Pequenas vergonhas, todos nós temos uma para contar. Pequenas grandes vergonhas, muitos até se orgulham delas. Pequenas enormes vergonhas não são raras, são tão somente raras de chegar ao conhecimento público. E aqueles que as têm, pelo menos uma, acordam e dormem com elas no miolo do travesseiro.
Especialista em pequenas vergonhas foi o falecido arquiteto carioca Marcos Vasconcellos, autor de alguns livros com o mesmo nome: Pequenas Vergonhas. Numa das suas tantas histórias, tem aquela das duas senhoras intrometidas que se aproximaram, maravilhadas, do paisagista Roberto Burle Marx, em meio aos introitos de um banquete. Como por intrometimento certas pessoas gostam de tratamentos com aparência íntima, uma das madames, com gestos langorosos e uma afetação melosa, disse a Burle Marx: “Roberto, você sabe que minhas plantas adoram ópera? Crescem que é uma coisa!” “Pois as minhas preferem Brahms!” – disse a outra com o mesmo tom e efeito. “E as suas, Roberto?” O jardineiro Burle Marx não pensou duas vezes: “As minhas preferem bosta!”
Gostando ou não gostando (e há quem goste!), uma das imagens mais comentadas na Copa do Mundo da África foi aquela do técnico da seleção alemã, Joachim Low, comendo meleca do nariz no banco de reservas. De tão asquerosa, a cena é bem mais vexaminosa que aquela do senador Roberto Requião mastigando as mamonas oferecidas por Lula no Palácio do Planalto.
Parceiro nas reinações de Requião, o escritor Jamil Snege foi outro a passar por inesquecíveis pequenas vergonhas. Numa delas, ao atravessar na madrugada o ermo da Praça Osório, Jamil observou com o canto do olho um conhecido jornalista em “colóquio amoroso” com um soldado raso. Digamos que o engravatado homem de imprensa estava “hablando al micrófono”, como se diz no baixio da Rua Cruz Machado. O escritor apertou o passo, passou ao largo, mas mesmo assim ouviu o vozeirão do jornalista com a pronúncia prejudicada: “Jamil! Não cumprimenta mais os amigos?”
Snege era um mordaz contador de pequenas e grandes vergonhas, principalmente alheias. Uma delas, que ele nunca contou, aconteceu nos longínquos anos risonhos e francos da Rua Cruz Machado, quando a folclórica Velha Adega serviu de cenário para Tempo Sujo, a ruidosa obra de estreia de Jamil. Numa daquelas noites frenéticas, o brilhante e sedutor arquiteto Abrão Assad chegou de repente com uma das mais desejadas garotas do circuito intelectual de Curitiba. Que onda, foi uma entrada de arromba! Só quem viu e não gostou foi Jamil Snege, que dias antes havia levado um fora daquela musa. Na longa e animada mesa sempre comandada por Jamil, lá pelos tantos chopes o garçom passou junto ao ferino escritor com uma enorme travessa de talharim e – casualmente – tropeçou com molho de tomate e tudo sobre as costas de Abrão Assad. Foi o fim de noite para o arquiteto, que não sabia onde enfiar a cara.
Pessoalmente já passei por vergonhas inenarráveis, de não saber onde enfiar a cara, das pequenas e das grandes, minhas e alheias. Das minhas narráveis, uma delas aconteceu em Milão, em maio de 1983, ao visitar um parente com o filho de poucos meses: “Dio, ma che brutto ragazzo!” – disse eu, crente que “brutto” seria um elogio ao robusto italianinho. Foi feio pra mim.
Em maio de 2017, pouco antes de voltar de uma quarentena em Roma, fomos almoçar no pequeno restaurante em frente ao nosso apartamento alugado, quando o garçom nos chamou atenção para o telejornal da RAI: “È brutto il tempo in Brasile!”, ele nos disse, apontando para as imagens assustadoras do lamaçal em Brasília.
Ficamos com uma enorme grande vergonha. Vergonha do Brasil!
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