazeta do Povo. Mas como o sorriso da cidade não combina com a feição dos seus pedestres, o elogio não emplacou porque somos forçados a andar na rua de cabeça baixa, ensimesmados e atentos, por culpa de nossas tão malconservadas, esburacadas e traiçoeiras calçadas. Principalmente na Rua Saldanha Marinho, por onde precisamos contar com a sorte para salvar as próprias canelas.
A Rua Saldanha Marinho tem no próprio nome uma vocação antiga para o destino de ser uma rua simpática aos pedestres: “Sandália Marinho”, era o apelido carinhoso e bem apropriado, criado pelo engenheiro Nicolau Kluppel. Com orgulho polaco, a boemia também se apropriou da “Sandália Marinho”, em suas andanças entre o Bar do Alemão, o Bife Sujo, o Bar Kappelle e Ao Distinto Cavalheiro.
Nada será como antes. Depois de atravessar a Rua Fernando “dos Chorões” Moreira, no cruzamento com a Alameda Prudente de Moraes o pedestre vai contar com um território dedicado ao sagrado direito de flanar, como se estivesse às margens do Rio Sena, em Paris, ou então indo e vindo pela Via Marguta, no Centro Histórico de Roma.
O projeto da Prudente, dos arquitetos do Ippuc Mauro Magnabosco e Carla Frankl, vai fazer da rua, com wi-fi público, o primeiro laboratório de 5G de Curitiba. A fiação das mídias será enterrada. O meio-fio de cinco centímetros será suave ao caminhar, já que a prioridade é para o pedestre, que também poderá tomar fôlego nos bancos de concreto do lado direito, à sombra das árvores escolhidas para abrigar e embelezar. O tráfego de veículos será definido nos limites do paralelepípedo. Do lado esquerdo, onde há concentração de bares, cafés e restaurantes, a calçada será mais larga, para ampliar o espaço de convivência na rua. Com anteparos fixos dividindo a área de trânsito, para dar segurança.
Como alternativa turística à Rua das Flores, a Prudente e em paralelo a Rua Saldanha Marinho vão ser induzidas ao comércio, ao turismo, à gastronomia, compondo o nosso território boêmio. Com obras de excelente custo-benefício, o prefeito Rafael Greca nos redime de passar medo e vergonha por nossas calçadas, explicação para o propalado mau humor do curitibano, este pedestre cabisbaixo, meditabundo e sem nenhum sorriso, por culpa de certas pedras no meio do caminho.
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